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A Gata vivia em uma casa e sua dona era uma senhora que morava só, tendo apenas a Gata para lhe fazer companhia. A pobre Gata não tinha muita liberdade pois não podia sair e nem ao menos miar dentro de casa. Sua existência se limitava a ser companheira da senhora, sua vontade era a vontade de sua dona, seu mundo era a casa em que vivia. A senhora, muito protetora, sempre dizia que fora das paredes daquela casa, a pobre felina seria morta. A Gata sempre acatou as ordens de sua dona, mas sempre se imaginava correndo e saltando livre pelos telhados assim como via os gatos da vizinhança fazer. Sua dona sempre praguejava quando via os gatos soltos na rua e por medo de que entrassem em sua casa ou para impedir que a Gata se encontrasse com eles, mantinha todas as portas e janelas fechadas. Nem que tentasse, a pobre Gata conseguiria fugir, mas um dia a oportunidade trazida por uma circunstância insignificante mudou esse universo fechado.

Em um belo dia de verão, onde os termômetros chegavam aos 30° graus na sombra, ficar em uma casa fechada como aquela dava a impressão de estar num forno. Devido ao calor a senhora não suportou o abafamento dentro de casa e pela primeira vez em muitos anos, deixou uma janela aberta, não por completo, mas o suficiente para o ar passar. Com curiosidade a Gata se aproximou da janela, encostou seu focinho na abertura e se deliciou com uma sensação inédita e avassaladora que fez seus pelos se arrepiarem. Foi a primeira vez que sentiu o ar quente da rua e seus cheiros, ficou maravilhada com aquilo. Sempre estava acostumada com os cheiros da casa da senhora e sempre imaginou como eram os cheiros da rua, e pode acreditar, não eram como ela esperava. Suas patas tremeram, sua cauda ficou em pé, suas pupilas felinas se dilataram e sua respiração ficou ofegante.

Ao ver a Gata tão próxima da janela a senhora se irritou. Gritou para que se afastasse e jogou um chinelo na gata que deu um pulo como se saísse de um transe. A chinelada foi tão forte que trincou o vidro da janela. Assustada, a Gata se encolheu em um canto onde sua dona a pegou e a agrediu com tapas enquanto dizia: - Eu sabia que na primeira oportunidade você iria tentar me abandonar, mas sabe de uma coisa? Eu não vou permitir! Isso é o que você merece por querer ir para a rua após eu mandar você se afastar dessas coisas.

Com muita raiva a senhora pegou a Gata que chorava e jogou dentro da sala de costuras, um local fechado e sem janelas com muitas bugigangas e uma única porta de madeira podre com uma trinca de ferro. Após jogar a Gata lá dentro, esbravejou: - só sairá daí quando aprender a dar valor a tudo que faço por você sua gata ingrata!

Essa não foi a primeira vez que a Gata foi jogada nesse quartinho de costura, sempre que fazia algo errado aos olhos da senhora como: miar, entrar onde não deveria, olhar muito tempo pela janela, se esconder e subir ou arranhar os móveis velhos, era encarcerada lá.
Com o calor do dia, se a casa se assemelhava a um forno, aquele quarto era o portal para o inferno, literalmente. Por sorte a senhora com muito calor, resolveu ir se refrescar tomando um banho. Em sua cabeça o tempo que levaria para se refrescar era um bom período para a Gata reconhecer seus erros e dar valor a tudo que a senhora sacrificou para cuidar dela.

Dentro do quarto de costura infernal, já cansada de tudo isso, a Gata resolveu escapulir nem que fosse por um instante. Queria sentir o ar quente soprando em seus bigodes e a luz do sol sob suas costas. Aproveitou um breve momento de descuido enquanto a senhora tomava banho e  começou a arranhar a velha porta podre até que um corpo felino passasse. Foi em direção a janela e viu que estava trincada de uma forma tão profunda que uma pequena lufada de ar passava em meio aos trincos do vidro, então tomou impulso e se jogou contra ela. Pode parecer loucura se atirar com tudo contra uma janela, mas ela já vivia dentro de universo louco e uma loucura a mais ou a menos não faria diferença.
Logo fugiu por uma janela quebrada que devido ao calor, se encontrou uma vez aberta e pela loucura de duas companheiras agora estava quebrada com seus cacos de vidro caindo no chão com um som barulhento contrastando com a leveza do silêncio da Gata que pousava e corria suavemente pelas ruas ganhando o mundo.

O Lobo e a GataWhere stories live. Discover now