Capítulo IV

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PERCY

Agora que eu estava indo treinar com Annabeth um pouco mais consciente do que me esperava, eu podia dizer que estava determinado a me esforçar, nada era tão difícil assim, eu poderia conseguir me dar bem com um pouco de esforço, mas eu sabia que seria complicado acompanhá-la, ela estava completamente acima da média e mesmo eu que não entendia tanto de patinação artística conseguia reconhecer isso, é como se ela vivesse mais tempo com os pés no gelo do que fora dele.

Eu sabia como era isso.

Quem se destaca, normalmente não pensa como qualquer competidor, se te pedem para fazer dez vezes, você quer fazer onze, depois se pergunta o que aconteceria se fizesse mais dez vezes? E se fizesse de A a Z? Acrescente mais um para cada falha, mais um para cada vez que você acerta, no final, você não consegue parar até superar alguma coisa, e quando você finalmente supera, lhe ocorre que ainda não o suficiente. Eu apostaria qualquer coisa que Annabeth se encaixava nesse padrão, eu reconheceria uma pessoa assim em qualquer lugar, porque também sou assim.

Fiquei assistindo vídeos de patinação artística até a madrugada ontem, assisti diversas pessoas explicando o básico a partir de várias perspectivas, o primeiro passo para aprender um esporte, é entender como ele funciona, no início foi um pouco chato, depois eu já não conseguia parar de absorver informações e me admirar com o fato de que Annabeth conhecia tudo aquilo perfeitamente. Hoje ela escolheu o próprio ringue de patinação para treinarmos.

Assim que chego no local, consigo ouvir uma melodia pelo local, era o som de um violino, acompanhado por um piano. Entro com as mãos nos bolsos do moletom azul claro que eu estava usando e sigo o som da música, eu conhecia aquela melodia, era provavelmente uma das coisas mais tristes que eu já havia escutado em toda minha vida, minha irmã a ouvia todos os dias. Deixo a lembrança de lado e olho em direção a pista de gelo, Annabeth estava patinando ao som de Nocturne, de Chopin.

Annabeth se erguia e se movimentava de forma tão natural, que fazia parecer fácil o que ela estava fazendo, sua concentração era tanta que eu acho que poderia ficar nu agora mesmo e ela não iria notar, no momento que ela faz um salto com giro triplo no ar, sinto que meu coração acaba saltando com ela, eu não conseguia desviar o olhar dela agora e, de alguma forma, eu me sentia privilegiado, era uma dança que apenas eu veria, o público dela se resumia a mim nesse momento. Eu não sabia que apenas observar alguém dançar poderia fazer meu coração acelerar. Acho que todo mundo se sentia assim ao ver alguém se movimentando como se tivesse o poder de fazer com que o próprio universo parasse para observa-la. Um universo inteiro, era isso que ela parecia enquanto dançava e eu era apenas um observador, aguardando sua luz me atingir.

Infelizmente, a música acaba mais rápido do que eu achei que iria durar e a coreografia se encerra e, quando ela para de se mover, percebo o que seus movimentos estavam me impedindo de perceber. Ela estava chorando. Coloco os patins de patinação que havia comprado no dia anterior de forma apressada e entro na pista.

- Annabeth? - Assim que a chamo, ela ergue a cabeça em minha direção e parece assustada, como se não conseguisse compreender minha presença. - Está... - Me interrompo. Tentando repassar em minha mente qualquer pergunta que fosse melhor que aquela, quando não consigo pensar em nada, mudo de tática. - Vem aqui.

Digo enquanto a puxo pelo braço e inicialmente ela reage como se fosse um animal ferido e assustado, então, quando passo os braços ao seu redor, o que quer que tivesse sobrado de qualquer defesa pessoal, desmorona. O que havia acontecido a ponto dela chorar desse jeito na frente de alguém que conheceu não faz nem uma pessoa? E sinceramente, eu não sabia muito o que fazer além dar tapinhas em suas costas e deixar a garota chorar, porque eu não fazia ideia do que havia acontecido para ela chegar naquele ponto.

- Eu sou tão, tão, tão idiota. - Ela diz mordendo o lábio inferior, com o rosto vermelho devido as lágrimas.

A cada lágrima, eu me sentia ainda mais perdido em relação ao que fazer com a garota em minha frente.

- Minha melhor amiga está com raiva de mim, meu namorado diz que é culpa minha, minha instrutora está uma fera porque dispensei o Luke faltando dois meses para a competição. Eu... - Ela se perde dentro do próprio discurso e me olha, me olha de verdade pela primeira vez nos últimos minutos, percebo que está com vergonha agora. - Desculpa, isso não tem nada haver com vo...

- Pode falar. - Tento manter o tom suave e indico um banco que era reservado para os treinadores e coreógrafos, ela assente passando as mãos pelas bochechas e patinamos até o banco, me sento próximo a ela, dando algum espaço e ela respira fundo. - Eu vou te ouvir, certo? E fique tranquila que não tenho a intenção de repassar nada que conversarmos, mas acho que se você não falar, vai acabar chorando na frente de outra pessoa. Duas vezes é um pouco mais constrangedor. - Ouço sua risada e tomo isso como um bom sinal, pequeno, mas bom.

- Tudo bem, mas prometo é a única vez, ok? Eu realmente preciso desabafar, nem que seja com um jogador de hóquei descarado. - Coloco minha mão sobre meu peito, fingindo estar magoado.

- Assim você me machuca, gata. - Ela ri de novo, mas seu riso some aos poucos em seguida.

- Sabe quando... Quando você sente que tudo é sua culpa? Por exemplo, seu namorado leva bomba na prova e de alguma forma, você é responsável por isso, ou coisas do tipo: "Annabeth, não faça isso" ou "Isso não vai te fazer bem", uma parte sua sabe que está apodrecendo com isso, a outra parte se lembra das promessas, se lembra de quando você prometeu ficar, se lembra de quando ele disse "Eu só tenho você". Se ele só tem a mim, seria muito egoísta deixá-lo por conta própria, não é? E as vezes... As vezes existem momentos que ele é um pouco... Sincero demais? Depois analiso e vejo que pode não ter sido por mal, mas na hora dói escutar. Mas ainda assim, eu continuo sendo quem ele tem, não posso deixar que fique sozinho. Briguei com minha melhor amiga ontem, porque ela me encontrou chorando e se irritou quando eu disse que estava tudo bem.

Absorvo toda aquela informação como se alguém estivesse me fazendo engolir areia, a nostalgia daquela conversa era tanta que por um segundo, não era Annabeth que eu via, mas foi por apenas um segundo, no segundo seguinte, eu já havia enterrado aquela nostalgia de novo. Tento escolher com cuidado o que eu falaria agora.

- Você é quem ele tem... Mas quanto tempo faz que você não o tem? Sabe, Annabeth, as pessoas conseguem enxergar. Elas tem olhos. Eu mesmo tenho dois. - Digo arqueando um pouco as sobrancelhas, apontando para o meu rosto e ela abre a boca diversas vezes para falar, mas não emite som algum, apenas continua me encarando, como se fosse uma resposta simples e difícil, os dois ao mesmo tempo. - A única pessoa que vai pensar em seu bem estar a cada segundo, é você mesma, você claramente não está se sentindo amada por ele e eu que ouvi apenas um fragmento da situação vi isso, sua amiga deve ver muito mais.

Ela baixa o rosto, encarando as próprias mãos e aperta os lábios. Ela ainda não havia parado de chorar completamente, eu conseguia ver estampado na testa dela que ela estava se sentia culpada, mas eu não conseguia entender porque.

- Não sabia que sabia falar tão bem. - Ela elogia.

- Tem várias coisas que ainda não sabe sobre mim, gata. - digo com um tom zombeteiro e ela sorri um pouco.

- Podemos patinar? - ela pergunta baixinho, como se estivesse exigindo muito de mim. Dou uma risada que chama sua atenção e me levanto do banco, estendendo a mão para ela.

- Hoje não irei cair no gelo. - Isso sim faz com que ela ria de verdade.

- É o que vamos ver. Apenas um pouco, depois vou te treinar fora do gelo, você precisa melhorar em dança normal primeiro.

- Sim, sim senhora.

Wonder | PercabethOù les histoires vivent. Découvrez maintenant