Capítulo 26

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MARIA JÚLIA

Ela parou ao ouvir a minha voz. Na verdade nós duas paralisamos, meus olhos estavam queimando de tantas lágrimas que haviam se formado. A primeira escorreu e limpei com raiva, até ela me olhar.

Minha mãe... o olhar doce dela continuava o mesmo, porém aparentava estar bem mais velha do que deveria aparecer com a sua idade. Minha cabeça girava, não entendia o porquê.

Como meu pai mentiu sobre a morte dela? Na verdade, como os dois tiveram a coragem de mentir sobre isso? Um nó se formou na minha garganta, parecia que tinha uma bola de pelo entalado que não me deixava respirar. Me encostei na parede e finalmente ela se mexeu.

Mari: filha, calma -falou se aproximando e sua mão tocou o meu braço, as lágrimas começaram a escorrer sem parar- eu vou te contar tudo, só preciso que fique calma.

Maju: você não pode sumir de novo -olhei em teus olhos-

Mari: e eu não vou, te prometo.

Ela me levou até um lugar com uma placa escrito "apenas funcionários", haviam várias portas e entramos em um delas.

Tinha uma cama de solteiro, TV e um guarda roupa pequeno, uma copa e a porta que deduzi que fosse um banheiro. Era um cômodo pequeno, mas aconchegante.

Observei tudo enquanto ela me olhava, desviei o olhar para o seu e ela sorriu.

Mari: Eu esperei tanto por esse momento -ela tentou se aproximar e recuei-

Maju: você não pode agir como se nada tivesse acontecido -engoli seco e tirei uma mecha do meu rosto-

Mari: eu sei filha -ela suspirou-

Maju: Então me conta, logo -respirei fundo- eu preciso saber como eu estou aqui com a minha mãe que morreu a 16 anos atrás.

Mari: o que eu vou te dizer agora pode nos afastar para sempre, outra vez -sua voz quase falha no final e senti um embrulho no meu estômago- sente aqui, por favor -falou desviando o olhar para cama e nos sentamos- antes de qualquer coisa eu nunca, nunca deixei de amar você e suas irmãs, me afastei para vocês não sofrerem mais -ela estava firme e me olhando nos olhos-

Maju: sério que se ficasse iríamos sofrer mais do que viver a sua morte? viver o luto, a dor? -levantei, não tinha como lidar bem com aquela situação- você tem noção de como foi difícil viver sem você? -seus olhos estavam presos em mim, e marejados a qualquer momento as lágrimas escaparem- as festas do dia das mães na escola, os conselhos, querer conversar e ter o colo da nossa mãe, você tem noção? O papai teve que lidar com tudo sozinho e...

Mari: eu fui obrigada -ela falou entre soluços e as lágrimas escaparam- o seu pai forjou a minha morte e me mandou para longe da capital, então sim filha, eu tenho noção da dor e sofrimento que eu causei por estar longe de vocês e por ter sido obrigada a viver uma vida que não era minha -pude ver quando ela engoliu seco e suspirou, levantou em seguida ficando a 1,5 metro de mim.

Maju: obrigada? -minha voz quase falha-

Mari: sim, obrigada -ela balançou a cabeça e limpou as lágrimas- eu traí o seu pai há exatos 17 anos atrás -arregalei meus olhos surpresa mas não a interrompi- mas antes de contar o que eu preciso eu vou te contar o que era viver com o seu pai -um suspiro longo saiu de sua boca e continuei quieta- eu não tinha voz dentro daquela mansão que todos achavam que era a vida perfeita, só o que ele dizia valia e já era assim antes mesmo de você nascer, só que ele maquiava toda situação -ela riu, mas seu semblante era triste- quando estávamos em alguma festa do quartel, em algum almoço ou jantar importante ele me tratava como a primeira dama, como se fosse um príncipe encantado e eu sempre dava uma chance porque já tinha uma filha com ele e precisava preservar isso -mais um suspiro, era como se ela estivesse revivendo tudo aquilo outra vez, era nítido- na sua festa de 5 anos Alex Alencar havia acabado de chegar no quartel.

Maju: Alex? o pai do Kalebe? -senti meu coração parando aos poucos, respirei fundo tentando me conter e ela apenas balançou a cabeça concordando-

Mari: Sim, ele -respondeu baixinho- nessa festa o seu pai perdeu completamente o controle, pedir os docinhos a menos e acabou antes da hora do parabéns, e bom, foi motivo suficiente pra ele me segurar forte no braço e me chacoalhar na cozinha pensando que ninguém fosse ver, mas Alex apareceu e se intrometeu, ficou furioso com o seu pai, até porque ele estava prestes a virar General pelos bons modos e como ele fazia aquilo com a sua esposa -ela riu baixinho outra vez e deu alguns passos pelo quarto pequeno-

Semanas depois aconteceu outra vez, seu pai estava mais violento do que o normal e eu não entendia o porque até descobrir uma traição que pra mim foi o fim, eu aceitei tudo Maria Júlia -seus olhos voltaram a me encarar- aceitei os gritos, os xingamentos, as falta de respeito, os puxões e aperto, o famoso relacionamento abusivo não é? -sua voz ficou embargada e senti meu coração doer-

Maju: mãe, meu Deus eu sinto muito -falei baixo e me aproximei mas ela recuou e balançou a cabeça-

Mari: não sinta -continuou balançando a cabeça- eu traí o seu pai com o Alex por vingança e engravidei da Carol sem querer, sem estar preparada -o meu coração estava tão acelerado, pensar na minha irmã e que vivemos uma mentira me fez sentir falta de ar, coloquei as duas mãos na cabeça e balancei negando e ela concordou- Carol não é filha do Victor,e ele descobriu, simplesmente descobriu tudo e me obrigou a sumir, eu pedi tanto pra ele não contar pra vocês, não dizer a merda que eu fiz em trair o seu pai -um soluço escapou da sua boca- eu estava devastada Maria, eu estava cansada, exausta e o Alex apareceu no momento em que eu precisava ser salva mas foi ao contrário.

Maju: agora tudo faz sentido -consegui encará-la- ele me mandou engolir o choro no seu velório, o jeito frio que ele ficou desde então.

Mari: eu não tive saída

Maju: E Alex, ele sabe?

Mari: Eu contei pra ele quando descobri, eu e seu pai não nos tocamos mais desde que descobri a traição dele, então quando o teste deu positivo eu já sabia e seu pai também.

Maju: você sofreu todos esses anos sozinha -consegui dizer e busquei ar, meus pulmões estavam completamente fechados- você viveu sozinha por tanto tempo mãe -minha voz saiu embargada e ela balançou a cabeça concordando e me puxou para os seus braços- 

MANDONAWhere stories live. Discover now