Soraya. - II

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Levantei cedo aquele dia, precisava fazer algo pela minha saúde que compensasse o porre que tomei por influência da mulher que eu denominava como minha melhor amiga. Coloquei uma roupa, peguei os fones de ouvido e fui dar uma corrida no parque que tinha bem perto do apartamento, não tinha a intenção de me castigar, era apenas para que eu me sentisse um pouco melhor comigo mesma. Gostava de me cuidar, sentir que minha saúde estava em dia, isso fazia minha disposição melhorar e por incrível que pareça, meu desempenho nos estudos também ficavam melhor. Fiz uma corridinha básica de quase uma hora e meia, voltei para casa em seguida, fui trocar a música no celular e como a mesma estava no último volume, acabei esbarrando em alguém na calçada, bem perto da portaria.

– Professora Rosângela! Mil desculpas. – Disse ofegante, arrancando os fones dos ouvidos e tocando levemente seu ombro.
– Sem problemas, Soraya, fica tranquila. – Ela sorriu com gentileza.
– Aqui está a sua água.– Disse Simone depois de apanhar minha garrafa que caiu no chão com o impacto, esticou em minha direção e sorriu. Caramba, o sorriso dela era muito bonito! Eu ficava o tempo inteiro procurando nela algum defeito, mas era uma missão impossível.
– Muito obrigada.– Sorri de volta e deixei que um silêncio se estabelecesse entre nós três por longos minutos, enquanto meus olhos admiravam sua boca tão bem desenhada.
– Te vejo daqui a pouco?– Ela quebrou o silêncio.
– Sim, claro! Te vejo na aula. – Sacudi a cabeça me livrando dos pensamentos. – Bom dia para vocês. – Finalizei e me retirei, indo em direção a entrada. Que momento constrangedor.

Abri a porta com um tanto de brutalidade no intuito de acordar D que nunca estava disposta pela manhã.

– Bom dia, flor do dia! Olha só que bela manhã. – Estava praticamente gritando, sabendo que ela ficaria odiosa.
– Soraya, meu amor, você cansou de viver?– Ela resmungou, cobrindo a cabeça com o travesseiro que antes sustentava sua cabeça.
– Claro que não, muito pelo contrário, hoje levantei com cede de viver. – Já fui logo abrindo as cortinas e permitindo o sol entrar naquele ambiente escuro.
– Você foi transar? Não acredito!– Ela levantou da cama em um pulo só e eu gargalhei com aquilo.
– Nem toda felicidade do mundo se resume em sexo e álcool, sabia?– Dei o sermão e ela revirou os olhos, esfregando as mãos em seu rosto para despertar. – Só de ter a possibilidade de observar coisas belas já pode mudar um dia. – Peguei a toalha e segui em direção ao banheiro.
– Hmmm, Soraya Thronicke, a certinha, vai pular a cerca? – Falou em um tom provocativo, parecia uma adolescente de 15 anos.
– Com certeza...não.– Comecei a tomar meu banho e isso não era motivo para ela interromper a conversa, invadiu o banheiro e começou a escovar seus dentes, me passando minha escova por cima do box.
– Bom, não custa dar a sugestão. – Ela não respeitava nem o momento em que escovava os dentes para ficar em silêncio, continuava tagarelando mesmo com dificuldade. – E olha que metade dos homens do curso de direito me pedem o seu número. Eu não tenho paz.– Ela cuspiu a pasta na pia e abriu o box do banheiro para conseguir olhar em meu rosto. – A verdade é que sempre que o César faz algo legal para você, ele compensa falando alguma idiotice que me faz duvidar outra vez.– Revirou os olhos.
– Não fala assim dele.– Empurrei o box com o pé para tentar me livrar da outra.
– Te amo, irmã, mas se é para se apaixonar que seja por alguém de alma gostosa, quente e que vale verdadeiramente a pena.– Ela finalizou o que tinha ido fazer e saiu do banheiro.
Terminei meu banho e sai depois de finalizar tudo o que tinha para fazer ali.
– E como você sabe quando uma pessoa vale a pena?– Estava colocando minha roupa e Déborah tirando a dela para ir ao banho também.
– Você sabe... Quando seus olhos cruzam com os da outra pessoa e no mesmo instante você esquece como é que respira, quando o tesão é tão grande sempre que está perto da pessoa e chega a parecer que você não pertence aquele ambiente, o corpo fica quente, a mão fica suada, você perde a capacidade de se comunicar com palavras. – Ela levantou os cabelos e abanou o pescoço. – Ah, eu faria de tudo pela pessoa que me fizesse sentir essas coisas. – Ela revirou os olhos e mordeu os lábios.

Fiquei assustada como ela tinha acabado de descrever sensações semelhantes as que sentia muito ultimamente, tive a impressão de que ela tinha notado algo em meus comportamentos e estava falando aquilo para me provocar.
– Como eu posso estar ouvindo conselhos de alguém que nunca ficou com alguém por mais de um mês?– Cortei o assunto e dei de ombros, virando-me para o lado oposto e bagunçando os cabelos molhados.
– O que eu posso fazer se meu coração é gigante e cabe todo mundo?– Ela ergueu o nariz convencida e entrou no banho.

