A Corrida

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Uma tradição antiga, que remonta aos primórdios da humanidade e aos albores da sociedade Alfa-Beta-Ômega, perdura até hoje: a Corrida. Apesar do nome aparentemente simples, esta prática é uma das pedras angulares dos mitos e crenças dessa civilização. Como conseguiu sobreviver ao passar dos anos? Talvez por ser alimentada por um instinto primitivo ou pela necessidade humana de participar do jogo emocionante — e viciante — da dominação. Atualmente, a Corrida é promovida em canais de televisão, outdoors, páginas de redes sociais e até mesmo em cursos preparatórios. No entanto, sua essência permanece inalterada: uma caçada em que os ômegas são as presas.

Um jovem lançou um olhar de repugnância ao folheto que lhe foi entregue em uma rua movimentada da capital britânica. Era mais uma propaganda sobre a Corrida, informando que o prazo para as inscrições dos ômegas estava prestes a se encerrar. Ele segurou a ânsia que sentiu ao examinar o panfleto: todo colorido, ostentando desenhos infantilizados das mascotes daquele ano — uma ovelha para representar os ômegas e um lobo para os alfas. Uma minimização descarada da realidade brutal por trás do evento.

"Quanta porcaria," murmurou ele, amassando o folheto e atirando-o em uma lixeira próxima.

Cada região realizava sua própria versão da Corrida, um evento em que os alfas mais destacados da sociedade competiam na busca pelo seu "ômegas perfeitos". Esta busca, no entanto, não era uma mera seleção: envolvia uma caçada frenética em arenas especialmente desenhadas, que podiam variar desde densas florestas e pântanos lamacentos até ruínas de cidades fantasmas criadas artificialmente apenas para o evento. Na corrida — ou caçada, como talvez devesse ser mais apropriadamente chamada —, os ômegas tentavam desesperadamente escapar dos alfas que os perseguiam. Quando capturados, no entanto, eles eram obrigados a se submeter ao seu capturador, entregando-se de corpo e alma a uma noite que, de forma eufemística, era chamada de "amor". Se tivessem sorte, os ômegas poderiam receber a famosa "mordida" e estabelecer uma ligação verdadeira com o Alfa, formando um casal reconhecido pela sociedade. No entanto, não era incomum que o Alfa e o ômega apenas se cruzassem durante aquela corrida, cumprissem seus papéis e depois seguissem caminhos separados. Caso o ômega ficasse grávido como resultado desse encontro, ele seria beneficiado com uma generosa pensão. Para os Alfas, afinal, um filho representava um tesouro inestimável, digno de toda reverência.

E por que tudo isso ocorre? Qual é, afinal, o verdadeiro motivo da existência da Corrida? Os Alfas, seres dotados de poderes que beiram o sobrenatural, dominam a sociedade. Contudo, esses indivíduos enfrentam um problema grave: uma alta taxa de infertilidade. Apesar de seu poder e influência, a reprodução é uma luta árdua para eles. Produzir mais Alfas é complicado e a maior probabilidade de sucesso reside na união com os férteis ômegas. Mesmo assim, as estatísticas de fertilidade continuam a ser desanimadoras.

A solução encontrada foi a criação da Corrida, permitindo que os Alfas copulassem anualmente com um ou mais ômegas sem a necessidade de compromisso matrimonial, tudo na esperança de gerar herdeiros. Mas por que os ômegas participariam? Caso conseguissem engravidar, receberiam uma pensão quase milionária por carregar no ventre o precioso herdeiro de um Alfa. E por que simplesmente não serem capturados, sem o ritual da corrida? Uma crença antiga sustenta que os ômegas mais resistentes, aqueles capazes de escapar da maioria dos perseguidores, seriam os mais férteis. Além disso, a perseguição induz ao estado feral dos Alfas, elevando seus níveis de excitação ao máximo e, teoricamente, aumentando suas chances de fertilidade durante o evento. Assim, com uma estrutura simultaneamente obscena e desprovida de qualquer sentimento genuíno, a Corrida persiste.

Ele detestava a Corrida, especialmente por ser um ômega. Embora já não fosse mais uma participação obrigatória como nos tempos antigos, a pressão social era imensa. A mídia propagava incansavelmente que o destino ideal para um ômega era entrar na Corrida. Quem optava por não participar era estigmatizado como covarde ou como alguém com algum tipo de incapacidade, física ou mental. Para ser considerado um ômega respeitável aos olhos da sociedade, era quase um imperativo ter participado ao menos uma vez do evento. De fato, uma pergunta comum para quebrar o gelo em conversas com ômegas era sobre a participação em uma Corrida. Jovens ômegas preenchiam as páginas de seus cadernos escolares com rotas de fuga imaginárias, traçadas em labirintos esboçados a caneta. Os pais, antecipando o inevitável, matriculavam seus filhos ômegas em cursos de corrida e sobrevivência desde a infância, tudo em preparação para a Corrida que viria.

Tais pensamentos o distraíram a ponto de quase atravessar a rua enquanto o sinal estava verde para os carros. Ironia do destino, um ônibus cruzou rapidamente diante dele, exibindo em sua lateral a imagem de um ômega sorridente, trajando roupas de corrida. O veículo anunciava as datas da próxima Corrida Britânica. A mensagem, em letras garrafais e em um tom de rosa que ele achou irritante, declarava: "O primeiro passo para seus sonhos está logo ali, na Corrida Britânica". Ficou estarrecido com a situação; seria o cúmulo ser atropelado por um ônibus ostentando tal propaganda.

Finalmente, com o sinal a seu favor, ele atravessou a rua e percebeu o quanto estava atrasado. Acelerou o passo, correndo pelas sinuosas ruas do bairro chinês de Londres, onde a energia era palpável mesmo em um dia comum. Turistas e moradores locais se misturavam, tirando fotos ou degustando comidas de rua como dim sum e pato laqueado. Lanternas vermelhas balançavam suavemente ao vento, enquanto o cheiro de incenso e especiarias preenchia o ar. As vitrines exibiam tudo, desde ervas medicinais até amuletos da sorte.

Por fim, alcançou a esquina onde ficava o "Dragão de Jade", o restaurante que lhe dava emprego. Sem perder tempo, ele se esgueirou por um beco ao lado do edifício, desaparecendo pelas portas dos fundos.

"Você está atrasado, ômega," declarou o chefe, um homem asiático de porte avantajado que nem se deu ao trabalho de olhar para ele, totalmente focado na complexa coreografia de panelas e utensílios da cozinha apertada do "Dragão de Jade". Embora Harry já trabalhasse ali há cinco anos, seu nome continuava a ser um mistério para o chef Chang.

Meu nome é Harry, Harry Potter, ele pensou, irritado. No entanto, escolheu não corrigir o seu superior e apenas resmungou: "Foram só dois minutos", enquanto se apressava para vestir seu avental manchado de gordura.

"Dois minutos muito longos, ômega. As panelas não se lavam sozinhas, você sabe. Não lhe pago para ser preguiçoso!" Chang retorquiu, sem tirar os olhos das chamas que dançavam sob suas frigideiras.

Mordendo o lábio inferior para conter um impropério, Harry canalizou sua raiva em suas tarefas. Com um movimento brusco, ele prendeu seus cabelos castanhos sob a touca e, em seguida, atacou a pilha de louça acumulada na pia como se cada panela e prato fosse um inimigo a ser vencido.

Tão concentrado estava em sua tarefa que não notou o vibrar de seu celular e as mensagens que ali se acumulavam.

~**~

Durante o intervalo, Harry sentou-se nos degraus atrás da cozinha, que dava para o estreito beco. Ali, ele segurou um prato repleto de bolinhos chineses recheados de carne de porco e caldo: eram Xiao Long Bao. Apesar do mau humor, o chef Lang sempre fazia questão de alimentá-lo. Dizia que um ômega não deveria ser tão esquelético. Harry gostaria de salientar que ninguém, independentemente de ser ômega, beta, alfa ou seja lá o que for, deveria estar tão abaixo do peso. No entanto, ele nunca diria não a comida extra.

Foi assim, saboreando os bolinhos quentes e deliciosos, que Harry começou a ler com um crescente alarme as mensagens enviadas pelo seu melhor amigo, Ronald Weasley.

De imediato, Harry tentou ligar para Rony, mas parecia que seu amigo estava ignorando suas ligações. Em resposta, Ron enviou uma mensagem dizendo que explicaria tudo quando Harry chegasse em casa.

Com dificuldade, Harry engoliu o último bolinho. Agora sentia uma náusea avassaladora, pensando em tudo que estava acontecendo à sua volta. Será que tinha interpretado mal as mensagens? Talvez a atmosfera carregada da Corrida estivesse afetando seu julgamento. Revisitou as mensagens e as leu novamente.

Não havia dúvida: Ron estava realmente o alertando de que Gina Weasley, sua irmã mais nova e também ômega, estava negociando sua virgindade com um alfa.


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