08. tipagem sanguínea

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A chuva caía como uma névoa fina quando fui para a biblioteca na hora do almoço. A senhora Monroe havia acabado de ligar o aquecedor, e o barulho do motor era ensurdecedor em contraste com o silêncio da biblioteca. Abri o meu casaco, abaixei o capuz e ajeitei o meu cabelo molhado para que o aquecedor pudesse secá-lo enquanto eu ligava o computador decrépito.



Eu detestava usar a Internet daqui. O modem era lamentavelmente obsoleto e o provedor estava muito abaixo dos padrões; apenas a discagem levava tanto tempo que decidi aproveitar para comer o meu almoço enquanto esperava. Comi lentamente, mastigando cada porção com cuidado. Ao terminar, guardei o recipiente e a colher na minha mochila. Aguardei impacientemente enquanto a tela do computador se abria na aba de buscas e finalmente pude iniciar a minha pesquisa.



Certamente, levou um tempo incrivelmente longo e quando os resultados finalmente surgiram na tela, havia uma infinidade de coisas para explorar - desde filmes até programas de TV. A maioria das coisas ali eram besteiras relacionadas à ficção científica. Mas ei, aqui estava eu vivendo em uma realidade alternativa e apaixonada por um personagem de um livro.



Exasperada, passei as mãos pelos meus cabelos enquanto tentava controlar a minha irritação. Aquilo tudo era tão idiota. Eu estava sentada na biblioteca de uma escola, pesquisando sobre a morte e os universos paralelos. O que havia de errado comigo? Concluí que a maior parte da culpa cabia à Lily. Se não fosse por ela e a sua teimosia de irmos para o meio do mato sem mais ninguém, nunca teríamos nos perdido, ou melhor, eu nunca teria caído naquele maldito rio e vindo parar aqui!



- O destino é mesmo uma merda - suspirei enquanto me levantava da cadeira.



A frustração estava estampada em meu rosto enquanto eu andava de um lado para o outro. Eu sabia que algo estava errado em toda essa situação. Mas o que? O que eu estava deixando passar? O que aconteceu naqueles poucos minutos antes do meu afogamento? Eu me lembrava das toras de madeira, me lembrava do meu tornozelo preso, me lembrava da Lily gritando o meu nome... mas havia algo mais ali, pouco antes de eu me afogar...


Uma dor latejante começou a se espalhar pela minha cabeça, como se alguém estivesse batendo nela. Fechei os meus olhos por um momento, tentando aliviar a pressão, mas a dor persistia, cada vez mais intensa. Cada batida do meu coração parecia ecoar na minha cabeça, aumentando a sensação de desconforto.



Quanto mais eu forçava a minha mente a se lembrar, mais os meus pensamentos ficavam turvos, como se estivessem envoltos em uma névoa densa. Era difícil me concentrar em qualquer coisa, e até mesmo os sons ao meu redor pareciam distantes e abafados.


Com raiva, puxei a tomada do computador, sem esperar para desligar tudo adequadamente. Peguei a minha mochila, o meu casaco e sai sem ter certeza para onde eu iria. O som da chuva batendo no asfalto ecoava em meus ouvidos. Cada passo que eu dava era firme e determinado, como se eu estivesse desafiando o próprio tempo. A água escorria pelo meu cabelo, encharcando as minhas roupas, mas eu não me importava.


Eu estava presa nesse mundo, sem nenhuma expectativa de voltar para o meu universo. As inúmeras perguntas que circulavam em minha mente também permaneciam sem respostas, deixando-me confusa. O que eu poderia fazer diante dessa situação? Eu não via nenhuma alternativa a não ser seguir em frente. Talvez essa fosse a minha segunda chance de viver. Talvez eu realmente tivesse morrido no meu mundo. Seja por causa do afogamento ou por causa dos lobos, bem, isso não importava mais. Tirando a Lily, eu realmente não me importava com mais ninguém da minha antiga realidade.


O estacionamento estava quase todo deserto, com exceção de alguns alunos que estavam matando aula. Vi Edward dentro do seu Volvo enquanto ele lia algum livro, franzi a testa em confusão. Edward matando aula? Isso era incomum.



- Isso tudo é tão frustrante! - reclamei, enquanto andava para a minha aula de Biologia.



O meu estômago embrulhou quando o Sr. Banner perfurou o dedo de Mike e imediatamente percebi o motivo de Edward ter faltado à aula de hoje. Eu também teria matado aula se soubesse o que me aguardava aqui. O repentino cheiro metálico e a náusea instantânea que se seguiu fizeram a minha cabeça tombar na mesa metálica à minha frente.


- Kate, você está bem? - Angela perguntou, suas mãos acariciaram as minhas costas.



- N- n- não - Eu gaguejei.



- Senhor, acho que a Kate vai desmaiar.



- Sempre há um. Você pode levá-la até a enfermaria?



Eu presumi que Angela tenha confirmado, porque de repente eu estava sendo guiada para fora da sala e para o ar frio da chuva. Cada passo que dávamos eram acompanhados pelos sons dos nossos sapatos afundando nas poças d'água. As gotas de chuva caíam incessantemente sobre nós. Minha roupa que já estava molhada, agora estava encharcada, colada à minha pele. Angela e eu caminhamos apenas por um minuto antes de eu ter dado um passo errado e o mundo ao meu redor desmoronar em um breu sem fim...



Não sei quanto tempo se passou até que os meus olhos se abrissem novamente, só sei que tinha uma luz forte ofuscando a minha visão.



- Senhor! Ela acordou! - Passos soaram à minha volta e parecia que alguém estava falando comigo.



Aos poucos o cenário à minha frente foi ficando cada vez mais nítido e vi um teto branco, então me lembrei do motivo do meu desmaio.




- Oh meu Deus! Kate!



Pera aí, eu reconhecia aquela voz chorosa. Como isso era possível? Eu tinha voltado? Olhei ao meu redor e percebi que os meus braços estavam tão finos e fracos. Os meus pulsos estavam ligados a diversas agulhas. E por que o meu cabelo estava tão grande? Quanto tempo eu tinha apagado? Eu tentei mover o meu corpo e tentei falar mas nada se mexia e havia um tubo enfiado na minha garganta...



Então eu entrei em desespero...



Eu não poderia ter voltado agora! Não quando eu estava começando a me acostumar com a ideia. E o Jasper? Eu nem tive a chance de me despedir dele...



O suor escorria pelas minhas têmporas e a cada passo que os médicos e as enfermeiras davam eu podia sentir o meu coração querer pular para fora. As mãos de Lily seguraram as minhas bochechas.


- Kate, você está me ouvindo não é? - seu rosto estava vermelho e haviam bolsas escuras debaixo dos seus olhos. Ela era a imagem do desgaste físico - Eu preciso que... você se lembre disso, Kate. O portal para a nossa realidade vai se abrir... só assim você... Kate, o seu tempo está acabando... se você não voltar durante o proxi... você vai ficar presa nesse universo para sempre.



O barulho irritante de um bip soou ao fundo da minha cabeça. Agora os médicos estavam ali, na minha frente, e a minha visão estava ficando turva de novo. O bip acelerou desenfreadamente antes mesmo que as mãos dos médicos chegassem ao meu corpo.



- Parada cardíaca! - um deles gritou.



- Carregue em duzentos!



- Um... dois... três... vai!

lost in twilightWhere stories live. Discover now