Nando

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"A esperança é um alimento da nossa alma, ao qual se mistura sempre o veneno do medo"

(Voltaire)

Fernando de Luca Cardinali

"Nando"

Os dias se arrastavam lentos, chuvosos e cinzentos. Muito tempo se passou desde o ataque de Lia na floresta, e me olhando agora no espelho podia ver que devia ter perdido uns cinco quilos ou mais. Meu cabelo estava bem crescido e minha barba por fazer me dava um ar envelhecido, mas isso não tinha importância agora. Nada tinha.

Olhei o relógio, meu pai chegaria em poucos minutos. Bateram à porta.

-Pode entrar. – Eu falei sem desviar os olhos do espelho.

-Com licença. Nando?

A voz de Luisa me tirou do meu inferno particular. Eu a olhei para saber o que queria, mas não perguntei.

-Eu montei uma mesa pra você comer alguma coisa antes do seu pai chegar.

-Obrigado Luisa, mas estou sem fome.

Ela me olhou em desaprovação.

-O que está pretendendo fazer? Olhe pra você. É assim que quer continuar? Vai ficar doente.

Eu a olhei calado, não queria começar uma discussão sobre a minha aparência. Não queria ser grosso com ela que estava tão abatida quanto eu. Mas era muito pedir que me deixassem reagir a essa situação a minha maneira?

Já era difícil o suficiente estando apenas eu e minha consciência, minhas lembranças. Será que não podiam compreender que minha dor não deixava espaço para mais nada?

-Quando ela acordar vai querer ver vida nesses olhos verdes que ela tanto ama. –Ela tentou me animar, mas sabia, assim como eu, que as possibilidades era uma em um milhão.

-Já se passaram três meses. Sem uma única reação, um único movimento. – O desespero da minha voz nunca conseguiria transmitir a dor que as imagens dela imóvel e quase sem vida me causavam na alma.

-Mas enquanto o coração estiver batendo, tem vida e se tem vida há uma chance. – Ela colocou as mãos em meus braços. – Não desista. Não perca as esperanças.

-Luisa, eu só estou em pé ainda, porque eu tenho esperança. – Ninguém podia imaginar o quanto esse único fio de esperança me sustentava e me dava forças pra continuar vivendo.

-É isso mesmo. Ela é forte. –Depois de um breve silêncio ela voltou a falar. –O que o seu pai sabe disso tudo?

- Ele pensa que ela foi atacada por uma sucuri na floresta e que foi socorrida por uma tribo indígena nas proximidades. Vou reforçar dizendo que a tribo não permite a entrada de homens brancos, com exceção do pai dela e de mim, é claro. Ele não deve criar problema. Já nos falamos varias vezes no telefone sobre o assunto.

-Vamos estar aqui para apoiá-lo sempre.

Eu a olhei agradecido. A visita do meu pai não podia vir em pior hora. Mas há tempos eu estava contando a ele uma série de mentiras que evitasse que viesse me ver. Chegou um momento que não deu mais. Ouvimos o carro estacionar. Descemos juntos para recebê-lo.

Luisa foi abrir a porta, enquanto eu o esperava na sala Branca. A imagem do meu pai surgiu entrando pela porta principal. Ele me olhou avaliando meu estado que eu sabia que não estava nada apresentável.

-Filho. – Eu conhecia esse tom de voz preocupado. De repente ter alguém familiar por perto não era tão ruim. – Você está tão abatido. Não me diga que ela...

A AnimistaWhere stories live. Discover now