joaquim.

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Oficialmente no apartamento novo e ainda perdido, eu confesso, mas pelo menos as coisas estão todas no lugar. Eu só preciso me acostumar com o lugar mas gosto muito da sensação de estar em um ambiente novo, totalmente novo.

Sarah, mulher do Scarpa e a minha mãe me ajudaram com a decoração e ficou bem a minha cara e eu estava feliz de alguma forma. Abri a mala pra pegar algo que eu trouxe e que obviamente tinha que vir comigo, coloquei o porta-retrato com Melissa no rack da sala com a nossa foto preferida e em seguida percebi que meus armários estavam vazios e que eu precisava fazer compras.

Dirigi até o supermercado mais próximo e comecei a comprar minhas coisas até uma mulher esbarrar em mim, ela estava com uma criança no carrinho e eu a ajudei já que no esbarrão o bichinho de pelúcia do pequeno caiu no chão.

Desculpa. — ela pediu.

— Não, tudo bem. Acontece. — sorri.

Não pude deixar de notar seu rosto porque se assemelhava descaradamente ao de Melissa, os cabelos loiros e compridos e os olhos azuis destacados na pele quase cor de neve. O bebê era praticamente identico à ela e eu senti o nó se formar na minha garganta, ela me disse brevemente que aquele era seu filho e que era horrível fazer compras sozinha com criança porque na hora de carregar tudo era mais complicado. Eu estava sem palavras mas senti uma vontade enorme de ajudar e assim eu me ofereci, ela me reconheceu e me elogiou muito pela carreira.

— Obrigada pela ajuda. — ela disse quando coloquei suas compras no carro enquanto ela segurava o pequeno.

— Imagina, eu sei como é difícil fazer um monte de coisas ao mesmo tempo. — eu disse rindo.

— Eu não tenho cadeirinha porque não tenho filhos, você vai ter que ir com ela no colo. — eu disse e ela assentiu.

— Tudo bem. Minha cadeirinha está em casa porque estou sem carro ainda, acabei de me mudar e ainda não peguei um carro. — ela disse me dando seu endereço novo.

Que coincidentemente ficava no meu prédio.

— Eu também me mudei recentemente, na verdade vai ser a primeira noite lá. E nós moramos no mesmo prédio. — eu disse fazendo ela rir, dei partida no carro.

— Oitavo andar? — perguntou e eu assenti.

— Você é o apartamento ao lado do meu que estava em obra... — ela concluiu e eu concordei rindo.

Assim que chegamos ao prédio eu coloquei nossas compras pra cima e seu pequeno dormia, ela me pediu para segura-lo enquanto abria a porta de casa e eu senti uma sensação bizarra com aquele bebê no colo. Eu, que sempre quis ser pai, me sinto vazio sem essa possibilidade com a mulher da minha vida e pegar um bebê tão pequeno no colo assim me traz sentimentos que me machucam bastante. Poderia ser o meu filho com Melissa, deveria ser.

— Quantos meses ele tem? — perguntei.

— Essa bolinha tem oito meses, ele se chama Joaquim. — ela disse.

— Joaquim? — gaguejei e ela concordou com a cabeça sem me olhar.

Senti meus olhos marejarem e entreguei seu bebê, ela me agradeceu pela ajuda e eu sequer perguntei seu nome saindo do seu apartamento o mais rápido que pude e assim que entrei com as minhas coisas comecei a chorar. Enquanto guardava as coisas minha mente me levou a noite em que voltamos de Maresias e falamos sobre o nome do nosso filho, me lembro que fui eu quem sugeriu Joaquim e ela cortou o dedo na faca me deixando preocupado.

Agora eu percebo o quanto ela ficava nervosa quando falávamos sobre isso porque ela sabia que não teríamos tempo pra isso, tomei um banho e preparei um jantar mas ainda estava triste. Conhecer aquela mulher e aquele bebê me remeteu as coisas que eu queria estar vivendo agora e que infelizmente não poderei, mal jantei direito e fui direto pro quarto pegando o diário de Melissa que agora não ficava numa mala debaixo da cama e sim dentro da escrivaninha. Esse pertence dela ficaria comigo pra sempre.

