Parte 1

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Se estações fossem pessoas, tu serias Senhorita Primavera. Rosas nascem por onde andas para que espinhos impeçam de seguirem teus passos. Eu, seria Homem Outono. Não agradável como verão, nem confortável como inverno. Mas como folhas secas despedaçando sob teus pés. Pois um ano da tua vida vale mais que meus setenta, e teu sorriso mais que um planeta de diamantes. És flor no deserto, anjo no inferno, luz no meu ser: representação física da gentileza humana.

Prezado leitor(a), certamente estareis acusando-me ser escravo dos sentimentos. "Gado" como diriam, "Lógica deste mundo proíbe indivíduos assim." Mas dê-me chance para explicar inexplicável. Presumo que já estivestes apaixonado? Sentimento a fazer mente e coração discutirem, tentando criar sentido daquilo que não faz. Não me perderei em poesias sobre tema tão mastigado, pois esta nem é história de amor. É sobre peixinho nadando no mar até descobrir estar num aquário. Flor banhando-se na chuva até perceber ser regada. Planeta flutuando livre pelo universo até aprender que rodeava o sol. Escrevo-te ultimato poético dentre espaço atômico separando ficção da realidade. Desta cela minha mas também das baratas, desta prisão escura projetando sombras do meu coração, escrevo-te com grandiosa pretensão; cortesia daqueles professores que alimentaram este ego por anos e anos. Nossa primeira paixão foi leitura e dela cresceu conexão. Folheando clássicos ao fundo da classe: das loucuras de Dom Quixote aos desconfortos de Lolita, nossas mãos tocavam no virar das páginas. Permita-me voltar ainda mais...

Lembro-me aos cinco, pular do D pro G ou F pro J tentando recitar alfabeto no jardim de infância. E daquela menininha ensinar, "A, B, C, D, G, F, J, H, I, O, N, P, Q, T, R, S, U, V, X, Z. É assim, viu?" Me-lo-dy, três sílabas que representam mil textos ambiciosos, rítmicos e geniais. Mais tarde holograma da minha felicidade, melodia do meu coração era então, se não amiga interessante. Havia também Leo retendo exterior bruto mas doce interior, éramos pólen de girassol e Melody quem transformava-nos em mel; falarei dele posteriormente. Lembro-me nós três participarmos das festas do chá: chão era mesa para comidas plásticas e amigas de pano. Bebíamos água pura com mindinhos levantados, ouvíamos gargalhadas dos meninos próximos. Até carro de madeira acidentar à meu joelho; apanhei aquela chance, pedi que deixem-me brincar e resposta foi escárnio infantil sobre como eu deveria voltar às bonecas cuja nem se mexiam sozinhas.

Naquela mesma tarde, tias distribuíram folhas com figuras randômicas para escrevermos ao lado como achávamos ser os nomes. Talvez confiante, ou desinteressado, preenchi Sapato como Pipirhx. Casa: Ghuey. Flor: Deelna. Quando entreguei aquilo viajou pela escola fazendo rir alguns adultos e crianças. Enquanto isso, Melody tentando recriar em sua mão o alfabeto libras na cartolina à parede, de alguma forma traduziu-se num dedo do meio erguido para classe, que fez alguém chorar; e ela estudara por bastante tempo aquele dedo, a tentar entender o que nele era tão ofensivo. Mostrou-o novamente ao porteiro na saída, e andarilhos à praia pois na volta pra casa; Marilú, mãe social, guiava fila das meninas pelo calçadão de Costazul, até rua Nelson Pecegueiro do Amaral. E lá, lar colorido contrastando céu manchado em branco. Duas janelas abertas e porta dupla no centro: pareidolia excitada para me devorar. Capela à esquerda e na direita um bar.

Ao portão amarelo, minhas costas Melody tocou: "Tá com você!" Disse. Do quintal à sala deu-se frenesim. Pique pega pelos pisos da Casa dos Querubins. Pelos vermelhos da cozinha onde Otávio (Nome que lembra tomateiro) cozinhava pratos de princesas em humilde casa-lar; e aos brancos do corredor onde papéis de Vanessa (Nome que lembra videira) voaram com nossa velocidade passageira. Driblei-a no banheiro, ali Verônica limpava cantinhos com pano à vassoura, e na florida porta à frente dali entramos nosso quarto e rodeamos camas rosas dentre azuis parede'streladas. Esbarrando nos kits de cozinha, Little Dolls e Barbies descabeladas. Novamente por corredor, filhote beagle perseguiu a latir até os fundos; planejei escalar macieira para fugir dos diabinhos mas tropecei numa cadeira imprevisível, caí, prestes a chorar vi mãos adultas deterem menina gritando, avançando. Seguraram-na ao chão, esperneando, e dela arrancou uma faca... Houveram tantos episódios nos quais estive a passos da morte; talvez este fora o primeiro.

Senhorita PrimaveraWhere stories live. Discover now