Um Clichê Para Kelly

10 - Kelly

- Kelly? - Ouço uma batida muito pouco delicada na porta do banheiro. Duas. Três. - Kelly, você vem ou não? Aconteceu alguma coisa?

Olho mais uma vez para o meu reflexo e suspiro, sentindo-me feia, gorda...e burra. Não bastava estar acima do peso e matriculada na mesma academia que quase todas as influencers de Curitiba, eu tinha que colocar a última pá de cal sobre o meu caixão e esquecer de trazer a porra de uma camiseta.

- Além da queda, o coice - resmungo baixinho. - Nem fodendo que eu saio daqui de top e legging.

- Kelly? - Outra batida. Várias. - Loirinha, você tá bem? Posso entrar?

- Não - respondo, mantendo os meus olhos fixos no espelho. A porta se escancara com um estrondo após alguns segundos. - Porra, Juliano, que susto! Eu disse que você não podia entrar!

- Porra digo eu, Kellyzinha. Perguntei se você tava bem e você disse que não - ele fala em um tom áspero, olhando para mim. Então, suaviza a voz: - O que aconteceu, princesa? Por que você não quer sair?

- Esqueci de trazer uma camiseta. - Cruzo os braços sobre os meus seios para escondê-los.

- E daí?

- E daí que eu não quero treinar com a barriga, os braços e os...hã...seios balançando. - Meu rosto esquenta. - Você viu as outras mulheres que estão aqui?

- Eu diria que conheço a maioria delas, Moranguinho, e não acho que nenhuma tenha um corpo mais bonito que o seu.

- Lembra do que eu disse mais cedo, Juliano? Não gosto de mentiras. - Volto a olhar para o meu reflexo.

- Mas eu não tô mentindo. - O irmão de Ricardo cola o corpo atrás do meu e aponta para o espelho. - Eu nunca vi uma pele tão linda quanto a sua, sabia? É tão macia, tão perfeita, tão cheirosa... - Ele passa o nariz pelo meu pescoço e faz uma careta. - Canela. Não é ruim, mas eu prefiro morango.

- Eu sei que a minha pele é bonita, Juliano, e com certeza me esforço bastante pra mantê-la macia e cheirosa. O problema é o resto...

- Que resto? Os seus cabelos muito loiros? Os seus olhos grandes e azuis? Ou o seu sorriso perfeito?

Nossos olhares se encontram no meio do espelho e eu gemo baixinho, consciente demais do corpo atrás do meu. Consigo sentir cada músculo do peito e do abdômen dele através da camiseta fina, e Deus é testemunha de que eu também não estou vestindo muita coisa.

Contenha-se, Kelly, digo a mim mesma. Você quer mesmo adicionar mais um clichê à sua lista e ser a encalhada que se apaixona pelo amigo gay?

- Não acho que você precise perder peso pra conquistar o meu irmão. Basta gemer assim - Juliano sussurra no meu ouvido. - Você não é magra, Kelly, mas tem um corpo lindo. Você é linda.

- Eu bem que queria acreditar. - Suspiro outra vez.

- Pode acreditar, você tem um corpo bonito. Seios grandes, bumbum empinado, quadris largos...a minha mãe diria que eles são perfeitos pra dar à luz vários bambinis. - Ele sorri. - Olhe-se mais uma vez no espelho e vamos. Estamos bastante atrasados.

Prendo o cabelo de qualquer jeito e Juliano me leva até a sala de musculação, onde um homem do mesmo tamanho que ele, forte e de cabelos castanhos claros, parece estar nos esperando.

- Kellyzinha, eu tenho que te avisar. Thiago é o meu melhor amigo, mas ele pode ser meio...

- Meio o quê? - o personal trainer o interrompe, aproximando-se. - Meio simpático? Meio charmoso?

- Meio cafajeste - Juliano responde com sinceridade. - Amo você tanto quanto amo o meu irmão, cara, mas você sabe como é.

- Talvez uma certa loira linda me faça mudar, não? Oi, Kelly. - Ele estende a mão e me "seca" dos pés à cabeça. - Thiago Marques, personal trainer, lutador de MMA, empresário e futuro pai dos seus filhos.