13 - Ricardo

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Se ontem alguém houvesse me dito que eu estaria disposto a brigar com o Thiago - e que a minha secretária seria o motivo -, eu certamente teria rido do comentário. Eu, querendo proteger a Kelly? A Kelly?

A Kelly, que é minha secretária há três anos e é até bonitinha, mas para quem eu nunca olhei uma segunda vez?

A Kelly, que não sabe se vestir, é muito tímida e mais gagueja do que fala?

A Kelly, que cora de uma maneira fofa e tem uma bunda maravilhosa que eu nunca havia notado?

Passo uma das mãos pelo cabelo, percebendo que, ironicamente, eu não estou com vontade alguma de rir. Ela saiu sem se despedir de mim ou do Thiago, o que é foda; mais foda ainda é uma coisa que começou a apertar dentro do meu peito e eu não sei o que é.

Ouço o personal trainer gargalhar.

- Cara, você tá muito fodido!

- Oi? - pergunto, distraído, pegando uma toalha para secar o suor do meu rosto.

- Você. Tá. Fodido. - Ele sorri tão largo quanto o Coringa. - Apaixonado. Encoleirado. De quatro. Chame do que você quiser.

- Como se você entendesse do assunto. - Balanço a cabeça. - É claro que eu tenho um certo carinho pela Kelly, ela trabalha comigo há bastante tempo e é muito eficiente. Mas apaixonado...?

- Além de querer brigar comigo, o que é obviamente uma loucura que apenas um apaixonado cometeria, você tinha que ver a sua cara quando ela saiu, Bianchi. Parecia que alguém tava arrancando o seu coração de dentro do peito.

Caralho, aquele puto havia lido a minha mente ou o quê?

- Eu não tô apaixonado, não, e...porra, ela é uma menina, Thiago! - desconverso, tentando disfarçar o meu choque. - Uma menina doce e inocente demais pra um canalha como você.

- Olha, eu até mudaria por uma bunda daquelas... - Thiago arqueia as sobrancelhas. Franzo a testa e ele levanta as mãos em rendição. - Calma, eu entendi! Também não é como se eu quisesse quebrar a sua cara, você é irmão do meu melhor amigo e ele me pediu que... - ele hesita. E continua: - Bem, ela é sua secretária. Acho que a preferência é sua.

- Não é assim que as coisas funcionam, a Kelly é uma pessoa e não uma vaga de estacionamento - repreendo-o, balançando a cabeça outra vez. - E o que diabos o Juliano te pediu, posso saber?

- Pra ser personal da loirinha, é claro - ele responde, em um tom cínico que até me enganaria se não houvesse um leve rubor nas bochechas dele. Eu e Juliano fomos treinados desde cedo para sermos bons observadores.

A lembrança do meu irmão me faz suspirar. Ele e a Kelly pareciam inseparáveis, hoje, e eu não acredito que seja uma mera coincidência ela ter vindo trabalhar tão...diferente. Não mesmo.

Trechos da conversa que tivemos anteontem no jardim me vem à mente.

- A gente sempre pode conhecer alguém...ou o amor pode estar bem debaixo dos nossos narizes. E se a sua secretária for a mulher da sua vida?

- A Kelly? Impossível.

- Por quê?

- Ela não tem nada a ver com as mulheres que eu costumo namorar, Juliano. Nada. Ela não sabe se vestir, não sabe conversar!

Que nem diria a Mamma, a língua é o chicote da boca, penso, e eu me chicoteei várias vezes falando na Kelly. Várias. Aliás, a Mamma também diria que a gente nunca deve falar que não vai beber desta água, porque é nela que acabamos nos afogando e eu bem que queria me afogar na loirinha...

Espera, eu me afogar na Kelly!? Que porra...!?

- Você vai ficar parado no meio da sala que nem um otário, Bianchi? Porque eu tô indo embora - o melhor amigo de Juliano debocha. - Apague a luz quando sair.

- Tá - concordo, meio desorientado.

Ele se aproxima e pousa a mão sobre um dos meus ombros.

- Caiu agora?

- O quê?

- A ficha de que você tá apaixonado pela loirinha, caiu agora? Porque você tá com uma cara...

- Eu não tô apaixonado pela Kelly. Não tô.

- Repete mais algumas vezes, cara. Quem sabe você não se convence? - Thiago pisca um olho zombeteiramente e sai.

Abaixo-me para pegar a bolsa de treino e coloco a toalha pendurada no meu pescoço dentro dela. Olho para o saco de boxe, então, e passo a esmurrá-lo repetidamente para tentar organizar os meus pensamentos.

Primeiro soco.

Eu não estou apaixonado pela Kelly, não estou. Estou apenas interessado.

Segundo soco.

Nunca pensei que ela tivesse um corpo tão bonito embaixo daquelas roupas folgadas. Bunda grande e empinada, cintura fina, pernas grossas, quadril largo...muito gostosa!

Terceiro soco.

E o cheiro dela, hein? A pele? O sorriso? Porra, melhor eu parar de pensar nela ou vou acabar duro!

Após o terceiro soco, a minha cabeça de cima começa a funcionar e avisa que, talvez, não seja uma boa idéia eu me envolver com a Kelly. Sou o chefe dela, temos dezesseis anos de diferença...e eu realmente a acho doce e inocente demais para um canalha como o Thiago ou mesmo eu. Também tenho a minha cota de corações partidos, e não são poucos.

Esmurro o saco de boxe até a exaustão e me jogo no tatame. Após alguns minutos de descanso, recolho as minhas coisas e saio da sala de boxe - sem apagar a luz.

-

Excetuando-se um par de brincos vermelhos, a minha secretária está de preto da cabeça aos pés na manhã seguinte: vestido (justo e pouco acima do joelho), meia calça, botas e cinto. Ela também está com os cabelos soltos e escovados, pouca maquiagem...e linda. Linda para caralho.

 Linda para caralho

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- Bom dia, Kelly. - Abro o meu melhor sorriso. - Como você está hoje?

- Tô...tô bem, Senhor, o...obrigada. Quer repassar a su...sua agenda agora? - ela gagueja, corando. Sinto uma fisgada no pau.

- Pode ser. Eu te espero no meu escritório.

Sento na minha cadeira e a viro, olhando para o pedacinho de Curitiba que se descortina através das vidraças da sala. Um cheiro de morango invade as minhas narinas e o meu sorriso se alarga.

- Diga, Kelly - incentivo-a, mantendo-me de costas para que ela não perceba a minha barraca armada.

- Então... - Ela respira fundo. - Às oito e meia o senhor tem uma reunião com o diretor jurídico...

Ah, o CEO e a secretária. Existe clichê maior?

Um Clichê Para KellyOnde as histórias ganham vida. Descobre agora