arte da capa: @xila_shippinhos
Boa leitura 👍
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Dante pov.
Folheio mais uma página do livro sem estar realmente lendo. Uma das desvantagens de viver em uma cidade pequena é o tédio desgraçado que vem às vezes. Aqui não tem muitos pontos de entretenimento além do Gasparzinho Lanches e do Suvaco Seco, e minhas habilidades tecnológicas são insuficientes para que eu consiga ter alguma rede social além do Whatsapp (que inclusive eu só tenho porque a Bea me ajudou).
Fecho o livro e encaro meu próprio nome na capa d'A Divina Comédia. Céus, eu preciso de livros novos. Penso em ir dar uma volta na biblioteca, a Jéssica, estagiária de lá, disse que iam chegar novidades, talvez seja legal dar uma espiadinha, vai que eu acho algo que me interesse.
Levanto do sofá onde estava deitado com uma preguiça anormal, semelhante a um zumbi putrefato levantando de seu túmulo. Hoje era pra ser meu dia de plantão no hospital, mas, como não tem muita movimentação aqui, a enfermeira Cibele me dispensou mais cedo, e pra piorar, a Bea está na floricultura e só tenho aula com o Arthur amanhã. Sem trabalho, sem planos, com tédio.
Dou uma volta desnecessária pela sala de estar em direção ao poleiro do Orpheu. Faço um carinho na cabeça dele, resmungando:
- As vezes me dá vontade de ser um passarinho também Orpheu. Não pensar em nada, não saber sobre nada, só comer, fazer cocô, voar e dormir. Deve ser legal, né?
O urutau me encara com aqueles olhinhos pretos estranhos dele, claramente confuso com minha fala:
- Viu, você não faz ideia do que eu tô falando, né? - Dou uma risada frouxa e reviro os olhos - Se eu continuar falando com o pássaro vou acabar ficando biruta. Melhor dar uma caminhada mesmo.
Me espreguiço e só aí percebo que ainda estou com meu uniforme do hospital. Vou tirando ele enquanto sigo em direção ao quarto, coloco uma blusa qualquer, uma calça preta padrão, amarro os cabelos de qualquer jeito e saio de casa.
Vou caminhando devagar, olhando o céu e pensando na vida, pensando nos últimos dias, nas pessoas que conheci, nas aulas que me meti, no Arthur.
Inclusive, preciso treinar um pouco os acordes que anotei na última aula, senão o Arthur reclama comigo, ele deixou bem claro que eu deveria tentar treinar um pouco todo dia.
Tenho que parar de pensar no Arthur, assim vou acabar invocando o garoto e o encontrando perdido por aí. Imagina só que loucura?
Chegando perto da praça da cidade, avisto logo quem sentado em um dos bancos? Nada mais, nada menos que Arthur Cervero, com uma cara não muito boa, com o violão e com um caderninho de lado, aparentemente treinando algo difícil. Merda. Sinto meu corpo travar, eu deveria ir dar um oi? Ou seria estranho? Eu saí de casa todo desajeitado. Eu e meus pensamentos malucos, olha só a merda que deu. Melhor rodear a praça e fingir que não o vi. Isso, boa Dante.
Nem dá tempo, quando penso em me virar, Arthur me vislumbra de longe e abana um dos braços, chamando minha atenção até lá. Merda, merda, merda. Ok Dante, não surta, respira e vai. Dou um sorriso frouxo e caminho em sua direção, meio nervoso com a situação.
- Oie Dante! Que surpresa te encontrar aqui, pensei que estivesse no hospital.
Quando chego perto, todo o nervosismo que eu estava sentindo se esvai. Arthur está estonteante como sempre. O sorriso que ele me lança não se compara nenhum pouco à expressão frustrada de antes. Seu sorriso também me acalma quase instantaneamente, o que me faz sorrir.
- Oi! Eu estava, mas saí mais cedo hoje.
Arthur rapidamente troca o sorrisinho travesso por um semblante preocupado. - Porque? Está se sentindo bem?
- Sim, sim, estou bem - Acho uma graça sua preocupação, Arthur realmente é bastante atencioso. - Só não havia muito movimento mesmo.
- Ah sim, saquei, que bom então. Senta um pouco aqui.
O pequeno se afasta e dá dois tapinhas no espaço vazio do banco. Me sento ao seu lado e me viro em sua direção.
- O que está fazendo?
- Tentando fazer essa sequência de notas, só que elas são difíceis até para mim e são tocadas muito rápido, tô quase pra desistir - Ele responde, bastante tristinho.
- Ah, não desiste não. Se tem alguém que consegue tocar qualquer coisa no violão, esse alguém é você Arthur - Aponto o dedo indicador para ele e continuo. - Eu acredito em você, sei que vai conseguir. Eu tentaria te ajudar, mas minhas práticas com as cordas são praticamente inexistentes.
Arthur gargalha de um jeito encantador, e me observa de uma forma singular.
- Obrigado pelo apoio Dante, já é uma tremenda ajuda, vou tentar de novo mais tarde, mas, por enquanto, chega.
Ele apoia o violão do lado do banco e se senta todo folgado, bastante a vontade, e começa a estalar os dedos das mãos.
- E você? O que estava fazendo?
- Nada demais, estava no tédio. Sai pra caminhar por causa disso.
- Que droga. Eu tava assim também, por isso vim treinar um pouco.
- E seus amigos? Não quis sair com eles?
- Ah, eu queria. Mas eles foram embora ontem, então tô sozinho de novo. - O baixinho coça a nuca, meio cabisbaixo.
- Ah tá, entendi, poxa.
- Não queria que tivessem ido, estou com saudades já. - Arthur seca os olhos já marejados, me deixando com dó, dá pra ver o quanto seus amigos são importantes para ele.
- Eita. Sinto muito. Você gosta bastante da companhia né?
- Sim. - Ele suspira e continua. - Sei que isso soa meio bobo, afinal, eles precisam ir né. Eles moram em São Paulo. Mas eu sinto falta de encontrar eles todo dia, às vezes. Aquele grupinho doido me salvou, eu não sei o que faria sem eles.
- Isso não é bobo, na real, acho que essa é a coisa mais sincera que eu já ouvi.
- Valeu.
Ficamos um tempo em silêncio, observando as pessoas passando. Arthur encara o horizonte, sem olhar de fato as pessoas, gostaria de saber o que ele está pensando. Encaro o chão, levemente envergonhado, e comento:
- Sabe, acho que eu nunca tive alguém que se importasse tanto assim comigo, além da minha irmã. O carinho que você tem por todos é tão... sincero, e bonito. Eles têm sorte de ter você.
- Ah, obrigado. - Suas bochechas ficam levemente vermelhas, e Arthur dá um sorrisinho - Sabe, você tem eu, agora. - Sorrio pra ele, tocado por suas palavras.
Ele sorri de volta, não deixo de notar que seus olhos se fecham levemente quando ele sorri, de uma forma tão fofa.
- Obrigado, Arthur. Você também tem eu, agora.
Ele acena com a cabeça, ainda sorrindo, e volta a olhar para a frente. Não sei exatamente como me sentir em relação a isso, mas fico muito feliz por saber que tenho Arthur Cervero ao meu lado, talvez mais feliz do que deveria, mas não importa.
Quase como um passe de mágica, o tédio vai embora tão rápido quanto chegou, e tenho uma das melhores tardes que poderia querer, em companhia do baixinho guitarrista.
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Espero que tenham gostado♥️
Pretendo começar a desenvolver melhor a relação dos dois a partir de agora, dá pra perceber no cap que o Dante praticamente só pensa no Arthur, e vai piorar 😃
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Aquele com os Danthur
FanfictionArthur é um guitarrista de uma banda, membro da gangue Gaudérios Abutres, que retornou a Carpazinha a pouco tempo. Dante é um médico formado, que se mudou a pouco tempo com sua irmã Beatrice, para sua cidade natal Carpazinha. Por ironia do destino o...
