Capítulo 14

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- As vezes eu me pergunto como seria se a gente nunca tivesse se conhecido. - Diz Jane, dobrando seus lençóis.
- As vezes? - Questiona Matheo, que a esperava encostado na parede. - Eu me pergunto isso sempre.
- Tipo - Jane se vira - no meu tempo. Será que eu já te conheci?
- An? Ahh, no futuro. Se você ja viu algum cara lindão andando num carro enorme era eu. - Matheo finje jogar os cabelos.
- Bah, só se for aquele bandido que passou na TV. - Ri Jane.
- Haha, que engraçado... - Matheo debocha - Bom, se me viu é porque vamos sair daqui.
- ... Mas e se não vi? Talvez nunca sairemos. - Jane solta os lençóis dobrados no pé da cama, soltando um breve suspiro.
- É claro que vamos, Janie... Mas... Você realmente quer voltar? - Ele pergunta.
- Oque? - Jane solta, em bom e alto tom. - Mas é claro! Eu daria tudo pra ir pra casa, pra minha família, meus confortos, meu gato... Tu não?
- Ah, sim. - Matheo responde, meio pensativo. - Mas se a gente - numa hipótese, que com certeza não vai acontecer - ficássemos, não seria tããão ruim. Teriamos um ao outro - Matheo sorri.
- Ahh... - Jane olha para longe com um semblante triste - Hmm, é - Ela cresce um pequeno sorriso sem vontade.
Matheo, um pouco envergonhado, olha para fora, mata adentro.
  - Janie? - Matheo vira para ela, que divagava em seus pensamentos - Não se preocupe, vamos sair.
   Ela sorri para ele, que sorri de volta.
   
  ...

Matheo desce as escadinhas da casa, notando Jane à sua direita
- Oque você está fazendo? - Ele pergunta, vendo que ela pintava em uma casca de madeira.
- Pintando.
- Uau, aonde você conseguiu essas tintas? - Ele pergunta.
- Tinta? Haha, isso é flor amassada. Amassei e misturei com seiva, ta muito nojento mas ah, qualquer coisa pra passar o tédio. - Ela sorri, mostrando o desenho de uma flor.
- Mas e aquele lápis?
- Que lápis, Matheo? - Jane solta a casca em seu colo, olhando para ele.
- Aquele, lembra? Você não veio anotando desde quando chegou aqui?
- Ahh, nossa! Eu tinha esquecido! Muito obrigada Matheo - Ela solta sua pintura ao seu lado, e sacode a mão dele rapidamente.
- Ué, é só um lápis! - Diz Matheo, com um sorriso torto.
- Só um lápis que vai me tirar milhares de tédios! - Jane pula alegremente pela casa, até um criado mudo que tinha após a sala, abrindo as gavetas, uma por uma, até achar os livrinhos que anotaram coisas nos seus primeiros 8 meses nesse lugar.

- Deixa eu vê - Matheo pega o livrinho de Jane e folheia, vendo desde a primeira anotação até a última, pouco antes de se encontrarem.
  Os dois sentam no chão, lendo.
- 'Hoje eu bati o pé numa pedra' - Matheo ri, lendo as aventuras de Jane.
- Heh, eu lembro desse dia - Jane sorri, meio constrangida.
- 'Achei uma fruta parecida com uma pitanga, mordi e tinha uma libélula atrás' - Achei que você só tinha visto borboletas, Janie. - Pergunta ele.
- Ah, eu nem lembrava desse dia. E também, a maioria eram borboletas. - Responde ela.
- Ah... Isso não faz muito sentido, mas oque faz sentido hoje em dia, né?
-É, eu acho.
Um breve silêncio toma conta do ar.
-... Em comparação, Matheo, a sua é bem selvagem. - Diz Jane.
- Que? Como assim?
- Pff parece uma criança de 5 anos escrevendo - Jane cai em gargalhadas, e Matheo revira os olhos.
- Heh - Matheo abre seu sorrisinho de canto - Quem que escreve com 5 anos...
- An? - Jane pausa, virando para Matheo. - Eu escrevia.
- Ué, com quantos anos você aprendeu a ler, Janie? - Ele pergunta.
- Com 4, por quê?
  Matheo a encara surpreso.
- Eu só fui aprender com 8.
- A - Jane sorri. Imóvel, para Matheo, que estalava os dedos em frente ao seu rosto.
- Argh - Ele cruza os braços virando para longe - Não é como se eu fosse burro ou algo assim.
- Eu não disse isso... Só não esperava. - Diz Jane, que desliza os dedos sobre suas anotações.
  Matheo percebe isso.
- Sua letra é bonita.
- Ah, valeu.
- Que nem você - Matheo fala, distraidamente.
- An? - Jane olha para ele, desconfiada.
- Oque? Não, pera, não é não. Quer dizer, não é feia. Ah, esquece, me atrapalhei. - Matheo cobre o rosto, envergonhado, e Jane apenas sacode a cabeça.
- É que tipo - Ele continua.
- Eu entendi. - Ela corta.
- Heh... - Matheo olha pelo canto de seu olho para Jane, que sorria ao ler seu livrinho.
- Foi mal - Diz Matheo.
- Tudo bem, Matheo, ja disse.
- ... Mas-
- Não me faça dar com isso na tua cabeça, che!
  Jane levanta seu livrinho, com Matheo dando um sorriso torto.
- Ah... - Jane suspira - lembro de quando minha mãe me ensinou a escrever emendado... Nunca consegui escrever reto que nem ela.
- Hm - Matheo sorri - Que dia é hoje?
- Uh, domingo?
- É nesse ou no próximo?
- Oque?
- O dia das mães.
- Nossa, verdade. Nem sei, ahh...
- Entendo, Janie. Também queria passar com minha mãe.
...

- Oque você está fazendo? - Pergunta Matheo, que saia da casa.
- Ah, oi, quer me ajudar? - Diz Jane, que colhia flores.
- Se você responder minha pergunta... Pra que essas flores? - Matheo se aproxima de Jane, se espreguiçando.
- Vou largar no riacho, queria fazer algo bonitinho pra minha mãe, mas não sei oque.
- Podemos plantar em algum outro lugar.
- Meio sem sentido, recém cortei.
- Ah, é alguma coisa. E isso... - Matheo pega um pedaço de papel de entre os dedos de Jane, revelando um pequeno rascunho dela com uma mulher.
- Ah - Ela toma o papel dele, envergonhada. - É eu e ela, deix- huh? - Jane é interrompida por um farfalhar nas folhas, próximas de si.
Eles cruzam olhares, pensando se ambos ouviram, e confirmando, mesmo em silêncio, que sim.
- Você acha que... - Diz Matheo, que nem precisara terminar a pergunta.
- Shh! - Jane leva o dedo até a boca de Matheo, prestando atenção nos arbustos ao seu lado.
  Ela se aproxima da onde ouvira o barulho, dando um pulo para trás ao ouvir novamente, um farfalhar, quase como se um esquilo se escondesse ali, prestes a pular para fora. Jane olha rapidamente para trás, para se assegurar que Matheo ainda estava ali. Vendo que sim, ela volta a atenção aos arbustos, levando as mãos e os afastando, revelando um pequeno objeto.
  - Oque é? - Pergunta Matheo de longe, correndo até ela. - Um sapato?
  Jane vira para ele, girando e conhecendo um pequeno sapatinho marrom. - É seu? - Ela sorri para ele, que cruza os braços.
  - Olá? Tem alguém aí? - Matheo grita mato adentro, sem nenhuma resposta.
  - Ah, vamos guardar, vá que alguém apareça.
  - Deixa isso aí, Janie. - Matheo joga os braços no ar - Não era você que teve medo de entrar em casa quando viemos pra cá?
  - E não é tu que não teve? É só um sapatinho, que mal pode fazer?
  - Ah, sei lá...
   Matheo pega o sapatinho, parecia os seus, mas era bem menor.
   - Da ai - Jane o pega de volta - Vou guardar em alguma gaveta, se o dono aparecer talvez ele possa nos ajudar a sair daqui.
   - Hmm, deve ser uma pessoa de graaande coração - Matheo sorri.
   - Ai, que sem graça, Matheo.
   Jane caminha de volta até a casa, e Matheo a segue. Ela solta as flores e seu desenho em cima do sofá da sala, deixando algumas pétalas cairem nas almofadas adornadas em renda. Então puxa uma das gavetas do mesmo criado mudo aonde guardara seu livrinho, e posiciona o sapato, fechando a gaveta. Talvez nunca saísse dali, e provavelmente se esquecerão da existência dele. Mas, quem liga? Jane recolhe as flores e volta para fora, aonde Matheo a esperava recostado num pilar de madeira branco, com as mãos nos bolsos e o olhar perdido para as nuvens.
   Mais tarde, Jane largara as flores no riacho, mesmo sabendo que não aconteceria nada, ainda pensava, lá, lá no fundo, se as águas as levariam até sua mãe.
   O resto do dia fora quieto, sem muita conversa para falar, os dois apenas esperaram o tempo passar e foram para seus quartos, como sempre.
   - Boa noite - Disse Matheo, fechando a porta do quarto de Jane. Geralmente era ela que fazia isso com ele, huh.
   Jane espera alguns minutos, se certificando que Matheo não levantaria mais, e puxa seu livrinho de debaixo da cama, se sentando na beira da janela, seu rosto iluminado pela luz prateada da lua. Podia sentir a ponta de seus dedos frios, à atmosfera fresca e misteriosa da noite. Ouvia-se de longe o empolgado grilar de grilos, como se ouvesse uma minúscula banda em algum barzinho místico à beira de um riacho encantado. Jane, inundada pela paz que a noite emitia, desenhava em seu livrinho.
  
...

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