Annelies

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O breu em volta de meu corpo e a fumaça instalada no ambiente sufocavam-me ao limite. Eu sabia que eram as lembranças de minha mãe, das guerras e bunkers. Toda a vez em que sonhava com as lembranças de minha mãe, ficava alguns dias deprimida. Talvez fosse um dos momentos em que eu mais entendia o meu pai, que viveu sua vida toda traumatizado e que esteve junto com a minha mãe até o seu falecimento.

Cada um de nós teve sua forma de lidar com a partida de minha mãe, que era vista como uma mulher justa entre os estrangeiros Eldianos e por ter um parentesco com Armin, conselheiro da Rainha e Comandante das Tropas de Reconhecimento e das questões dos refugiados vindo após o Estrondo. Meu pai se dedicou completamente aos seus afazeres em nossa casa e fazenda, cuidando de mim e de meu irmão mais novo, até que eu completasse idade suficiente para entrar no exército de Paradis. Na verdade, minha função não era nem de uma policial militar, mas sim como investigadora, já que muitos refugiados não-Eldianos suplicavam para entrar em Paradis e sofriam ataques de ódio por conta de seu país de nascimento, apesar de serem seres humanos.

Desde os 20 anos, meu papel era ajudar meu tio Armin a organizar essas pessoas que não tinham para onde ir, eram perseguidas constantemente. Eu via o sofrimento deles, o medo de sem saber para onde iria, a falta de um lar para qual voltar. Sem falar dos olhares que recebiam dos Yeagueristas, que sempre tinham um motivo para diminuir, desmoralizar, xingar, agredir um Eldiano que tivesse vindo de Marley ou pior. Mesmo sendo partes do mesmo povo, os Eldianos não se viam como um e pior não se reconheciam como um povo.

De acordo com a minha mãe, pelo que pude perceber, folheando seu longo diário sobre a guerra, mesmo a nossa origem sendo a mesma, Eldianos de Paradis, Eldianos de Marley e outros países e até mesmo os que não eram Eldianos viviam em constante luta pelo poder, marcada por sangue e discriminação, em que só aquele que fosse o mais forte me termos bélicos e de dominação poderia se sobressair.

Eu observava o quanto aquilo a desgastou, sendo que a guerra e o Estrondo terminaram, em prática, quando ela tinha um pouco menos da minha idade, no auge de sua juventude, aos 20 anos. Mas não foi assim. A guerra existia muito antes e persistia ainda, muito depois da morte de Eren Yeaguer e hoje posso notar o quanto minha mãe refletia isso em seus escritos, que ela só deixara para mim e meu irmão.

Minha mãe começou a escrever seus diários quando eu ainda tinha poucos meses de vida. Vivíamos isolados em uma fazenda, dentro da Muralha Maria, tendo proximidade somente com a família de meu pai, minha avó Karina e minha prima Gabi e seu namorado Falco. Meus tios Armin, Annie, Pieck, Connie, Jean, Mikasa, Levi e Onyankopon me visitavam algumas vezes, mas era difícil eu ter contato com outras crianças, somente na escola, que ficava no vilarejo mais próximo. Eu sempre estava observando minha mãe escrever em seus cadernos.

Meu pai saia algumas noites e voltava tarde. Tinha momentos em que preferia ficar sozinho. Para mim, era curioso, mas não ao ponto de interferir em sua vida. Tínhamos uma relação próxima e os dois brincavam muito comigo, porém, eu podia perceber momentos de angústia e sofrimento que os dois passavam, sempre em silêncio. Uma vez ou outra conseguia expiá-los da janela de meu quarto, chorando abraçados, enquanto ambos tentavam se acalmar um ao outro, por baixo das estrelas. Somente há poucos anos, quando atingi a maioridade e meu pai me entregou com curto as memórias de minha mãe fui entender sobre o que tanto eles sofriam.

Meu irmão, Peter, nasceu seis anos depois de mim, em 864. Revoltado e quieto, muito mais apegado à minha mãe, ele não conseguiu lidar com o choque de perder Liesel mais cedo, aos 12 anos. Minha mãe sofria com a doença de sua família, que a levou com 42 anos, no ano de 876. Meu pai nunca se recuperou totalmente. Se antes já tinha os seus momentos depressivos, agora passava a maior parte do tempo em seu quarto e só conseguia sair de nossa fazenda se acompanhado por Pieck, Jean, Connie ou Armin. Eu tive que lidar, aos 18 anos, com toda a responsabilidade sobre o meu irmão, que não entendia a perda, muito menos a dor que ela causava, e principalmente porque não tinha a nossa mãe ali para nos explicar o que havia sido aquela guerra, que parecia ter sido esquecida ou maquiada nos livros de Historia.

Minefields: Shingeki No KyojinWhere stories live. Discover now