Parte 16

3 0 0
                                    

Respeitado leitor(a), certamente estareis esperando que eu glorifique tal relacionamento, porém garanto-te que nunca imaginei facilidade em ser diferente e quebrar tão óbvias leis. Em seguida, descreverei-vos o ponto mais vergonhoso desta história, dói-me só de pensar mas não se preocupe, enfrentaremos todas as dificuldades e provaremos ao mundo o quão legítima é a nossa vontade. E direi a verdade, toda a verdade, nada além da verdade sobre minha vida avant-garde. Pois bem...

Aqueles garotos nos assistiram entrar da porta até as carteiras pro fundo da classe; aqueles meros manequins que se tornaram agora, objetos obsoletos para Melody Medeiros (Assim ela seria chamada três anos mais tarde). Todos os meus devaneios viraram realidade; sentar-me junto à minha paixão, lendo livros em sala, clássicos, que emprestávamos do quartinho livraria da Marilú. Enquanto líamos o primeiro Senhor dos Anéis, uma visão inconfortável formou-se quando professora Aline adentrou de mãos dadas com seu novo menino. Mulher suja, queria que ela morresse. Graças a Deus, nossas interações foram nulas pelo resto dos meses. Apenas observei de longe tantas outras vidas serem destruídas como a daquele coitado.

Neste mesmo dia, Antônio veio a mim, um pouco tímido entregou-me o boné que eu havia perdido, disse que pegou no meio da rua após aquela briga que assistiu distanciado e me parabenizou pelo novo relacionamento. Ao contrário, Pietro incomodado se aproximou quando tínhamos nossos olhos grudados ao texto e propôs com tamanho desrespeito, "Por que cês num fazem algo mais legal, tipo, sei lá, num quarto, tendeu?" A língua deste garoto poderia sujar sabão. Algumas horas depois, sentados em um banco do pátio, assistindo o futebol, eu e Melody conversávamos sobre qualquer assunto. E naquela quadra, tudo ao redor embaçava e minha visão focava nele que corria dando passes de letra (Disso entendo). Ridículo. Aposto que se esforça mais quando tem meninas assistindo. "Yuri..." Aposto que sonha em jogar na seleção, me pergunto se seus pais apoiam. "Yuri..." Me pergunto se as meninas ligam. Me pergunto como ele se parece fazendo sexo...

"Yuri!"

Me assustei, Melody encarava-me com aqueles frios olhos infernais. "Eu posso ver o jeito que você olha pra ele... o tanto de ódio. O quanto você fantasia destroçar o corpo dele em dor e sofrimento." Ela disse, "Se acha tão mau, né?" Seu rosto aproximou-se de mim e assim cochichou em tom e movimentos sedutores, "Mas pode acreditar, tu nem se compara comigo." E seus lábios engoliram os meus. Permita-me descrever aquilo que faz a vida valer a pena, e não aquela que no passado arrancavam das aves para escrever com tinta preta; eu escrevo textos inteiros à saliva, acenda uma luz ultravioleta na folha para decifrar cenas proibidas: no quartinho livraria, quarto do conforto, beijamo-nos tão freneticamente quanto asas de beija-flor e o néctar das nossas línguas vazava pelos lábios. Ela prensava-me contra as estantes, fazendo livros desabarem das prateleiras com o tremor dos nossos corpos. Espalhados ao redor foram caídas várias obras desde Cervantes à Brandon Sanderson. Então os jovens amantes começaram a se amar na poltrona, tadinha daquela poltrona, foi-se uma hora de amor. E a maçaneta girou... Melody em cima de mim, com o susto caiu sentada no chão, e eu fiz o possível para me ajustar antes da porta se abrir. Era Marilú...

A mulher parou, desconfiada diante daquela suspeita situação, encaramo-nos todos por segundos arrepiados. Sorrisos atrapalhados. Ela adentrou e nos deu lanches, coxinhas e refrigerante; enquanto punha os copos na mesa pude ver na sua bochecha, a dica do sorrisinho de quem sabe... Bem, nada a se fazer agora além de deixar a natureza prosseguir, e rezar para que ela não tropece no caminho. E mastigando os salgados com livro aberto à nossa frente, o gosto de Melody era tomado pelo frango. Pingaram nas páginas da Terra Média, pingos de catupiry. "Ih!" Mel exclamou, "É melhor não ler comendo." Repentinamente, uma lâmpada acendeu acima da sua cabeça e iluminou seu rosto de alegria no que ela sugeriu, "Por que não escrevemos nossa própria história?" Sim, como se eu já não estivesse tantos passos à frente deste plano. Peguei o meu caderno e com prazer mostrei-a minhas sinopses...

Os Garotos de Novembro: Em um vilarejo onde existem só meninos e homens, três bebês são entregues por pessoas mascaradas todos os meses do ano. Numa pacata noite de lua cheia, após saírem para explorar ruínas próximas ao grande deserto que separa o vilarejo do mundo exterior (E que ninguém ousa atravessar), garotos de novembro encontram numa cesta, um bebê solitário; após uma inspeção mais cuidadosa, descobrem ser uma menina! Eles discutem muito sobre o que fazer, afinal, os habitantes e governadores estavam longe de serem anjos, e poderiam acabar querendo matá-la ou coisa pior… No final, os heróis acabam por decidir atravessar o deserto para entregar a criança ao local onde ela de fato pertencia, seja lá onde isso fosse…

"Desertos são chatos."

God's Girlfriend: Uma mulher desacreditada do amor conhece um novo colega de trabalho que chama a sua atenção. Após uma primeira aproximação, ela descobre que este homem pode contar até o último número, pensar numa cor que não existe, e até recitar a bíblia inteira de cór. Com tamanho poder, a mulher acredita que ele poderia resolver todos os problemas da sua vida, mas ao invés disso, o homem a leva para aventuras pelo universo, até um planeta de diamantes onde irão patinar aos cristais; e lá aprenderá que uma vida só de felicidade não vale a pena viver...

"Muito estranho."

Le Paradis de Margo: Uma garotinha chamada "Eu" pois não existia mais ninguém para referir-se a ela, vive numa casa sem portas ou janelas onde seu único contato com o mundo exterior é a visão do céu pelo teto de vidro no seu quarto. Em noites estreladas, é possível avistar anúncios de grandes corporações em satélites cruzando acima. E deste céu, ao seu quarto desaba, despedaçando o teto em cacos, um corpo completamente metálico, liso e branco duma criança sem face; era uma inteligência artificial chamada Ray. Após se tornarem amigos, os dois decidem fugir daquela casa vazia e se aventurar pelas futuristas cidades da França, mas nelas são perseguidos por NanomèreC26, o computador que esteve presente e criou a menina todo este tempo. Nesta fuga eletrizante em busca de liberdade por um solitário mundo pós-apocalíptico dominado pelos robôs, eu poderia falar sobre ganância corporativa, ignorância, ou os perigos da tecnologia; mas preferi falar sobre algo mais importante, o primeiro amiguinho de "Eu".

"Complexo demais... Não gostei de nenhuma." Ela caminhou até a janela, o brilho da piscina lá fora brilhou a mais bela face; então me contou da sua ideia, porém precisaríamos de experiência. A experiência ausente dos pré-adolescentes para retratarmos diversão em nossas páginas, seria necessária. Verdade seja dita, nossas vidas eram chatas. Nosso plano começaria após as férias de julho. Iríamos sair de casa atrás das emoções que nunca experimentaríamos outrora para escrevermos personagens mais interessantes.

Nas férias de julho, como simbólico adeus à nossa infância, ignoramos nossas idades e fomos num parquinho, no caminho, olhei para trás diversas vezes com a impressão de estar sendo seguido e vi vultos se esconderem atrás dos postes.

Chegando lá, Melody avistou o balanço vazio e correu pelas brancas areias até ele, sentou-se e começou a balançar. Eu, parado à sua frente, observei-a chegar cada vez mais próxima de mim com cada empurrada dos seus pés no chão... Assim estendi meu corpo e lábios na sua direção; ela estendeu-se também mas o balanço não foi suficiente para nossas bocas encontrarem. Dei um passo, fechei os olhos ouvindo apenas o ranger. Mais dois passos; o quão próximas nossas línguas podiam chegar? Como coração precisa bater e pulmão respirar, minh'alma precisava sentir para viver, e boca amar. Depois ouvi um grito desesperado seguido pelo seu corpo arremessado ao meu e desabamos a tropeços e altas gargalhadas que não serão esquecidas nem em momentos de lágrimas. Sem dúvidas, este fora o ponto mais vergonhoso da minha vida, mas é preciso descer até o fundo do poço para roubar as moedas douradas jogadas pelos ingênuos...

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Oct 27, 2023 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Senhorita PrimaveraWhere stories live. Discover now