presença

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Hoje é domingo e eu deveria estar em Minas pro jogo contra o Galo mas estou cumprindo suspensão, Melissa sumiu desde a nossa última conversa e eu não sei onde ela está. Faz semanas que eu estou sozinho de novo nesse apartamento e eu não sei o que fazer pra falar com ela, o que eu disse na mídia repercutiu de uma forma tão grande que outros jogadores se pronunciaram na internet falando de comentários que ouviram nas partidas também sobre eles e isso se tornou um assunto gigantesco.

Hoje me deu uma vontade enorme de fazer uma coisa então eu passei numa floricultura e comprei as flores mais bonitas que consegui e depois fui até o cemitério onde Melissa foi enterrada, agachei na frente do seu túmulo e coloquei as flores.

— Sinto sua falta, todos os dias. — eu disse.

Fiquei um tempo por lá e confesso que não consigo não chorar com esse momento, é horrível saber que ela está ali debaixo da terra e eu estou aqui esperando que sua versão fantasma apareça pra mim só pra eu me enganar mais e mais. Saí bem abalado do cemitério e peguei meu carro pra ir pra casa dos meus sogros, estava com saudade deles e queria passar o resto do dia por lá. Liguei o som do carro e por pura coincidência estava tocando aquela música, aquela que me faz sorrir.

Wonderwall.

Estava perto da casa dos meus sogros e cantarolando a música que estava no fim, já podia ver o cercado branco da fachada da casa deles quando levei o maior susto da minha vida.

— Você veio ver os meus pais! — ouvi a voz de Melissa no meu ouvido.

Pisei no freio afim de parar o carro com tudo e acabei batendo no cercado que caiu imediatamente, o carro parou e meu coração acelerou de uma forma inexplicável. Olhei pelo retrovisor central vendo ela no banco de trás do carro, apoiei o rosto no volante respirando fundo enquanto ela dava risada.

— Você tá querendo me matar? — perguntei com a mão no coração.

— Desculpa, eu não resisti. — ela disse saindo do carro.

Desci também vendo meus sogros saírem de casa assustados com o barulho, eu olhei o estrago que fiz e minha sogra veio correndo ao meu encontro preocupada ao ver metade do meu carro invadindo seu jardim.

— Rapha, o que houve? — perguntou.

— Ah, desculpa sogrinha! Um carro me fechou aqui e pra não bater nele eu acabei batendo no cercado, mas não se preocupa que eu vou consertar. — eu disse.

— A gente arruma, é fácil. — meu sogro disse.

Melissa estava parada olhando pra ele de uma forma triste, ela era completamente apaixonada pelos pais e hoje seria um típico dia que eles estariam juntos. Estariam em frente a TV pra assistir o jogo do Palmeiras mais tarde e como são fanáticos eles estariam torcendo muito e gritando também, olhei pra ela e resolvi lhe dar isso hoje.

— A gente pode consertar e mais tarde sentar pra ver o jogo, o que acham? — sugeri e ela olhou pra mim.

— Vai ficar conosco o resto do dia? — minha sogra sorriu.

— Claro que sim. — eu disse vendo Melissa sorrir também.

Minha sogra ficou toda feliz que eu iria almoçar com eles e foi pra cozinha fazer um prato especial, comecei a pegar as madeiras e as coisas com meu sogro colocando tudo no jardim. Recebi uma ligação dos meus pais e avisei que ficaria por aqui hoje, começamos a colocar o cercado de volta no lugar e eu comecei a falar sobre hoje.

— Eu fui no cemitério. — eu disse e ele me encarou.

— Como se sentiu? — ele perguntou.

Vazio. — eu disse.

— Eu me sinto assim sempre. — ele disse me entregando o martelo.

— Sabe o que eu percebi hoje? — perguntei colocando o prego na madeira.

— Eu sei, eu entendi o que te fez ficar o dia inteiro aqui. — ele deu um sorriso leve.

— Eu até deixei na sala a camisa do Palmeiras que ela usava quando vinha pra cá ver o jogo

comigo. — ele disse e eu concordei com a cabeça.

— Eu sinto... sinto o cheiro do perfume dela aqui. — eu disse e ele olhou pra trás.

— A Márcia vê ela em casa as vezes, eu não sei bem como lidar com isso porque eu não vejo nada. Mas ela diz que vê as vezes ela no jardim, ou no quintal no balanço. Não sei se é lindo ou assustador isso tudo. — ele disse para a minha surpresa.

Nós consertamos o cercado e depois entramos pra almoçar mas antes eu tomei um banho e no antigo quarto que Melissa tinha aqui eu achei uma roupa minha na sua gaveta, sentei na cama olhando em volta. Eu lembro quando começamos a namorar que eu entrava aqui escondido pela janela a noite só para dormirmos juntos, lembro de deixar roupas aqui nas coisas dela, lembro das nossas fotos espalhadas pelos porta-retratos...

Desci e comecei a pensar no que meu sogro me disse sobre minha sogra ver a Melissa dentro de casa também e talvez ela tenha criado uma versão do amor das nossas vidas também só pra ela, assim que desci pro almoço vi Melissa vindo em minha direção enquanto estávamos a sós na sala.

— Você demorou... — ela comentou.

— Ainda tem o perfume que você gosta lá em cima. — sorri.

— Sinto o cheiro daqui. — ela fechou os olhos sorrindo. — Vem, a comida tá uma delícia. — ela disse e eu a segui passando o braço por seu ombro.

Entramos na cozinha e eu notei que havia um prato a mais na mesa mas não disse nada, lá em casa eu faço o mesmo. Sentei e ela estava colocando os copos na mesa enquanto esperávamos meu sogro, eu queria entrar no assunto mas também estava com um certo receio da sua reação até que ela colocou a comida na mesa.

— Nós fizemos com muito carinho. — ela disse empolgada.

— Você e a Melissa? — perguntei a encarando.

— Desculpa filho, ato falho. — ela disse envergonhada.

— O que disse, Rapha? — perguntou.

— Você também vê a Melissa? — perguntei e ela deu um sorriso.

— Eu também a vejo. — sussurrei. — Inclusive, foi por causa dela que eu bati o carro no cercado. Ela estava no banco de trás. — eu disse rindo.

— Eu achei que estivesse louca. — ela disse.

— Então nós dois estamos. — lhe dei um sorriso.

Nós começamos a conversar sobre Melissa até meu sogro voltar e almoçamos juntos rindo e conversando, no fim da tarde nós sentamos no sofá pra ver o jogo e foi um momento tão especial. Eu estava com a camisa dela nas mãos, na casa que um dia foi dela, com os pais dela e com ela lado. Mesmo que só sendo vista por mim e pela minha sogra.

O jogo já estava no finalzinho do segundo tempo e empatado com o Galo, até Scarpa correr com a bola a toda velocidade e driblar quatro jogadores mandando a bola pro fundo da rede num chute forte. Nós levantamos do sofá comemorando o gol e Melissa abraçou seu pai que estava em pé vibrando a virada, do nada ele parou de comemorar a sentou no sofá com um olhar assustado e com lágrimas nos olhos.

— Marcelo, o que foi amor? — minha sogra perguntou preocupada. Ela não havia visto o que eu vi.

— Senti minha filha aqui por um instante, como nos velhos tempos. — ele disse visivelmente emocionado.

— Ela vai tá sempre com a gente. — eu disse afagando suas costas.

— Sempre. — minha sogra sorriu.

E Melissa também.

A última música • Raphael VeigaWhere stories live. Discover now