Capítulo 40

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Malu tentava se lembrar de si mesma. Sabia que havia afundado em um buraco negro de vergonha, horror e mortificação, mas na realidade só o que vinha à sua mente eram os últimos dias da Singe. O vazio absoluto dos seus olhos. O que era depressão e aceitação se distinguia porque, no primeiro caso, Malu aceitava seus erros e se conformava com o tratamento; Singe aceitava que esse mundo não era para ela.

E George? O que passava na cabeça do George?

-Me tira daqui, vó – Ele dizia, sentado na cadeira. Era praticamente só isso que falava. Ele estava tão triste e abatido. Malu poderia dar o mundo para ele, menos o que ele queria.

-Eu não posso, meu amor. Você vai sair quando estiver bom, e aí eu vou fazer meu bolo de coco pra comemorar – Ela forçou um sorriso encorajador.

-Me tira daqui. Fala com o meu pai. Pede para ele me tirar daqui.

Se ele soubesse que seu pai quase o havia tirado da clínica e Malu não tinha deixado. Era muito difícil resistir aos apelos de um filho, principalmente quando ele deixava de parecer possuído por sete demônios e virava somente uma criança infeliz.

Quando chegou de Montevidéu e soube que George estava internado, experimentou toda sorte de sentimentos. O alívio de saber que ele estava sendo cuidado em uma das melhores clínicas de Londres entrava em conflito com a Singe, sempre a Singe. Mas, no caso dela, repetia para si mesma que haviam demorado demais a agir. Com George, eles tomaram logo uma providência. Ele ia ficar bem.

Pelo menos, foi o que Eddie falou. Seu marido insanamente otimista, como ela mesma dizia.

-Você não quer me levar para conhecer a clínica, George? – Ela falou, sorrindo como uma maníaca. – Parece ser bem bonita.

E era. Possuía jardins lindíssimos e, naquele dia, em que fazia um sol fraco de transição entre a primavera e o verão, seria uma delícia passear por eles. Era o que a maioria dos pacientes fazia com suas famílias. Já George e a Malu estavam sentados no refeitório, um de frente para o outro, desconfortáveis em suas cadeiras dobráveis.

Ele nem se mexeu.

-Olha quem está aqui! – Malu ergueu os olhos e exclamou, aliviada por não ter, sozinha, a missão impossível de levantar o astral do neto. – Seu avô chegou, George.

-Ei – Tom se aproximou dos dois e deu uns tapinhas nas costas do neto. – Eu trouxe frutas. Segundo a Angie, resolve tudo.

-Que delícia, George! – Malu falou, empolgada demais, como se ele tivesse cinco anos.

Tom olhou para ele e perguntou para Malu, apontando com a cabeça:

-O que tá pegando?

Malu tinha um monte e nenhuma forma de responder àquela pergunta, por isso ficou muda. Tom pegou uma cadeira e a puxou para ficar perto de George.

-Cara, fica assim não. Passa. Tudo na vida passa. Eu fumava e era um vício foda também. Mas consegui parar. Era horrível no início? Era. Hoje em dia ainda é ruim pra caralho. Mas um dia após o outro, não é isso que dizem?

-Isso, George. Um dia de cada vez.

-Vô, me tira daqui.

Tom olhou para a Malu, e dava para ver seu coração partido.

-O que a gente pode prometer – Malu disse – É vir te visitar sempre e tornar a sua estadia tão legal que você não vai sentir o tempo passar. Vou ver com o médico se posso trazer seu violão, que tal?

Mas George mal se mexeu.

Vinte minutos mais tarde, Tom e Malu saíam da clínica sentindo que haviam levado uma surra com vara.

Quando a Vida Acontece - Vol. 4Onde as histórias ganham vida. Descobre agora