Encontramos com César no corredor do campus, ele era todo pontual e me enchia de orgulho, nos despedimos com um beijinho e nos separamos, cada um foi para sua sala. Não demorou muito e lá estava ela, Simone, se despedindo de Rosângela antes de entrar na sala.

– Olá, pessoal! Me chamo Simone Tebet e vou dar aula para vocês esse semestre. – Enquanto falava, apoiou seu corpo sobre sua mesa e mesmo em pé, cruzou as pernas e os braços. Era impossível citar em palavras a postura e a classe que aquela mulher tinha de um modo tão espontâneo, ela não forçava em ser extremamente atraente, era seu natural. Não demorou muito para a aula finalizar e ela voltar a se sentar em sua cadeira, focando-se nos papéis que ali estavam.

– Vamos? Estou morrendo de fome.– Disse D, apanhando suas coisas e se levantando da cadeira.
– Pode ir na frente, eu já encontro você.– Enrolei para guardar minhas coisas e ela se retirou.
Pouco a pouco a sala foi ficando vazia e só ali me levantei, caminhei até a mesa de Simone e ela levantou lentamente o rosto para me olhar nos olhos.
– Adorei a aula. Parabéns!– Esbocei um sorriso gentil e ela retribuiu da mesma forma.
– Ah, eu agradeço muito. Fico feliz que tenha gostado.– Apoiou o cotovelo na mesa e o rosto na palma da mão, me olhando por cima do óculos.
– É muito bonito como defende os direitos das mulheres em qualquer frase que sai de sua boca.– Ajeitei a alça da bolsa em meu ombro, ficava um pouco desconfortável com aqueles olhos penetrantes me observando.
– Ah, senhorita Thronicke, tem muita coisa que precisa mudar nesse país.– Ela tinha cede em suas palavras, típico de quem é apaixonado pela profissão. – É uma matéria fascinante, So, tenho certeza que vai adorar.– Ela concluiu e eu travei por um instante ao ouvir ela me chamando por apelido. Que nível de intimidade estávamos?
– Não vejo a hora.– Acenei positivamente com a cabeça. –Até logo.

Caminhei até a saída e foi só abrir a porta para eu dar de cara com Déborah do outro lado, tentando olhar dentro da sala pelo pequeno quadrado de vidro que tinha na porta.
– O quê?– Falei desacreditada e ela disfarçou, até fingiu que sabia assobiar.
– O que você pensa que está fazendo?– Não podia crer na tamanha cara de pau da minha amiga.
– Eu que te pergunto o que você estava fazendo lá dentro com aquela fogueira em forma de gente.–  Parou de fingir.
– Fogueira em forma de gente?– Segurei a risada com a criatividade que minha amiga tinha.
– Ela é quente, se encostar vai se queimar. Por isso as unhas pintadas de vermelho, faz parte de quem ela é.– Semicerrou os olhos me olhando de pertinho como quem tentava ler algum segredo nos meus. – Ela quase te derreteu, eu vi tudinho. – Deu de ombros.
– Também vi a baba escorrendo da sua boca. – Continuou me provocando. – "Ah, senhora Tebet, me beija, eu imploro!"– Ela falou como se estivesse me imitando e avançou em meu pescoço para fingir estar me beijando, interpretando eu e a Simone da cabeça dela.
– Cala boca, criatura.– Virei para olhar na parte de vidro e avistei a professora se aproximando da porta. – Ela está vindo, para com isso!– Empurrei ela com as mãos e ajeitei a postura para fingir que não estávamos conversando nada demais.
– E é por isso que qualquer pessoa que beijar sua boca vai ser a mais sortuda do mundo. – Déborah falou exatamente no mesmo momento que Simone se pôs para fora da sala.
Virei a cabeça lentamente para olhar minha amiga e me segurei como nunca tinha me segurado antes, mas estava prontinha para matar aquela mulher. Simone somente sorriu para se despedir e saiu andando pelo corredor com seus materiais em mãos, nos deixando admirar sua postura enquanto ia caminhando até desaparecer no meio dos outros alunos.
– Qual é o seu problema, Déborah?– Belisquei o braço dela.
– Ai, onça! Ela precisava saber disso.– Passou a mão no lugar onde havia recebido o beliscão e depois bateu em minha bunda para descontar.
– Você fala como se existisse algo além de um enorme respeito. Simone é uma mulher muito inteligente, sinto que pode me ensinar muitas coisas. – Falei ajeitando meus cabelos que haviam sido bagunçado por ela.
– Eu vi o tamanho do resPEITO dela.– Me instruiu a sair andando com ela em direção a saída do campus.
– Você não se comporta nunca?– Rosnei.
– Qual é, ela é muito gostosa. – Provocou.
– Não começa, por favor.– Revirei os olhos e me segurei para não agredir minha melhor amiga.

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