A traição

34 5 0
                                    


"Nascer é uma aquisição em meio à luta feroz de milhões de seres possíveis. Morrer é uma perda solitária."

(Valter da Rosa Borges)


Eu estava ansiosa. A cama estava lotada de roupas que eu tinha experimentado e tirado. Eu não sabia o que vestir para o almoço em que eu conheceria o pai de Nando. Ele finalmente tinha encontrado tempo para vir a Manaus e eu queria causar uma boa impressão.

E que falta me fazia à opinião da Tina. Ela tinha voltado para o Pantanal na semana passada após o término das aulas. Choramos muito na despedida, mesmo ela me prometendo que viria passar uns dias comigo nas férias, seria bem estranho não tê-la todos os dias por perto.

Já podia sentir o vazio imenso que pairava dentro do quarto, embora ela não tivesse levado todas as suas coisas ainda.

Olhei-me no espelho. Vestia um short cargo de sarja preto com bolsos frontais, uma blusinha branca de helanca leve com mangas franzidas e elástico na cintura, o tênis All Star ainda poderia ser substituído por uma sandália de tiras.

Casual. Era essa a palavra que ele tinha usado quando eu perguntei que roupa eu devia vestir. Mas, agora, me olhando no espelho tinha dúvidas se um short era uma boa pedida para um almoço com alguém que eu nunca tinha visto. Entretanto só de pensar em por uma calça já me dava arrepios. O calor estava matando. Podia optar por um vestido.

Olhei o relógio e me dei conta que teria que me apressar. Afinal em meia hora ele estaria ali para me pegar. Corri para o closet no fundo do quarto em uma última busca. Tirei um vestido florido do cabide. Coloquei em frente ao meu corpo para ter certeza que ficaria bem, mas era impossível saber sem um espelho para olhar.

Corri de volta para frente do quarto onde poderia me olhar no espelho, mas parei de imediato quando me deparei com a Lia sentada na cadeira da escrivaninha, brincando de rodá-la.

-A que tinha no meu quarto não rodava. – Ela falou parecendo muito a vontade estando sentada ali.

Ela deu uma última volta e parou precisamente virada para mim, as mãos segurando o acento da cadeira, o olhar fixo no meu rosto. Eu não podia ver nada além de uma menina séria, sentada de frente pra mim e me encarando curiosa. Mas o fato dos meus instintos ficarem todos em alerta era um sinal que havia algum perigo rondando.

-Ninguém te falou que é falta de educação entrar sem bater Lia? – Eu tentei parecer natural, mas a presença dela tinha me agitado os nervos.

-E quem disse que eu sou uma menina educada? – Ela retrucou friamente.

-O que você quer aqui? – Fui direto ao ponto.

Ela se levantou e eu fiquei ainda mais atenta aos seus movimentos, aproximou-se da cama e pegou uma peça de roupa que estava jogada nela. Avaliou torcendo o nariz em desaprovação. Jogou de lado e pegou outra.

-Quer parar de mexer nas minhas coisas? – Eu estava ficando realmente impaciente com a presença dela no meu quarto. Coloquei o vestido que eu estava segurando em cima da cama de Tina e fiz um movimento para tirar a blusa que ela estava pendurada em uma das mãos dela.

Antes que eu pudesse fazê-lo ela recuou. No mesmo instante meu celular tocou. E como sempre só podia ser o Nando já que ele continuava a ser o único que me ligaria naquela hora.

Ela olhou em direção ao telefone que estava em cima da escrivaninha e ao perceber sua intenção sai em disparada, mas ela estava mais próxima e alcançou ele primeiro numa agilidade impressionante.

A AnimistaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora