Capítulo 17

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Mais uma manhã naquele apartamento pequeno. Na maioria das vezes, Sabine sentia-se inteiramente sufocada. Acreditassem no que quisessem, ela sabia que aquela não era a casa dela e nem se sentia como se fosse. Sentia-se como uma estranha indesejada. Gostava de Oyekunle, mas não de saber que ele não podia dormir assistindo à televisão no sofá porque ela estava acampada lá. Detestava se sentir devendo favor, quando estava acostumada ao contrário. E a Doida da Floresta era um capítulo à parte. Nunca acreditou, nem por um minuto, no seu problema de encanamento. Sabine era pós-graduada em malandragem e achava que Oyekunle ou era muito ingênuo, ou queria a Doida por perto e fingia levar a mentira a sério.

Se fosse o primeiro caso, a sua vida seria bem mais fácil. Se fosse o segundo, estava lascada.

Sabine aproveitou que, aparentemente, só ela estava de pé e fez seu ritual de beleza com bastante calma, levando o tempo que qualquer ser humano com o mínimo de civilidade precisava. Colocou uma minissaia, uma blusa e uma jaqueta para não fazer nada ou ir a lugar algum e foi à cozinha tomar um iogurte com morangos, seu café da manhã. Oyekunle parecia ter esquecido a oferta de sair com ela para procurar apartamentos na hora do almoço. Ou isso ou a Doida o andava levando na rédea curta. Mais uma vez, seria ótimo se fosse o primeiro caso; péssimo se fosse o segundo.

Levou sua tigela de iogurte e morangos para a sala e sentou-se no sofá, pensativa: "Qui est-tu, Oyê Kunlê?"*, ela murmurou para si mesma. Será que ele era tão simples quanto parecia? Um cara bom, divertido, sem muitas ambições...? Ela detestava caras bons, divertidos e sem ambição. Eram a sua nêmese.

-Hum... Bom dia – A Doida abriu a porta do quarto e passou para o banheiro.

Errado. Aquela é que era a sua nêmese.

A porta do quarto ficou aberta e Sabine espiou porque nunca tinha nada para fazer naquele apartamento. Viu que a cama estava desarrumada e que não havia mais ninguém nela. Oyekunle havia saído antes mesmo que Sabine acordasse, o que era inédito. Ficou com vontade de perguntar para a Doida, mas não queria parecer interessada demais.

A Doida saiu do banheiro algum tempo depois, provavelmente após fazer sua própria rotina de beleza, e foi até a cozinha também. Pegou uma tigela de cereais com leite de amêndoa e sentou-se ao lado de Sabine.

-Tenho um tempinho. A gente precisa se cuidar, né?

-Tempinho para quê, Cassí? – Sabine enterrou o tédio debaixo de várias camadas de falsa simpatia e sorriu.

-Para sair de casa. O Oyekunle me ligou pedindo para levar os remédios dele. Você imagina que ele teve que sair quase de madrugada para cobrir uma ação de um artista maluco qualquer, e acabou levando mais tempo do que ele esperava, então ele teve que me ligar para levar os remédios. E você sabe, ele não pode deixar de tomar.

-É? Remédios para quê? – Sabine perguntou, pensando se ele seria novo demais para ter pressão alta, ou que seria uma pena se ele tivesse diabetes.

-Você não sabe? – A Doida virou-se para ela, colocando uma perna dobrada sobre o sofá. Sabine olhou com antipatia. Afinal, aquela mulher não precisava se espalhar na sua cama temporária. Entretanto, estava curiosa e não disse nada. Só fez que não com a cabeça. A Doida falou: - Pensei que ele tivesse te contado. É uma coisa importante para se contar. Tudo bem que você não se enquadra nas formas de contágio, mas...

-O que ele tem, Cassí? – Sabine perguntou, pensando "Não pode ser".

-Ele tem AIDS.

Sabine sentiu-se sugada para o inferno.

-Comment?!

-Ele não te contou? – A Doida fez cara de espanto. – Bom, não me admira, existe todo um estigma, né? E ele tinha que me contar, até porque é um sacerdócio, Sabine. Tomar conta dos remédios, lembrá-lo de ir ao médico, cuidar mesmo. Não é qualquer uma que dá conta. Hoje, por exemplo. Se ele fosse uma pessoa mais atenta, teria levado os remédios com ele, como precaução, sabe? Não levou, deu nisso. Ainda bem que eu estou aqui.

Quando a Vida Acontece - Vol. 4Onde as histórias ganham vida. Descobre agora