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Meu corpo ainda latejava.
A densidade da energia da fenda era esmagadora. Eu sentia cada átomo da minha pele em chamas.

Abaixo de mim, havia algo gelado, e isso era um alívio para meu corpo cansado. Era arisco, molhado.

Abri os olhos. Era uma grama, e muito verde. Isso, definitivamente, não me parece O Vazio.

Quando ergui o rosto, eu estava do lado de fora de uma gruta, a beira de um riacho. E por algum motivo, minhas roupas pareciam mais leves.
Me levantei com dificuldade, ainda sentindo a dor me envolver.

Foi quando vi meu reflexo naquela água. E quase senti minhas pernas cederam.
Eu estava em outro corpo.
Ou melhor, em meu próprio, porém mais jovem. Bem mais jovem.

Veja bem, eu não envelheci muito desde a Criação, mas a diferença era muito notável. Era como se eu fosse uma jovem adolescente que acabou de entrar numa faculdade.

E em um mundo que eu não faço IDEIA de qual seja.

Longe de meus irmãos, do meu único amigo e perdida. O que podeira piorar?
Eu estava quase, quase tendo um colapso nervoso.

Me sentei no chão de terra, próximo a beira do lago, e abracei minhas pernas, já sentindo as lágrimas de desespero beirando meus olhos.

Minutos se passaram, e finalmente, o que provavelmente seria minha (única) salvação entrou no meu campo de visão. Eu o vi de longe, mas nem mil quilômetros seriam suficientes para me fazer confundi-lo.

Aliás, minha salvação não era uma fenda para meu mundo de novo.
A minha salvação tinha cabelo preto rebelde e usava uma camisa xadrez preta.

Minha salvação era Joshua.

Eu gritei seu nome tão depressa que até mesmo ele pareceu se surpreender, mesmo que já estivesse vindo em minha direção. Mesmo que desleixada, eu me levantei e corri até ele.

Ele tem que ser real.

E quando me agarrei a ele entre seus braços fortes, ele respondeu minha pergunta mental:

— Eu sou real, minha criança, não se preocupe. — criança. Somente ele me chamava assim.

Céus, eu poderia chorar de alívio se tivesse mais tempo.
Enterrei o rosto em seu peito, provavelmente sujando sua camisa, mas se bem o conheço, ele não se importaria.

— O que esta fazendo aqui, Joshua?

— Entre muitas outras atividades extras, vim salvar você.  — respondeu-me, apoiando o queixo no topo da minha cabeça.

— Você já soube?

— O sumiço de um dos Quatro Primeiros não seria algo tão escondido assim.

Comecei a chorar ainda mais quando lembrei de resquícios antes que o portal se abrisse.
Mas não precisei dizer nada.

Ele não está morto.

Eu travei no abraço dele.
Me afastei bem rápido, buscando um resquício de mentira na voz dele.

— O que?

Joshua respirou fundo, como se aquele fosse um assunto difícil.

— Castiel não está morto. Muito menos no Vazio.

Meu olhar caiu. Meu chão pareceu surgir e sumir ao mesmo. Eu perdi o foco alguns segundos, mas antes de eu dizer algo, ele tomou a palavra outra vez.

— Ele está aqui, em Zeventien. Nesse mundo. O Criador me enviou aqui para salvar vocês. Vocês dois.

— Mas eu vi... espere, desde quando você tem permissão para transitar?

O rosto dele se endureceu. Pela primeira vez, eu o vi com raiva. E não era uma coisa que eu queria ver de novo.

— Eu deveria lhe perguntar o mesmo, Lorena.

Eu me retraí completamente.
Senti a vergonha pelo meu erro me consumir. Mal olhei para ele.

— Eu tinha que fazer isso.

— E veja o que isso lhe custou! Você abriu uma fenda, Lory. Você desobedeceu a Ele!

— Eu não O traí, Joshua. Eu só queria salvar o meu irmão.

— Isso não deveria ser um trabalho seu. Eu estava a caminho!

— Ninguém estava fazendo nada!

— Ele deu ordens claras a vocês! A todos vocês! E vocês desobedeceram.
O pior de tudo é que Ele não está irritado, Lory, e sim chateado.

E ali eu preferi que o próprio Criador descesse sua fúria sobre mim.
Eu preferia morrer por Suas mãos à decepciona-lo.
Eu já estava encarando o chão a tempo demais. Meus olhos encheram-se d'água de novo, e meu corpo tremia.

Quando ergui os olhos, contemplei os últimas segundos de expressão raivosa de Joshua, mas quando ele me viu, perdeu a postura. A inquietação o tomou, e ele se aproximou novamente. Eu estava assustada demais para recuar.

— Ei, ei, calma. Me desculpe, eu me exaltei. — eu segurava os soluços enquanto sua mão deslizava sobre o meu cabelo — nós vamos resolver isso, está bem? Nós vamos achar o seu irmão e devolver vocês a Zestien. Você não precisava ter vindo até aqui pra isso, mas agora não há mais o que fazer.

— O que eu causei, Joshua? Eu causei problemas?

De início, ele não me respondeu.
Não me afastei dele para perguntar novamente:

— O que foi aquilo que eu vi quando transitei?

— Você viu o Vazio. Os Esquecidos.
Eles estão enfurecidos. Porque...

— Diga.

— Por sua causa, Lory.
Porque você conseguiu transitar entres os mundos naturalmente, aquilo que eles sempre tentaram a vida inteira.

Afundei em seu peito ainda mais. A dor da decepção me consumia cada vez mais.

— Eu cuido do Vazio depois, só não se desespere por isso, está bem? Eu vim aqui ajudar vocês dois, pela permissão e ordem dEle. Ele ama vocês e nunca vai deixa-los. Por favor, não esqueça disso.

Ele sussurrava como se compreendesse a minha dor. E ainda assim, não aprovava minha atitude. Joshua era exatamente assim, e por isso eu O amava.

Nos afastamos um tempo depois. Suas mãos pousaram sobre meu rosto, e ele enxugou as lágrimas que caíam, enquanto eu reprimia as outras.

Nem mesmo a presença de Joshua era suficiente para me fazer sentir.

•.°

Joshua me levou para uma cafeteria ainda dentro da área florestal daquele mundo. Ele pediu um prato que eu não sabia o que era, mas me prometeu que eu gostaria.

— Qual as diferenças de nosso mundo esse lugar possui?

— Dentre divergências ambientais e algumas tecnológicas, eu diria unicamente comportamento. Os humanos sabem ser... cruéis? Eu não sei se uso ou não essa palavra.

— Não acho que sejam um povo pelo qual vale a pena, então — eu ri sozinha. Joshua sorriu, puxando as mangas da camisas, escondendo os pulsos.

Não concordo. Acho que são ótimos. Eles só são... sabe, imperfeitos. Mas sabem viver.

13:31Onde as histórias ganham vida. Descobre agora