Parte 12

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E como aprendi a amar o anticristo?
Ah, muitas vezes tenho incertezas
Porque odiá-lo é muito difícil
Este que emergiu das profundezas
Sim, das profundezas do inferno
Surgiu esta criança querendo matar
Este diabo nem mesmo usa terno
Não, diabo usa uniforme escolar
Isso causa um sentimento misto
É impossível não amar o anticristo

Pois sua existência é uma religião
E seu intelecto ultrapassa o Everest
Há famílias inteiras na sua mão
Mas de inocente, fantasia vestes
Gozo da sua infinita maldade
Mais funda que a Fossa das Marianas
E sou um pouco louco, é verdade
Ai de mim por atitudes levianas
Tal amor porém, é recompensador
Quem diria que eu sentiria pena do Pedrinho Matador

Ou do coitadinho Charles Manson
O serial killer que nunca matou
É também um ser de coração bom
Comparado à meu querido rancor
Também há o pobre Edmund Kemper
Aquele que cadáveres estuprou
Até daquela que carregou-o ao ventre
O édipo culpou e a si glorificou
E ainda o desgraçado Jeffrey Dahmer
O canibalismo era seu banner

Num quarto, os três aterrorizados
Com senhor Manson a espiar duma fresta
Roendo suas unhas com shorts molhados
Suor pinga pela suástica à sua testa
E Kemper, necrófilo gigante
Tenta esconder-se embaixo da cama
E atrapalhado derruba uma estante
Acho que essa história não o daria fama
Ou senhor Dahmer, oh senhor Dahmer
Ele chora sentado no canto

E no centro do quarto, lá estava
Iluminada abaixo do lustre
Aquela que ódio e raiva exalava
A que faz com que tua dor desfrutes
Lá a imagem da adorável vingança
Logo todos os presentes ali
Tremiam tanto perante à criança
Prava, prestes a extinguir tudo assim
Tão, tão viciada em ofensa e agressão
Nua ensanguentada e uma faca na mão

Aquela foi uma triste semana. Eu me sentava em silêncio frente às improvisadas lápides de madeira, postas na terra onde o beagle fora enterrado no nosso quintal, abaixo do pé de feijão; cinco delas, lá estavam escritos diferentes nomes: Richarlyson, Mijão, Gon, Oliver, Querido... nunca foi decidido. O abrigo estava traumatizado. E os adultos precisaram ser fortes para nos apoiar neste momento difícil. Dos seus olhos, nenhuma lágrima foi derramada, em seus movimentos, nenhum pavor demonstrado; das suas bocas, apenas palavras de conforto. Porém Melody, talvez interpretou errado, como indiferença por parte deles...

E no que deu-se o pôr do sol atrás das lápides, ouvi ela explicar, "Ele gostava de animais, acho que quando entrou lá e viu todos os bichinhos mortos, ficou triste e decidiu se matar." Referindo-se à seu adotante. Esta explicação absurda matutou por horas na minha cabeça, e por alguma razão, foi fazendo cada vez mais sentido. Ficamos dois dias sem ir às aulas, de luto (Ao som dos altos sertanejos na festa do lado); mas quando voltei, tudo que pude pensar quando adentrei na sala e vi melossecados encarando-me do fundo, foi sobre a luta que eu teria com Pietro. Casualmente caminhei para minha carteira e me sentei, horas se passaram, quando o sinal tocou pro recreio, fui levantar e tomei um susto! A cadeira levantou junto comigo, estava colada em minhas calças... Soaram irritantes risadinhas ao meu redor, então Pietro murmurou "Yuri, Yuri, não corra da gente..." O desgraçado mal sabia pelo que havíamos passado, a razão por essas faltas era mais relevante do que um mero Percevejo!

Tia Aline veio ajudar. Com um forte puxão me descolei mas ficaram resíduos de cola na minha veste; ela me acompanhou até o banheiro para retirarmos, quer dizer, o banheiro feminino... Agachou-se atrás de mim e foi arrancando os resquícios, conversando comigo. "Não seja abestado, menino..." Eu olhava-me no espelho, parecia um panda com tais olheiras. "Ignora, ignora, essas briguinhas não valem nada." Repetiu de várias maneiras. Logo percebi um desconforto silencioso, certo susto repentino, comecei a sentir as mãos da professora massageando minhas nádegas... Dei um pulo e me virei, e saí dali atrapalhado.

Na entrada da sala, Pietro me bloqueou e deu-me um endereço, com seu olhar tentando amedrontar. Era o local marcado da nossa briga. Mas eu não estava no clima... Depois fui para casa chutando uma pedra pelos paralelepípedos. Esses dias malditos mexeram com minha cabeça. Ponderando lá e cá sobre como nunca me acostumei a ser menino. Seria tão mais fácil ser protegida, e com delicadeza e graciosidade, olhar com superioridade àqueles brutamontes imaturos que não evoluíram; aqueles que se importam tanto em deixar claro serem melhores em tudo nessa vida... A pedrinha foi tropeçando e parou no portão do abrigo. Prestes a entrar, vi um familiar carro preto estacionado próximo, e antes que pude pensar, Fernando acenou-me da entrada do bar...

"Fala amigo, vi sua partida esses dias." E virou um copo de cerveja na boca. Por educação, ou falta do que fazer, fui até ali sem nada dizer. Dentro do estabelecimento, sons de sinuca num jogo que afogava em tensão todos ao redor; e eram vários, suados e com olhos pregados à mesa. Mais alguns no canto, xingavam a televisão onde passava o futebol e arrotavam a cada golada. "Aqui..." Fernando me ofereceu uma latinha. Encarei meu reflexo no alumínio, pensando em quantas broncas levaria. "Precisa de canudo? Haha..." Então peguei, bebi um gole, apenas para pôr língua afora numa careta e quase vomitar; tinha gosto de remédio, ou mijo! Ele arrancou-a da minha mão, e pediu que eu não conte disso para o pessoal. Me sentei na cadeira de plástico ao seu lado, arrastando-a distante da sua barriga. Pus cotovelos à mesa e mãos no queixo para assistir aquele estranho lugar; Os homens fediam dali, pareciam morar lá. Havia um, cujo entre lágrimas proclamava sobre tal "Raissa" para o atendente que já parecia irritado. Outro cantarolava algum sertanejo incompreensível, tentando subir nas mesas e falhando miseravelmente...

Quando a bola branca encaçapou a última colorida, nem todos aplaudiram, começaram provocações com suas faces à centímetros uns dos outros, como se fossem beijar... E o gongo para a briga generalizada, foram dois narizes acidentalmente encostarem. O vencedor deu uma tacada no provocador! Foi uma gritaria só. Diante daquele caos, Fernando apenas bebia como se nada estivesse acontecendo. "Eu vi que tu tem um inimigo mortal, ein." Ele disse, "Aquele garoto com cara de bandido... até cuspiu nele! Você nunca me pareceu o tipo de pessoa que odeia com paixão. Aparências enganam, né?" Encolhi-me e abaixei a cabeça, estava cansado de lições óbvias. Sim, é só ignorar, ignorar... "Não ignore, você é humano, sinta raiva e faça sua vontade acontecer. Estabeleça seu poder, e deixe claro para todos quem você é... um homem, ou um rato?" Sem querer, prendi minha respiração durante seu discurso. Quando a retomei atrapalhadamente, ele sentiu-se mal e se explicou, "O que quero dizer é..." Pôs a mão no meu ombro, e uma cadeira voou nas costas dum senhor que fugia. "Acaba com a raça dele." Isso ecoou na reflexão dos nossos olhos. E logo quando pisquei, lá estava eu...

Senhorita PrimaveraDonde viven las historias. Descúbrelo ahora