A descoberta

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"A verdadeira origem da descoberta consiste não em procurar novas paisagens, mas em ter novos olhos."

(Marcel Proust)


O jantar com o pai de Nando tinha sido adiado por problemas de trabalho. Fiquei aliviada, devo confessar, embora eu e Nando estivéssemos cada vez mais apegados um ao outro, a tensão com as reações diariamente mais inusitadas de Clara ainda perdurava na Casa. Minha mãe estava passando uns dias conosco a fim de acompanhar o comportamento dela mais de perto. Meu pai aparecia aos fins de semana e a essa altura meu namoro tinha deixado de ser a principal preocupação no momento.

Os sintomas, ou seja, lá o que for que estava se manifestando em Clara, era prioridade para eles e estávamos todos em alerta para qualquer eventualidade que a envolvesse.

Vez ou outra ela parecia mais calada, pensativa. Em certos momentos observava fixamente as pessoas como se tivesse buscando saber algo. Mas na maioria dos dias não passava de uma criança normal como qualquer outra da Casa. Nada concreto tinha acontecido desde o jantar.

O semestre estava acabando. Faltavam apenas uma semana para o término definitivo das aulas. As crianças já tinham sido dispensadas das atividades, pois o fundamental sempre finalizava antes do ensino médio.

A casa estava agitada com as crianças se arrumando para voltarem ao Vale e desfrutarem as tão sonhadas férias. Eu me sentei para tomar café na cozinha porque a sala Branca estava muito cheia. Minha mãe apareceu uns dez minutos depois.

-Ah, bom dia mãe. Como está a Clara hoje?

-Aparentemente normal já que não parou de falar um minuto desde que acordou.

Ambas rimos. Afinal ser uma tagarela era uma marca registrada dela.

-E você? – Ela perguntou servindo-se de café e sentando-se de frente comigo.

-Eu? – Fiquei surpresa com a pergunta sem contexto.

-Sim. Tem pensado no que falamos sobre... bem, sobre você e o Nando?

Ainda que eu tentasse não conseguiria disfarçar o quanto o assunto era desagradável para mim, sem contar que não esperava a retomada dele, já que a tranquilidade dos últimos dias me fez crer que estava tudo resolvido nessa parte.

-Pra ser sincera não. Eu não vejo possibilidade de... – De repente fiquei bem tímida pra expor meus sentimentos para minha mãe. Conversar tão abertamente não era uma coisa que costumávamos fazer.

-Não vê possibilidade de ficar longe dele? – Ela completou sabiamente a frase que eu tinha deixado pela metade.

Sentia-me totalmente estranha, não era uma conversa que eu queria ter, embora soubesse que não ia conseguir adiá-la por muito tempo. Diante do meu silêncio ela continuou.

- Sabe Halina. Eu estive observando vocês dois o tempo todo durante essa minha estada aqui. – A voz dela era suave, quase divertida. – E me lembrei de quando eu e o seu pai nos apaixonamos. O mundo todo fica tão pequeno, tudo se resume em estar sempre juntos. Os pensamentos são tomados, as atitudes são direcionadas e tudo que está fora do "eu e você" parece que não tem valor. 

Ela sorriu amigavelmente.

-... E a cada dia que passa, quando achamos que tudo vai se acalmar, que vamos nos acostumar com o sentimento, nos vemos em alguma situação que o intensifica. E a paixão torna-se amor.

-Se sente assim até hoje? – Ela assentiu e eu perguntei novamente. – Mesmo depois de tantos anos juntos?

-Ainda mais. Porque a vida vai se construindo em volta do que sonhamos, do que planejamos. E conforme vamos amadurecendo e concretizando nossos ideais, o sentimento amadurece e cresce junto com a gente. É assim que o amor funciona. Pelo menos o verdadeiro amor.

A AnimistaWhere stories live. Discover now