A camisa infantil do Palmeiras ficava pendurada junto as minhas coisas e eu tinha que me acostumar com esse lugar, deitei na cama e peguei uma folha pra ler e coincidentemente era a que ela havia descoberto a gravidez e a tinta de caneta nas palavras estava manchada e eu presumi que ela havia chorado enquanto escrevia.

"Oi amor, essa é a página mais dolorosa do mundo pra mim e creio que vai ser pra você também. Eu ainda estava em Maresias quando minha mãe levantou a hipótese de eu estar grávida e eu fiz um teste de farmácia que deu positivo mas é claro que eu precisava confirmar e foi por isso que voltei com você pra casa mais cedo.

Dr. Tadeu que é meu médico de confiança descobriu que estou grávida e o que era pra ser um motivo de felicidade se tornou uma tristeza ainda maior. Eu que queria tanto ser mãe não vou ter essa alegria e sinto que se morresse agora não faria diferença já que nosso maior sonho não se realizará, desculpa se esse diário é um acervo de drama mas é que a morte me assusta tanto, eu estou com raiva do mundo Rapha.

Eu sei que Deus deve estar tão cansado de me ouvir pedir coisas, mas eu juro que essa é a primeira vez que eu desejo de todo coração que aconteça um milagre nos 45 minutos do segundo tempo. Eu só queria que a gente pudesse realizar os nossos sonhos e é por isso que esse é o maior dos meus questionamentos: Porque eu? Porque nós?

Eu sei que esse bebê é quase do tamanho de uma ervilha mas é a nossa ervilha, o nosso sonho, o nosso propósito... eu imaginava como esse momento seria de chegar em casa e dizer pra você que seriamos papais. Imaginava ver você chorar como eu sei que choraria, beijar minha barriga e fazermos planos precipitados que nos fariam rir como loucos e sorrir como bobos.

Mas eu sei também que quando nós dois estivermos no céu cuidaremos muito bem de você papai, estaremos sempre com você no seu coração e toda vez que lembrar de nós vai ser com muito amor. Meu corpo infelizmente não suporta uma vida extra pelas deficiências do câncer então eu posso perder nosso bebê a qualquer momento, espero que eu consiga ir até o fim dos meus dias carregando ele comigo.

Nosso bebê é minha bateria extra.

É minha felicidade particular no meio desse caos.

Me desculpa por todas as sensações ruins que vou te causar com esse diário mas eu precisava que me entendesse, só Deus sabe como eu fico quando olho pra você e penso que nunca mais estaremos juntos. Como eu penso que a qualquer momento pode ser a nossa última memória e eu rezo pra que tenhamos os melhores dias possíveis, eu amo cada momento nosso. E agora eles são ainda mais especiais.

Eu te amo tanto que nem sei colocar em palavras mas eu sei que você sabe, eu sei que você sente."

Fechei o diário secando as minhas lágrimas, esse dia tem mexido comigo de uma forma que eu não sei controlar. Apaguei em meio a um turbilhão de sensações e quando acordei estava com uma dor de cabeça enorme, levantei vendo que estava amanhecendo e comecei a procurar um remédio na gaveta da cozinha e por um segundo ouvi uma risada e era a risada de Melissa.

— Você nunca acha nada, amor. Os remédios ficam na mesinha de cabeceira.

Olhei pra trás mas não havia ninguém e eu voltei com o copo d'água pro quarto abrindo a mesinha de cabeceira e achando os remédios e por um momento eu ri sozinho sem saber que aquilo era real ou um sonho. Deitei novamente e fiquei um tempo olhando pro teto pensando em como foi bom ouvir a voz dela novamente sem entrar em surto, sinto que posso falar com ela agora quando eu quiser.

E se eu puder criar uma versão viva de Melissa só pra mim? A mente humana é capaz disso, não é?

A última música • Raphael VeigaWhere stories live. Discover now