Capítulo 6

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Any Gabrielly 🦋

ANY GABRIELLY

  Ainda estou confusa no dia seguinte. Só um pouco, mas ainda confusa.

  Noah Urrea disse que olha pra mim sem eu perceber e que quer ser meu amigo, basicamente no mesmo momento. Tipo, isso não faz o mínimo sentido; ele nunca quer ser só amigo das meninas, e eu não quero ser mais um troféu para a coleção sexual do Noah. Se ele quisesse mesmo ser meu amigo, teria dito isso a muito tempo.

  Na manhã de sábado, eu acordo com o despertador, porque preciso ir bem cedo para a casa da minha mãe. Levanto da cama igual a um zumbi, porque ainda estou morrendo de sono, já que fui dormir tarde ontem a noite – sai da festa cedo, mas ainda rolei muita cama até pegar no sono, enfim.

  Saio do meu quarto e vou até o banheiro, mas a porta está trancada. Resmungo e bato algumas vezes, até ouvir a voz de Amber:

  — Só um minuto! — Ela grita. Aposto que está tentando se abaixar pra pegar a toalha que caiu no chão de novo, porque a barriga é quase um obstáculo para seus movimentos.

  Me encosto na parede ao lado da porta, escondendo o rosto na minha toalha verde. Estou morrendo de cansaço, porque, por mais que eu não tenha ficado por muito tempo, uma festa pode cansar muito bem uma adolescente sedentária como eu.

  A porta do banheiro se abre, e o vapor lá de dentro invade o corredor, esquentando tudo ainda mais. Argh, Amber e sua mania de tomar banho pelando. Ela sai do banheiro com a toalha cobrindo seu corpo inchado de grávida, e os cabelos morenos e molhados caindo ao redor dos ombros.

  — Está escorregando lá dentro, cuidado. — Ela solta uma risadinha irritante e eu reviro os olhos, batendo a porta quando entro no banheiro.

  Como Amber usou toda a água quente, tenho que tomar um banho frio e, por consequência, bem rápido também. O lado bom, é que tomar banho frio me acorda um pouco mais do meu estado sonâmbulo matinal, e eu lerdeio menos na hora de me arrumar.

  Para ir a casa da minha mãe, eu visto um shortinho de moletom preto, com duas cerejas bordadas nas bordas e um casaco de moletom vermelho, com apenas um sutiã por baixo. Nos pés, calço um par de All Star vermelho e então volto para o banheiro, onde arrumo meu cabelo – arrumar: só passar um creme e um pente, e tá pronto.

  Depois de verificar se eu tinha posto tudo que vou usar durante o final de semana dentro da minha mochila, eu a jogo nas costas e desço para tomar café da manhã.

  — Bom dia, Elly! — Diz meu pai assim que me vê entrando na cozinha.
  — Bom dia… — Murmuro e me sento a mesa, já pondo um monte de bacon no meu prato.

  Meu pai sai da frente do fogão, da a volta na mesa e para atrás de mim, tudo isso só pra tirar o bacon de mim. Faço uma careta.

  — Ei! — Resmungo — Meu bacon!
  — Você sabe que não pode comer muita gordura. — Ele substitui meu prato com a coisa mais deliciosa do mundo, por uma tigela com salada de frutas mergulhadas em mel industrial. Isso é o que Amber, que está grávida, deveria comer, não eu. — E eu sei que não está tomando os remédios. Já falei com sua mãe.

  Suspiro e mordo um pedaço do morango, mesmo que contra a força. Não sei porque ainda forçam esses remédios minha guela abaixo; eu estou bem. Sei lá, talvez meus pais só tenham medo da forma como cuido de mim mesma – não faço exercícios físicos, não me alimento bem… –, e se sintam mais aliviados em saber que os remédios ajudam a estabilizar o coração que não é meu de verdade. Mas, como a maioria dos remédios, os que eu tomo tem efeitos colaterais horríveis e desconfortáveis.

  — Não precisava falar com ela… — Murmuro enquanto reviro minha tigela de frutas. Até perdi a fome. — Eu tô bem, não tô?
  — Mas pode ficar ruim a qualquer minuto, e eu não quero que isso aconteça, entende? — Ele está falando sério agora, mas não olha pra mim, porque está terminando de esquentar o café. — Essas comidas gordurosas que você come podem causar outro taquicardia quando você menos esperar.
  — Não vou ter um ataque cardíaco por comer Doritos, fala sério.

  Talvez eu trate minha "doença" como algo nada haver, às vezes, e isso é errado porque é algo bem sério, mas não consigo evitar. Se eu deixar a DAC mandar no meu modo de vida, eu não vou estar vivendo, vou estar sobrevivendo, e eu não quero isso.

  — Nunca vou entender porque você não leva isso a sério. — Meu pai olha para mim com o canto dos olhos, suspirando. — Você lembra como foi daquela vez, não lembra? Todo o sufoco que você passou, a forma como sentiu medo de…
  — Eu já entendi. — Digo entre dentes, antes que ele complete a frase. Medo de morrer, foi o que senti. Até hoje sinto, mas não tanto quanto naquela época. Meu pai adora contar essa história. — Mas isso já passou, não é mesmo?

  Me levanto e deixo a tigela cheia de frutas em cima da pia, porque não consigo por mais nada na boca.

  — Any Gabrielly, você não comeu quase nada. — Diz meu pai, enquanto pego minha mochila na cadeira.
  — Não tô com fome e já estou atrasada. — Como se eu tivesse hora para chegar na minha mãe…

  Saio da cozinha antes que ele diga mais alguma coisa, pegando o capacete da moto no chão, antes de sair batendo a porta.

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𝐴𝑙𝑙 𝐹𝑜𝑟 𝑈𝑠Where stories live. Discover now