Parte 1 - Capítulo 1: Ventos de Mudança

157 7 24
                                    

Arte: another packed of misery and abject desperation.tumblr.com

– Gary?

Ele ouviu a voz doce que acalmava as piores tempestades dentro dele. Sabia que tinha vindo da brecha da porta que deixara entreaberta. Andava tão distraído nos últimos dias que esquecia até de fechar as portas.

Geralt conseguiu emitir apenas um resmungo, tamanha era a confusão e a angústia em sua cabeça e em seu peito. Pela visão periférica, viu Ciri entrando, os cabelos tão brancos quanto os dele presos em um rabo de cavalo, e sabia mesmo sem olhar que encontraria no rosto da irmã mais nova uma expressão inocente e feliz, coisa que apenas uma criança da idade dela conseguiria sustentar naqueles tempos.

– Tio Ves pediu pra avisar do jantar. Tá na mesa... – ela dizia cautelosamente, ele já sabia por quê. Geralt vinha demonstrando o pior de sua natureza melancólica desde que eles tinham recebido a notícia.

Na verdade, suas mudanças de humor vinham sempre depois de alguma notícia ruim. "Vamos precisar nos mudar de novo", "Sua mãe está doente", "Vocês vão precisar ficar com o Tio Ves agora", "Sua mãe piorou", "Ela nos deixou, Gary... Virou uma estrelinha"... E agora: "Vocês precisarão frequentar a escola, como todo mundo". Como todo mundo. Era irônico. Geralt não tinha nada de igual à todo mundo, sequer parecido. Dos cabelos sem cor, ao aspecto macilento de sua pele, à sua estranha cicatriz atravessando o canto do olho esquerdo, que por si só já formava um par bizarro com o direito, amarelos como os de um gato, Geralt nunca fora igual a todo mundo. Ele nunca seria.

Ele tinha vivido até ali tentando sempre atenuar o máximo possível quem ele era para parecer alguma outra coisa. Por ser muito alto, Geralt andava levemente mais curvado, e já tinha certa prática em deixar uma larga mecha de seus cabelos caírem sobre o olho esquerdo para evitar (mais) olhares nas raras vezes em que saía de casa. Isso não ajudava tanto, pois a cor dos fios por si só chamavam atenção suficiente, e se cobriam a cicatriz do lado esquerdo, expunham o amarelo inconfundível do olho direito. O mesmo acontecia aos cabelos: mantinha-os longos, na altura dos ombros, e enquanto escondia uma coisa, outra se pronunciava. Pelo menos as outras cicatrizes ficavam escondidas sob a roupa. Ao pensar nisso, Geralt sentia ainda mais raiva, por saber que era herança de seu pai – uma deficiência genética da família dele, que dava a todos aqueles olhos sinistros e conferia aos fios tão pouca melanina que ele parecia perder ainda mais ao longo da vida.

Tinha sido engraçado quando havia apenas dois anos, Geralt estreara sua entrada na adolescência com um surto que se formara nele por tanto tempo: tingira os cabelos de preto azulado logo que teve oportunidade. Vesemir, seu tio, ficara alarmado, Ciri tinha gargalhado dele por dias – isto porque o resultado fora sofrível: a tinta conseguira apenas manchar levemente algumas partes de seus cabelos. Quando começou a precisar de óculos de leitura, ficou esperançoso de tentar lentes de contato coloridas, quem sabe, castanhas. Mas o médico fora impassível: eram óculos de leitura, que não deviam ser usados com frequência, para quê lentes? Era quase irônico que ele não conseguia se livrar daquela aparência por mais que tentasse.

Ciri era sua maior apoiadora e adorava seus cabelos exóticos: os dela e os do irmão. Invejava a cor dos olhos, ela também queria ter herdado. Felizmente, Ciri não tinha. Era uma criança de aparência totalmente aceitável, até mesmo seus cabelos longos, mais lisos, acentuavam sua pretensa pureza (Geralt sabia muito bem o que a irmã podia aprontar). E por que ela pedira, ele parara de tentar tingir; toda vez que pensava nisso, lembrava de Ciri dizendo: "Aí não vamos mais ser gêmeos! Eu gosto de ser igualzinha a você!". Isso o pegava de guarda baixa e, por fim, ele passou a conviver com seu fantasma capilar.

Teen White Wolf - Uma fic "The Witcher" [vol. 1]Where stories live. Discover now