Capitulo 11

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Fazíamos três meses de casamento, a minha mãe insistiu em fazer um jantar para nós e como é lógico se eu já não sentia qualquer necessidade em festejar, muito menos vontade tinha de festejar junto da minha mãe, em que uma garrafa de vinho tinha de dar para mil pessoas, porque se alguém bebesse mais de uma gota era um alcoólico, a única pessoa que podia beber duas gotas era o meu irmão António.

Comparo os jantares em casa da minha mãe iguais a assistir uma missa. Podíamos conversar na sala até que a empregada do mês viesse informar que o jantar ia ser servido, quando chegávamos à mesa o silêncio era brutal, apenas se poderia ouvir moscas. O que não acontecia porque nem elas tinham autorização para entrar na sala de jantar da minha mãe, que estava gloriosamente imaculada.

Chegámos a casa da minha mãe dez minutos antes do combinado, chegar um minuto depois era considerado falta de educação e cinco minutos mais cedo seriamos uns mortos de fome. Não vale a pena tentar perceber, teorias da Sra. da minha mãe, convenções sociais que um dia ela leu em alguma bula papal e que as segue como é lógico, religiosamente.

Não tenho nada contra a religião, nunca tive. Acredito que existe um ou mais seres que estão acima de nós, que nos deram o sol, o poder de escolha. Não sou e espero nunca ser aquele tipo de pessoas que acredita puramente na ciência, acho que se assim fosse esta passagem não teria piada, não teria graça. Acredito na minha Freya, acredito em Thor, assim como tenho uma simpatia pelo Santo António. Acho-o interessante, um Santo na igreja católica tem quase o mesmo poder, que tem Freya, Afrodite ou mesmo Vénus, o poder do amor, a junção de duas almas perdidas no tempo, no espaço que se conseguem unir, como se isso fosse um milagre…e é um milagre.

É quase insano num universo de milhões de pessoas, alguém encontrar quem nos complete, quem nos entenda, com quem não temos de fingir nada. Eu nunca fui capaz de dizer à Cesca o porquê de eu estar zangado com o meu pai quando ele morreu, que tirei fotos com outro homem só para o chocar, eu nunca disse à Cesca que já tinha roubado, ainda que um roubo inconsequente. Nunca lhe disse que tinha medo…nunca lhe disse que não podia fazer amor porque não me sentia bem, já tinha acontecido isso, mas eu não disse…com a Lexie eu disse-lhe tudo! Expliquei-lhe o porquê de não gostar de comer coelho, falei sem medo quando não podia fazer amor com ela, expliquei-lhe sem rodeios o que era esperado de mim. Sei que não foi logo de inicio, mas foi ao fim de muito pouco tempo…

Tinham passados dois meses desde a conversa com Gabi e se durante este tempo eu conseguia fingir mais ou menos bem, o peso nos meus ombros começava a fazer-me afundar. Mantinha-me o marido amantíssimo, Cesca trabalhava e eu pintava, ou tentava uma vez que ultimamente nada de bom saía das minhas mãos. Mas eu continuava a sorrir, continuava como se o casamento fosse o paraíso.

Mas por dentro a merda do inferno ia ganhando cada vez mais, deixou de bastar ver a foto dela no perfil, deixou de fazer o efeito e eu acalmava-me como podia, bebia durante o dia só para adormecer a dor. A Cesca todos os dias chegava às cinco e o meu último copo era às três. Mas eu mantinha-me no jogo.

Descobri que tomar o intreferão à noite era uma das formas de manter a Cesca fisicamente mais longe de mim.

O intreferão fazia-me doente! É estranho como uma suposta ajuda numa doença ainda nos põe mais doentes. As dores musculares eram horríveis, a febre vinha e eu passava uma noite a acordar como se tivesse apanhado uma gripe, no dia a seguir estava de rastos, mas mal a Cesca saía eu tomava uma ou duas aspirinas e continuava na monotonia.

A monotonia tinha sido quebrada hoje, com o jantar.

A sala continuava igual a vinte anos atrás, os mesmos cortinados, o mesmo sofá, os mesmos quadros perfeitamente alinhados a régua e esquadro, as mesmas cores sombrias como se naquela sala fosse proibido qualquer sentimento, qualquer expressão mais positiva, um sorriso talvez, mas ainda assim o cheiro confortava, ainda assim existia ali algo de casa, do meu lar.

Quando te deixei, amor (disponível até 03/05)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora