Epílogo

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   Zachary Dominic Thompsom


Não tive muitas quedas na vida, mas mesmo uma fez-me entender que a dor que um dia nos consumiu por um tempo, que parecia interminável, nos ensinava algo. Porque não importava o quão intenso fosse essa queda, havia sempre um fragmento que se desprendia para contribuir com a nossa evolução.

E uma das minhas sinas era acreditar que o tempo era um alfaiate especializado em reparos, uma vez que a minha própria existência serviu basicamente para reparar os poucos, todavia complexos rasgos do meu passado.

Tinha chegado em casa após uma viagem de negócios excessivamente cansativa. Sentia minhas pernas tão pesadas que parecia que a força de resistência do ar tinha acentuado consideravelmente, de tão difícil que era andar sem me cansar com pouca frequência.

A casa estava escura quando entrei. A minha mulher não estava nela a uma hora dessa e imediatamente estranhei, no entanto não dei muita importância à isso, pois não a avisei que chegaria hoje.

Assim que a casa iluminou-se, o meu próximo passo foi deitar no sofá para descansar o meu corpo. Pensei que a encontraria aqui para massagear meus pés como sempre fazia quando chegava de viagem, porém não era o caso.

A casa estava assustadoramente silenciosa. Era pesaroso quando meus pensamentos divagavam para a minha filha, que já não encontrava-se mais nesta casa atualmente. De vez em quando, a mesma ligava-me e contava-me como fora o seu dia. Sentia saudades da minha pequena, pois faziam alguns meses que não a via. Era impossível refletir sobre ela e o meu cérebro não transferir lembranças aos meus pensamentos das quais sequer almejava ter há tempos. Por mais que anos tivessem se passado, as cenas infames daquele dia surgiam no meu cérebro como se fossem raios; dissipavam-se no instante ao qual germinavam-se. Afinal, não tinha como esquecer de algo que marcou a sua vida de alguma forma.

Tinha vergonha de mim mesmo por ainda fantasiar um futuro que não pertencia-me há muito. Vez ou outra criava possibilidades falsas com as quais sabia, a qualquer custo, que era perda de tempo. Eu a amava. Amava a minha mulher e a forma como ela aceitou uma vida ao meu lado, sem nenhuma relutância, ainda que tivesse obstáculos, cujo alvo era certamente eu. Apesar de tudo que tivesse acontecido naquele tempo, fora ela que praticamente salvou-me do infortúnio que seria a minha vida hoje em dia.

Todavia não poderia dizer que, depois de demasiados anos, um sentimento perdido ainda vivia dentro de mim, esperando o momento certo para eclodir novamente. Não podia porque se o fizesse certamente essa possibilidade viraria realidade e isso eu não podia permitir.

Era um homem definido sentimental e economicamente, e qualquer dúvida prejudicaria completamente a minha vida atual.

Decidi tomar um banho quente na banheira e após passar-se alguns longos e aleatórios minutos, fui para a cama. O banho despertou-me, então peguei um livro, acendi o abajur e comecei a ler com meu óculos de leitura. Quando estava quase pegando no sono, a campanhia tocou uma única vez. Imaginei que fosse minha mulher, porém, se ela estivesse com a chave da casa não tocaria a campainha. Novamente, tocaram-na mais uma vez.

Franzi o cenho e deixei o livro sobre a cama para vefiricar quem seria. Antes disso, fui até a janela para ver se encontrava alguém ou algum carro estacionado na rua, mas não havia nada.

Era notadamente incomum. Porém, ainda assim, desci os degraus da escada com passos lentos e desapressados. Estava um pouco sonolento, uma vez que o sono batera na minha porta há alguns meros segundos.

Quando percebi que ainda utilizava o óculos — antes de abrir a porta tirei-o e o repousei na estante da sala. Esfreguei minhas pálpebras e bocejei.

Abri a porta e, ao invés de encontrar qualquer outra pessoa, encontrei apenas uma garrafa de vinho no centro do tapete escrito "bem-vindo".

Involuntariamente franzi o cenho e estreitei os olhos, começando a ficar desconfiado. Olhei para os dois lados da varanda e após constatar que não havia mais ninguém além de mim e a garrafa, peguei-a, revelando um pequeno cartão verde-musgo que estava escondida debaixo da garrafa.

Abri o cartão e não havia nada mais além que:

"Está na hora de reparar os assuntos pendentes do seu passado."

Tive que ler a frase três vezes para entender à quê aquilo referia-se. E quando finalmente entendi a referência, meu coração descompassou brevemente.

Não era possível — pensei.

Desci os poucos degraus da pequena escada da varanda procurando, mais uma vez, por algo ou alguém que estivesse relacionado ao que estava pensando.

Não podia ser possível. Não agora, não depois de tanto tempo — pensei.

Fui para o meu lado esquerdo do pequeno jardim que minha mulher cultivava e, de longe, vi algo que momentaneamente me assustou. Alguém — que vestia uma calça moletom preta — estava jogada perto de um arbusto, provavelmente desmaiada.

Assim que avancei os passos que faltavam, encontrei a pessoa mais inesperada por mim. Todos esses anos afastados, todos esses anos temendo um possível reencontro.

Meus batimentos cardíacos acentuaram-se gradativamente enquanto abaixava-me e inclinava-me para virar seu corpo e verificar se, de fato, era a pessoa que achava que era. Minha respiração ficou pesada. Não sabia mais o que era respirar e, se ainda sabia, provavelmente não havia mais oxigênio na atmosfera. Minhas mãos começaram a tremer e a suarem frio insanamente. O pavor do meu segredo ser descoberto consumiu-me irremediavelmente..

— Hayden... — sussurrei, olhando para o seu rosto desmaido.

Aproximei-me do seu rosto e distingui o cheiro de bebida alcoólica emanando do seu corpo como se fosse a sua aura desde que nascera.

A minha primeira queda transformou-se em duas em um único instante.

Primavera Sem Rumo (Livro 1) - CompletoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora