Henrique: recomeço

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Ao entrar no escritório naquela tarde, a luz suave do sol da primavera dançava pelas cortinas semiabertas, criando padrões dourados no chão de madeira polida. O ar estava impregnado com o cheiro de papel e café recém-preparado, um lembrete constante da longa jornada que havia pela frente. Sentado à mesa, os dedos deslizavam pelas células das planilhas, cada número e fórmula uma pequena peça de um quebra-cabeça complexo. 

A exaustão começava a se instalar, os músculos das costas protestando suavemente contra horas de imobilidade. Com um suspiro, inclino-me para trás na cadeira, procurando um alívio momentâneo para a tensão acumulada. Meus olhos vagam pela mesa, encontrando a carta de Isabely entre os papéis. Seu nome escrito delicadamente me traz à mente lembranças de um passado compartilhado, um amor que ainda ecoava nos cantos mais profundos do meu coração. 

A carta, agora nas minhas mãos, revela palavras de arrependimento e vulnerabilidade. Minha mente é inundada por uma mistura de emoções conflitantes: amor, dúvida, incerteza. Será que eu poderia suportar seus defeitos? Eu realmente conheço ela? Será que poderíamos superar nossas diferenças e encontrar a felicidade juntos? 

Minutos se arrastam enquanto pondero sobre o papel em minhas mãos, meu olhar vagando pela janela. O pôr do sol pinta o céu com tons de laranja e rosa, uma cena de beleza tranquila que contrasta com a turbulência interna que sinto. Decido buscar um momento de clareza e frescor, me levantando e indo em direção à janela aberta. 

Enquanto me acomodo para sentir a brisa suave da tarde, um movimento inesperado acontece. Ao retirar a carta, um pequeno papel se desprende dela, dançando no ar antes de ser levado pela brisa para fora da janela. Instintivamente, alcanço-o e leio suas palavras antes que ele desapareça completamente: "As torrentes não podem apagar o amor, nem os rios o podem submergir." 

Uma onda de emoção me atinge, meu coração acelerando com a mensagem inesperada. Olho para a carta novamente, vendo-a sob uma nova luz. Decido que devo mantê-la comigo, um lembrete tangível do que uma vez foi e do que poderia ser novamente. 

Enquanto ainda estou absorvendo essa revelação, meu celular emite um som, uma notificação que interrompe o silêncio contemplativo. É um lembrete cruel e irônico: hoje é o dia do baile de Isabely, um evento que me lembra da vida que poderíamos ter compartilhado. 

Decisão tomada, palavras de perdão e esperança ecoam em minha mente. Levanto-me rapidamente da mesa, determinado a transformar esses pensamentos em ações. Faço uma prece silenciosa ao vento, clamando por perdão e por uma segunda chance. Com um novo propósito, saio do escritório em direção à minha casa, preparado para enfrentar o que quer que o destino tenha reservado para nós.
Na penumbra do quarto, o jovem homem observava-se no espelho com meticulosidade. Cada detalhe do traje elegantemente escolhido ressaltava a intenção por trás da vestimenta impecável. Um terno escuro, perfeitamente ajustado, contrastava com a camisa branca, como a promessa de uma página em branco pronta para ser escrita. Os sapatos polidos refletiam a luz suave do abajur, enquanto o nó da gravata estava cuidadosamente alinhado. 

O coração batia acelerado em seu peito, não apenas pela ansiedade do evento iminente, mas também pelos resquícios da discussão com sua amada. Henrique esperava que Isabely estivesse no baile, foi com a cara e a coragem ao encontro dela. 

Ao adentrar o salão, uma onda de expectativa o envolvia. Os risos e a música preenchiam o ambiente, mas seus olhos buscavam apenas uma figura entre a multidão. No entanto, ela não estava lá. O salão luxuoso, ornado com candelabros brilhantes, tornou-se um palco vazio para a tragédia que se desenrolava em seu peito. 

Um lampejo de memória iluminou sua mente. Ela amava o mar, das suas histórias que vivenciou com seu pai quando criança. Para ela, carregava um grande significado, sua juventude fora marcada por essas lembranças, até os dias de hoje, pois a infância é um terreno que vivemos a vida toda sem perceber. Ele se recordou do momento compartilhado à beira das ondas, em seus sonhos, onde suas almas se entrelaçavam como os fios dourados do sol poente. Sem hesitação, ele abandonou o salão e se dirigiu ao oceano, seguindo o farfalhar suave das ondas. 

Sob o manto escuro da noite estrelada, o som suave das ondas quebrando na costa ecoava como uma serenata natural. A brisa marinha acariciava sua pele, trazendo consigo o aroma fresco do oceano. O luar iluminava a praia deserta quando ele a avistou, sua silhueta esculpida contra a paisagem noturna. Ela estava ali, sozinha, perdida em seus próprios pensamentos, observando as ondas dançarem na brisa marinha. Ele se aproximou, o coração pulsando em seu peito. 

Henrique olhava para Isabely com admiração, como se ela fosse a própria personificação da beleza noturna. Seus cabelos negros fluíam ao vento, destacando ainda mais sua pele iluminada pela luz prateada da lua. Ela parecia como um anjo a observar o céu. 

Foi com passos incertos, mas determinados até ela. Perto de sua amada, nada vinha a sua mente, apenas uma melodia, "ah aquela melodia", ele pensou.
Começou a cantarola a melodia pelos seus lábios, enquanto caminhava até ela. 

Ela se vira surpresa, seus cabelos ao vento, uma cena que se entalhava no
coração do jovem. A moça reconheceu a melodia, seus olhos lagrimejaram. Um sorriso grande e vibrante forma em seus lábios.
Sem interromper a melodia que fluía de seus lábios, Henrique estendeu a mão para Isabely. Ela aceitou o gesto com um aceno suave de cabeça, permitindo que ele a conduzisse em uma dança improvisada pela praia. Seus passos eram leves e sincronizados, como se tivessem dançado juntos mil vezes antes. Isabely começou a cantar a canção da melodia. 

_ Seu olhos me conduzem, me acalmam,
E conforta de tantas maneiras,
Que me sinto até em outra dimensão. 

E estando em seus braços me sinto próximos as estrelas, 

Você consegue sentir o que sinto? Ver o que vejo? ... 

Dançavam lentamente, mas sintonizados, alegres e calmos. Como a brisa de uma noite gélida. 
Trocaram olhares de compaixão e súplicas. Ele a admirava em silêncio, absorvendo cada detalhe do seu belo vestido lilás, que esvoaçava como pétalas de uma flor celestial sob a luz prateada.

A canção, agora apenas um sussurro entre eles, ecoava como uma declaração de sentimentos profundos. Seus corações batiam em uníssono, a maré tocando seus pés descalços como uma bênção do oceano. Sob o olhar cintilante das estrelas e da lua, Henrique acariciou o rosto de Isabely com delicadeza, seus lábios se aproximando em um beijo sereno e apaixonado.
E assim, se entrelaçavam nas linhas do destino e recontados ao longo das páginas do tempo.

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