14 - Kelly

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Giro nos meus calcanhares (ou saltos) e caminho até a copa, sentindo o olhar de Ricardo queimar - literalmente queimar - as minhas costas. Pego água e uma cápsula, pondo-as na cafeteira; então, programo a máquina e começo a respirar fundo, tentando não surtar com o que está acontecendo.

Se ontem de manhã alguém houvesse me dito que o meu chefe dedicaria mais de um segundo do tempo dele para me olhar, eu teria rido ou até mesmo gargalhado. Ricardo Bianchi, me "secando" com tamanha intensidade que eu conseguiria sentir o olhar dele na minha bunda (o que eu nem sabia ser possível)?! Ricardo Bianchi?!

Ricardo Bianchi, um dos solteiros mais lindos, ricos e cobiçados do Brasil (e talvez do mundo), mas que namora apenas modelos e mulheres padrão?

Ricardo Bianchi, o CEO da empresa em que eu trabalho e o dono de um abdômen tanquinho que me faz babar todas as vezes que ele tira a camisa?

Ricardo Bianchi, por quem eu estava...não, estou apaixonada há três anos, sem esperança alguma de correspondência? Ricardo Bianchi, que obviamente é demais para mim?!

Nem em um milhão de anos eu teria imaginado que uma lista que fiz, bêbada, pudesse dar em alguma coisa, ou ainda que o último item da lista (conquistar Ricardo) não pareceria mais tão impossível após a mudança no meu guarda-roupa. Uma parte de mim, entretanto, está com um pouco de ranço por algumas peças de roupa terem-no atraído, porque, no "frigir dos ovos"...eu continuo sendo eu. Continuo sendo a mesma pessoa que passa cinco dos sete dias da semana na sala contígua à dele, e tendo o mesmo rosto, corpo e personalidade.

Coloco a xícara sobre uma bandeja que eu presumo ser de prata, carregando-a até o escritório do meu chefe. Sirvo-o sem tremer.

- Obrigado, Kelly. - Ele abre um sachê de açúcar e o despeja dentro da xícara fumegante.

- Por nada, senhor. Posso ajudá-lo em mais alguma coisa? - pergunto em um tom firme e solícito.

- Por enquanto não. Pode voltar pra sua sala.

Começo a caminhar, a sensação de queimor nas minhas costas aparecendo outra vez. Viro subitamente.

Ricardo está de boca aberta. Quase babando.

- Quer algo, Senhor Bianchi? - questiono, arqueando uma sobrancelha e completando em pensamento: um lenço? Uma foto da minha bunda?

- Nã...não - ele gagueja, parecendo envergonhado. - Pode ir.

Assinto com a cabeça e saio da sala, um sorriso discreto nos lábios. Sento à escrivaninha e mando uma mensagem para Juliano, ansiosa para contar o que rolou.

Trinta minutos se passam e ele não visualiza a mensagem. Ligo para o escritório dele, então, e Cecília atende.

- Oi, Cecília, é a Kelly. Müller - especifico. - O seu chefe tá muito ocupado?

- Oi, Kelly! - ela me cumprimenta alegre. - Sim, ele tá em reunião desde as sete e meia da manhã.

- Eu falo com ele depois, então. Obri...

- Eu ia mesmo te ligar, Kelly - a secretária me interrompe. - Juliano disse que eu ia te pedir pra almoçarmos juntas hoje, não?

- Disse.

- Você topa? Por favor...detesto comer sozinha.

- Tudo bem - concordo a contragosto, o ranço me tomando pela segunda vez no dia. Eu realmente preciso aprender a dizer não. - Nos encontramos onde e quando?

- A reunião ainda deve se estender um pouco, mas eu acho que estarei livre às doze ou doze e meia. Pode ser?

- Sim, é o horário em que Ricardo... - Corrijo-me: - ...digo, o Senhor Bianchi costuma almoçar.

Um Clichê Para KellyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora