Capitulo 8

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Permaneci todo o voo calado, Cesca também não fez qualquer movimento para iniciar uma conversa. Manteve-se pensativa, possivelmente a pesar se esta teria sido uma boa ideia, acho que também ajudou o facto de eu colocar os fones nos ouvidos a ouvir uma playlist criada em tempos…alguém a criou e alguém lhe deu o nome “A vida é bipolar!”

A chegada a Florença depois de uma semana em Mykonos é feita com pompa e circunstância. Quem olhar para a cena de fora pensa que tivemos anos fora e não apenas uma semana. Da minha família não há sinal.

Os pais da Cesca estão cá, primos, amigos e até amigos dos pais dela. Parecemos a merda de uma visita de estado, só falta aqui a guarda de honra e a porra de uma banda, para estar completo.

Sorrio para todos, abraços e beijos para as senhoras que me amassam e estico as mãos para os senhores.

Frases de ocasião surgem. A lua-de-mel fez-vos bem! Ou a melhor “Vocês estão com um ar de felicidade!”

Cada vez me capacito mais que as pessoas só vêem o que querem. Se nos observassem em vez de olharem chegariam à conclusão que tudo em nós está forçado, está de acordo com as expectativas…é tudo a merda de uma actuação!

A Cesca chora como se não os visse há uma semana, ou na minha opinião chora porque eu não estive à altura, porque aquilo que ela sonhou foi destruído parcialmente pela minha incapacidade de ser brilhante, de ser um ser demasiado egoísta, ou de apenas não me sentir bem com as minhas escolhas. Ela é o meu dano colateral.

Sinto-me mal, sei que a culpa é minha. Arrastei-a para algo que ela queria, mas que eu fingi que queria.

Tenho tentado mudar o meu comportamento aos poucos, mas o controle foge e de repente volto a ser o Gio que ama a Lexie e que não se lembra do porquê que deixou a Lexie. Nesta semana tentei ser acessível, esquecer o passado e lembrar o que eu e a Cesca tivemos no passado.

Recordar que a necessidade da Cesca cuidar de mim sempre foi assim, que ela faz um esforço constante para ser diferente, para alterar esta necessidade, mas esquecesse como eu me esqueço do meu esforço para deixar a Lexie.

Sinto por vezes que ela trata de mim como se eu fosse o filho que perdemos…mas logo na minha cabeça vem-me à memória que ela já era assim antes.

A lua-de-mel durante os primeiros dois dias foi passada comigo deitado, fruto dos meus excessos durante a boda. Abusei do álcool, tomei comprimidos que não devia, fumei ainda mais, o resultado foi ficar deitado e em pânico por achar que vinha um surto.

Conseguimos consumar o casamento ao terceiro dia. Fui rápido e eficiente, mecânico. Se alguém me perguntasse, eu apenas diria: “Foi como despachar um assunto pendente.”

Foi isso que eu senti. Como se na minha cabeça existisse uma lista de tarefas:

Ir buscar a roupa à lavandaria

Comprar papel higiénico

Fazer amor com a mulher que eu acabei de casar

Não esquecer de pagar o telefone

Uma tarefa de uma lista delas, resolvida.

Sei que a Cesca percebeu, aliás sei que ela percebe todas as minhas alterações, todas as minhas mudanças. Sei que ela as desculpa com as alterações de humor que todos os doentes com Esclerose Múltipla sofrem, mas ela não fala.

Eu desejo que ela fale, eu sou demasiado fraco, cobarde para o fazer, para dizer alguma coisa. Mas depois penso se ela falar irá fazer alguma diferença? Não, não vai. Porque além de fraco, cobarde eu também sou demasiado teimoso e uma grande parte de mim ainda acha que este casamento é a puta de uma ideia boa.

Quando te deixei, amor (disponível até 03/05)Where stories live. Discover now