A primeira impressão

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"Não sei se existe amor à primeira vista, mas com certeza existe a primeira impressão."


Eu estava simplesmente derretendo. Não tinha outra palavra que pudesse descrever com tanta realidade o estado que eu e todas as outras pessoas da sala nos encontrávamos. O calor de 38 graus estava nos matando cozidos sem que pudéssemos fazer nada.

 Prendi meus cabelos com um bico de pato no alto da cabeça. Mas ele nunca parava completamente. Estava muito comprido, chegando até o meio das costas e além de extremamente liso era pesado demais para o prendedor de alumínio, o que me fazia sentir mais encalorada ainda. 

Era nesses dias que eu lamentava realmente ter que vir pra escola. Poderia ficar lá no Vale do Portal e ir nadar no rio. Seria maravilhoso poder mergulhar naquelas águas e se refrescar um pouco. Joguei a franja para o lado com a cabeça e olhei o relógio em cima da porta. Faltavam só mais alguns minutos. O ventilador girava em vão no canto da parede da sala, mas de nada melhorava o ambiente ou o humor das pessoas que não viam a hora do sinal bater e poder todos correr pra casa para colocaras roupas mais leves possíveis. 

Depois do que pareceu horas a fio, finalmente conseguimos ir embora. Juntamos o material rapidamente e saímos para a rua que graças a Deus era ladeada de enormes árvores que nos faziam sombras agradáveis e nos permitiam sentir um ventinho fresco e bem-vindo. 

Eu gostaria imensamente de ir direto para a Casa Colonial ou como costumávamos chamá-la, república da Diva, onde eu morava junto com outras crianças e adolescentes do Vale que estudavam ali em Manaus, mas teria que esperar minha irmãzinha que estava na segunda série e sairia uma hora depois de mim, pois tinha que frequentar o reforço devido às baixas notas nas aulas de matemática. Além de todo o inconveniente de esperar, ainda tínhamos que ficar a mercê dos horários dos ônibus, pois o micro ônibus da república não ficaria uma hora a mais nos esperando. Iria arrancar as orelhas dela pessoalmente se ficasse no reforço do próximo semestre, porque eu realmente não queria mais esperar por três vezes na semana. 

Se a Diva, responsável pela pensão e por nós, não fosse tão permissiva, minha irmã Clara não teria notas tão baixas em matemática. Ela sempre deixava as crianças fazerem o que queriam e Clara era viciada em vídeo games. Ao invés de estudar ficava a tarde toda jogando. O resultado estava bem debaixo do nariz dela. Reforço!

Bom, o jeito era comer alguma coisa por ali, adiantar a lição de casa e, se sobrar algum tempinho, ler alguma coisa enquanto esperava por ela. Almoçar uma refeição completa e saborosa era a melhor ideia no momento, afinal não sei realmente como podiam não perceber minha anormalidade em relação à comida. 

Devido ao meu apadrinhamento felino, eu comia demasiadamente. Obviamente as pessoas não sabiam, embora admirassem da mesma maneira, o porquê da minha fome de leão. Era até engraçado como pronunciavam "fome de leão" sem saberem realmente o sentido mais figurativo da frase. Eu realmente tinha uma fome de leão, ou para ser mais precisa, de leoa. 

E o fato de ser magra mesmo diante dos quilos de comida que ingeria todos os dias, era uma incógnita para eles. Mas não para mim. Meu organismo felino absorvia tudo de maneira muito rápida e eficaz. Sentia-me bem e feliz depois de devorar refeições completas as dúzias. Foi sorrindo que eu entrei no restaurante "Da floresta", um dos melhores e mais apetitoso de Manaus e também, o mais próximo da escola. Era uma freguesa assídua e bastante consumista. 

O proprietário era o Seu Valdeci, um senhorzinho um pouco calvo, magro e moreno, de uma elegância simples e agradável que recebia os estudantes como filhos e tinha as mãos de fadas para cozinhar pratos deliciosos. Ele tinha conseguido transformar o seu restaurante em um ponto de encontro da galera. O ambiente era amplo e tinha um ar condicionado super forte para alegria de todo amazonense que sofria com o verão devastador. 

A AnimistaOù les histoires vivent. Découvrez maintenant