Capítulo 20

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Sabine ficou olhando furtivamente para o outro lado da rua, tal qual uma ladra, mas preferia perder um dedo a encontrar a Doida. Aliás, o encanamento dela já devia ter ficado pronto há pelo menos uma semana, isso se algum dia ele tivesse estado mesmo quebrado. Talvez até ela tivesse voltado para casa e Sabine estivesse fazendo papel de idiota, espiando atrás da árvore.

Até que a Doida saiu pela portaria, com um casaco comprido verde, saião e botas. Sua existência era um crime contra a moda. E contra pessoas como Sabine.

Assim que a Doida desapareceu no fim da rua, Sabine atravessou e usou a sua chave para abrir o portão. Lá em cima, tocaria a campainha para se anunciar, e foi o que fez. Oyekunle atendeu a porta, surpreso.

-Oi.

-Oi, eu vim devolver a chave. Esqueci naquele dia que você me ajudou com a mudança – Ela deu um amplo sorriso branco.

-Obrigado, mas... – Ele sorriu também, confuso. – Eu podia esperar até amanhã.

Foi a vez da Sabine não entender nada.

-O jantar, lembra? De despedida? Eu e Cassie vamos te levar a um restaurante?

-Oui, oui! Mas não custava nada – E então ela sorriu um pouquinho menos: - É muito silencioso lá. Queria ver gente. Se você não se importar.

-Não me importo, entra – Ele deu espaço para ela passar.

E era mesmo, terrivelmente silencioso depois de meses dividindo o apartamento com Oyekunle, ainda que ele passasse a maior parte do tempo atrás da porta fechada do seu quarto, trabalhando. Mas, desde que havia se mudado, Sabine sentia uma falta de algo impreciso, um vazio e uma solidão imensos.

-Trouxe um vin – Ela estendeu a garrafa de vinho para ele. – É dos bons, trouxe de Paris. Estava na minha bagagem esse tempo todo.

-O que mais você escondeu de mim esse tempo que passou aqui? – Ele sorriu, indo pegar o saca-rolha.

-Você pode beber? Ainda está trabalhando?

-Acho que já deu por hoje – Ele sumiu na cozinha e, pouco depois, voltou para a sala com a garrafa aberta e duas taças.

-Confessa que eu faço falta – Sabine brincou.

-Você faz falta. Sua comida faz falta.

Ela deu um gritinho que a fez parecer ter treze anos de idade.

-Que interesseiro, Oyê Kunlê!

Ouvi-la chamá-lo assim também fazia falta, mas ele não iria confessar.

Os dois tocaram uma taça na outra, brindando, e deram um gole. Era um vinho tinto de corpo leve que desceu maravilhosamente bem.

-Só tenho amendoim – Oyekunle falou, depois do primeiro gole. Sabine olhou para ele, confusa, e ele explicou: - Para comer. Só tenho amendoim. Quer?

-Oui.

Ele foi até a cozinha e voltou com uma tigela cheia do já anunciado amendoim. Os dois se sentaram no sofá, a comida entre eles.

-A gente se deu bem, não foi, Oyê Kunlê?

-Foi – Ele respondeu, pasmo por ser verdade. Ela havia invadido seu apartamento, passado meses demais no seu sofá, atrapalhado vários encontros com a Cassie e, ainda assim, eles se deram bem. Sabine havia ido embora porque quis assim, não por vontade dele. Ele havia parado de lutar para se ver livre da francesa e nem se lembrava exatamente do porquê.

-Você foi muito generoso comigo, e isso eu não vou esquecer.

-Ei, isso é um papo de despedida – Ele riu, um pouco desconfortável. – Parece que você está partindo pra sempre. Ou eu.

Quando a Vida Acontece - Vol. 4Onde as histórias ganham vida. Descobre agora