Capitulo 7

3.3K 247 19
                                    

Fiz o caminho até ao altar sobre o olhar atento de inúmeros convidados sentados, nas suas roupas domingueiras e muitas delas ainda com cheiro a naftalina. Olhei em redor para tentar perceber quem eu conhecia. Na minha cabeça não seria mais de setenta e cinco convidados, mas a igreja estava cheia. Deviam estar mais de cento e cinquenta pessoas. Mentalmente fiz as contas de quanto é que isto me tinha custado, mal conseguisse tinha de ir ver a conta bancária.

Dei uma gargalhada muda e pensei com os meus botões: “ O dia do meu casamento e eu preocupado em ver uma conta bancária.”

À medida que ia caminhando as pessoas tinham tendência a calar-se, algumas levantavam-se e vinham cumprimentar-me, outras apenas sorriam, mas após a minha passagem vinha o burburinho. Imaginava o que falavam: “Coitado! Ela é uma santa!”, “Deve ser mesmo amor”, “ Está aleijadinho.” E por ai adiante.

Era assim há anos, a Cesca era a santa e eu era o desgraçado.

Cheguei ao altar e mais uma vez a Cesca tinha pensado em tudo, em todas as minhas necessidades. Uma senhora tão ou mais beata que a minha mãe dirigiu-se a mim com um olhar cheio de pena, como se eu fosse a porra de um doente terminal e indicou-me uma cadeira que a minha noiva tinha pedido para mim.

Agradeci e sentei-me, pousei as muletas ao lado. Cruzei as mãos sob o meu colo e tentei alhear-me de tudo. Fechei os olhos e quem me visse pensaria que eu estava no meio de uma oração, a minha mãe iria ficar feliz.

Estava cansado, os músculos ardiam a cabeça latejava, sentia as mãos dormentes…a cadeira iria ser a melhor coisa deste dia.

Deixei-me estar, lembrei-me do Estrangeiro de Camus, da frase de abertura do livro, adaptei-a a mim: Hoje vou casar, ou talvez amanhã…não importa. Sei que dou uma gargalhada crua, porque o barulho da igreja acalma.

Abro um olho para ver o Miguel de braços cruzados à minha frente. Barbeado, cabelo apanhado e apresentável. Abro o outro olho.

- Fico contente por teres tomado banho! – Pisquei-lhe o olho, levanto-me.

Ele dá-me um abraço, bate-me nas costas e olha para mim avaliando-me.

- Então vais ser um homem sério? Estás bem?

Sei que lhe dou um sorriso triste.

- Tanto quanto possível, nada que dois whiskeys logo pela manhã e um daqueles comprimidos para ansiedade não melhorem.

- Gio…

- Então pombinhos? – Oiço a voz de Gaby atrás de mim.

Miguel abriu o seu sorriso.

- Olá! Estás linda! Já vi o teu marido e a tua menina, está enorme!

Gaby encaixou o seu braço no meu. Esfregou o meu ombro.

- Eles crescem e fazem cabelos brancos. – Suspirou. – A Cesca está meia hora atrasada.

Bufei.

- Meia hora? Fodasse! Nem para a merda do casamento… - Travei a minha língua a tempo. – Eu vou apanhar ar.

Desembaracei-me da Gaby, deixei o Miguel para trás e caminhei novamente para a rua sem perder tempo a olhar e avaliar as suas expressões. Mesmo de muletas pisei o chão pesado, não me preocupei em ser o mais silencioso possível, não me preocupei em ser discreto. Cada fila de bancos que eu passava cabeças voltavam-se na minha direcção. Senti passos atrás de mim apressados.

Respirei quando saí à rua, quando comecei a sentir o ar puro. Não me tinha dado conta do ar da igreja pesado, escuro e triste. O cheiro de flores a morrerem aos poucos, que a cada segundo se mantinham ali no lugar esteticamente escolhido, murchavam mais um pouco, desapareciam mais um pouco. O seu cheiro e o cheiro das velas engasgavam-me, assim como o perfume de todas as pessoas, perfumes diferentes, odores baratos. O ar da rua apesar dos carros era mais puro, mais livre.

Quando te deixei, amor (disponível até 03/05)Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin