Capítulo 7 - Elizabeth Campbell

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Casa dos Campbells: 17/03/2015 - Segunda-feira, 6:01 a.m.


Há alguns meses, a neve chegou. Lembrava exatamente de quando seus primeiros flocos tocaram os gramados das casas vizinhas, recobrindo árvores e carros estacionados nas garagens. Não parecia que, pouco tempo após o início da estação, haveria uma vastidão alva para todo canto que olhássemos, impedindo que restasse alguma outra cor, senão o branco.

Sem dúvida alguma, o nevado uniforme vai dar adeus à bela paisagem de Liverpool, por conta da chuva incessante que caía sob minha cabeça. No entanto, não foi isso o que interrompeu minha tranquila manhã de sono. Sempre tive medo de relâmpagos e trovões, que hoje serviram como meu aterrorizante despertador.

Enrolei-me nas cobertas e tentei, sem sucesso, abafar os estrondos com o travesseiro, para espantar o pavor que sentia a cada trovoada. No entanto, eles não foram o subterfúgio que buscara para que pudesse voltar a dormir, por isso desisti. Mantive-me o mais distante da janela do quarto, observando pela discreta abertura entre as cortinas as luzes que surgiam no céu e refletiam no que sobejara de neve.

Algo atípico acontecera dessa vez, além das tempestades de neve que cobriram nosso bairro inteiro e a chuva inesperada de hoje. Esperava que isso não fosse um mau sinal de que coisas ruins pudessem acontecer ao longo do próximo ano.

Longos minutos angustiantes passaram. Apesar de sentir que a chuva nunca mais iria embora, fui surpreendida quando ela se foi, deixando rastros da sua presença apenas com gotículas silenciosas e os ventos do norte, que faziam um ruído incômodo pela abertura da janela. Sendo assim, ponderei brevemente sobre voltar a dormir e ignorar o barulho, entretanto haviam tarefas a serem cumpridas e não mais poderia postergá-las.

Felizmente, a primavera iniciará no final do mês e estava contando os últimos dias para que isso acontecesse logo. Embora apreciasse todas as estações do ano, esta era para mim, a favorita uma vez que me sentia mais confortável nela. As melhores coisas aconteciam justamente naquela estação, como o sol que surgia com muito mais frequência no céu acinzentado, garantindo o desabrochar das flores adormecidas pela estação anterior. As árvores eclodiam folhas vívidas, concedendo uma sombra aprazível para quem buscava seu esconderijo natural e fresco. Inclusive, era um dos melhores lugares para se ler um livro, uma vez que poderia apreciar também os artistas de rua, em sua grande maioria músicos, que faziam suas apresentações em praças e parques, reunindo assim uma multidão ao seu redor.

Essas singelas coisas faziam com que me sentisse mais viva, por poder contemplá-las do lado de fora de uma casa de chá ou uma "tea house", como chamamos aqui, enquanto me servia com um bolo de laranja e uma xícara de chá com leite. Sentia falta do sol, principalmente nessa época do ano. Agora, no inverno, as coisas se complicavam ainda mais por não haver quase nenhum vestígio de flores, do ar ameno e das pessoas reunidas nos gramados. Se alguém tivesse o poder de fazer esta estação ser pulada, eu agradeceria.

Levantei da cama, encontrando uma brisa gelada que me fez tremer. A vontade de voltar para meu esconderijo foi grande, todavia não era e nem será a última vez que o frio fará parte do dia, uma vez que o clima presente, nesta estação, chegava a trinta e três Fahrenheit, equivalendo a um grau Celsius.

Espantei a preguiça, para arrumar mecanicamente minha cama, enquanto guiava-me pela fresta de luz que perpassava entre os tecidos finos e claros. Não foi difícil terminar esta tarefa em minutos, por estar habituada a fazê-lo todos os dias da minha vida. Afinal de contas, era eu quem arrumava toda a casa, inclusive o quarto vazio dos meus irmãos. Como mamãe precisava trabalhar para nos sustentar, contratar uma empregada não caberia em nosso orçamento. Nosso pai nos deixou há vários anos e, assim ela assumiu a casa e nossas despesas, que não eram poucas. Por este motivo, responsabilizei-me, sem questionar, pelas tarefas domésticas.

Primavera Sem Rumo (Livro 1) - CompletoWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu