Prólogo

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Ashanti! - A ama corre em direção a menina pelos campos gramados de Moçambique/ África, ao alcança-lá, ofegante Zumbaida sua cuidadora a avisa: - Seu pai, meu senhor e rei Afalur retornou da viagem e deseja ve-la imediamatante.... Famba (Vamos).

- Papai, papai! Bhava! - a menina saltitou como um carneirinho jovem e selvagem na direção da residência real, estava animada, a muito não via o seu querido pai e estava com saudades, queria abraça-lo apesar de saber que isso quase nunca lhe era permitido.

Ela correu, correu na companhia de tigrada, seu pequeno felino de estimação e entrou pela grande porta recoberta com tecidos nobres e coloridos, sua mamadi de nome Janaína sinônimo de Iemanjá ou rainha aficana do mar para o ocidente, havia lhe preparado pessoalmente o paputú (Café ou lanche da Tarde), a mãe era realmente carinhosa, uma verdadeira rainha como lhe trazia o título e nome, o lar ou a Kuanga nobre nunca teve tanto amor se não na sua presença.

- Ouça Jassai, onde está mamadi? - com porte de princesa, sua voz infantil ressonou para o criado ao terminar de saciar a fome com os maravilhosos brioches de Rima, a cozinheira.

- Vossa majestade está em seus aposentos com o nosso senhor e soberano rei Afalur pequena preciosa, mandei lhe chamar porque tenho ordens de manda-lá para o banho logo após o termino de sua refeição - ele a avaliou dos pés a cabeça - Você está mesmo precisando - concluiu - Famba! Zumbaida já vem - A menina sorriu, mesmo atraída para casa enganada, sim, estava mesmo precisando se banhar, a tinta colorida tomava conta de seu pequeno corpo, pintar e manusear as cores era a sua brincadeira preferida em todo o mundo.

Com um imenso sorriso no rosto, subiu as escadas, mas estacou ao escutar vozes alteradas no quarto real... Era sempre assim, seu Bhava vivia gritando com a sua Mamadi quando estava em casa... As vezes era amoroso, outras se transformava no grande Ofalon, o mais temeroso vilão das histórias infantis que ouvia. Mas porque? Matutava em sua cabecinha tão desprovida de maldade, Como ele conseguia ser dois papais tão diferentes?...Era tão doloroso ver sua projenitora sair desolada e machucada das nomeadas conversas reservadas com o Bhava, A felicidade que demostravam para os outros por acaso era de mentirinha? Oh sim, a resposta com certeza era sim.Ah como queria ter super poderes como a madame Akkinna. Se o tivesse, daria um ponto final em tudo isso, Seria a heroína de sua mamadi.

Curiosa, ainda ouvindo os estrondos por detrás da porta a sua frente, pela primeira vez a pequena e inocente Ashanti resolveu espiar, sabia que o ato era proibido e que no mínimo ficaria trancafiada por três dias se fosse pega, mas queria entender o motivo pelo qual sempre avistava sua mãe chorosa, encolhida e dolorida pelos cantos. Nem mesmos as xitas ou tecidos bordados a ouro eram capaz de esconder o tamanho da tristeza nos olhos de Janaína cada vez que se atritava com Afalur.

Devagar ela pôs o pequeno corpinho por detrás da grande cortina que recobria a porta, e pela fresta viu, que tristeza, viu, viu o que menos esperava... Seu Bhava, ou seria aquele o maldoso Ofalon? Sua mente confusa, o cenário em câmera lenta... Não, aquele não poderia ser o seu pai, não se parecia com ele, não o Afalur que ela amou.

Mesmo não acreditando, concluiu com os próprios olhos que os ruídos ouvidos pelo lado de fora, era em consequência dos socos e chutes proferidos contra a sua rainha e mãe. Ela não se defendia, apenas chorava baixinho e rogava para alguma entidade para que tivesse piedade. Ele não a ouvia, apenas batia e silibava palavras incompreensiveis, agia como se tivesse todo o direito de faze-lo, a tratava como um objeto que lhe trouxera insatisfação. Cruel.

Alguns minutos se passaram, mas Ashanti permaneceu no mesmo lugar, congelada, petrificada. Presenciou silenciosamente a cena que a fez, primeira vez, entender o significado de odiar, de perder a inocência, era a primeira vez aos nove anos que sentira uma enorme vontade de fazer alguém deixar de existir. E esse alguém era o seu pai. O grande rei de Maputo.

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A vida acabara para Janaína naquela tarde, não por causa das surras do marido, essas, a mulher já havia se acostumado. A tristeza partiu seu coração quando notou que ali, presenciando o seu sofrimento físico, estava a sua jóia mais preciosa: Ashanti.

Sempre fizera de tudo para evitar que enquanto criança, a filha soubesse da tamanha covardia que algumas esposas eram submetidas pela lei em seu país, mas falhou quando viu os olhinhos assustados da menina por detrás da malha grossa da cortina dourada, sentiu, soube que aquela dor era muito maior do que qualquer agressão física que já sofrera.

Oh sua menininha, sua menininha inocente descobriu com tão pouca idade que os homens podem ser monstros quando querem.

Horas depois, na noite daquele mesmo dia, resignada, a mulher adentrou no dormitório da garotinha. Sentiu que lhe devia alguma explicação, algo que justificasse tudo que fora visto, precisava faze-la compreender o incompreensivel, de jeito nenhum queria outro coração de rocha sendo cultivado dentro daquela casa, mesmo tendo a plena certeza que a filha jamais seria dona de um. Ashanti era doce demais para ser como pai.

- Boa noite minha Nwana - lhe sorriu e lhe acariciou carinhosamente - espero que tenha entendido bem a sua Mamadi. - rogou sussurando baixinho no ouvido da filha ao terminar a história sobre a princesa de palavra Abena.

- Entendi Mamadi, - estava triste, tentou entender a mãe mas não conseguia - só quero que saiba que hoje eu não gostei do Bhava - resmungou se lembrando da cena que vira horas atrás - não gostei do que ele fez, te machucou, é ele quem sempre te machuca, eu vi! - os olhinhos se encheram d'água - Chegará um dia Mamadi em que eu não vou deixar que nenhuma Mamadi dessa província sofra como Janaína, Você vai ver!

Pronunciou com tanta determinação que a matriarca se surpreendeu, mesmo aos nove anos as palavras da menina denotavam o tamanho de sua força interior, essa fora a primeira vez que Ashanti demonstrou que viera ao mundo para ser uma grande mulher.

Informações:

A língua oficial de Maputo/Moçambique é o português europeu, mas a grande maioria da população utiliza da Changana/Ronga, por isso a utilização das palavras estrangeiras no capítulo.

As postagens serão uma vez na semana.

Obrigada por ler!

Tigre so existe na América, ASHANTI ganhou o bichano.

AshantiWhere stories live. Discover now