[Cronologicamente entre o fim da S03 e o início da S04]
[Midoriya]
Todoroki entrou no seu quarto no terceiro andar com a tigela de pipoca nas mãos e eu o segui segurando a jarra de suco e dois copos.
- Que plot twist hein? - ele comentou com um sorriso irônico sobre a cena que vimos envolvendo Kacchan e Kirishima.
Concordei e fechei a porta. Reparei em todos os detalhes do quarto dele, o estilo japonês e samurai do aposento. Aquele tipo de arquitetura e decoração detalhista e sofisticada era bem a cara do meu companheiro bicolor. No chão havia um tatami, provavelmente era onde ele dormia, e sobre ele estava sua mochila.
Ele colocou a pipoca em cima da pequena mesinha do lado da parede do quarto.
- Pode ficar à vontade. - ele disse se agachando e pegando a mochila, retirando o notebook de dentro dela - Só o tempo de eu ligar aqui.
Eu coloquei a jarra de suco no chão e os copos, em seguida sentei-me no tatami. A imagem de Kirishima e Kacchan se beijando ainda estava na minha cabeça. Não só aquela, mas a imagem de Yaoyorozu e Jiro se abraçando e Uraraka e Asui tão unidas na frente de todas as outras garotas.
Aquilo estava me deixando mexido, não sabia ao certo porque. Fiquei olhando para o chão pensando naquilo, imaginando quais seriam as reações de meus amigos se eu comentasse com eles sobre a minha verdadeira relação com Todoroki. Eu ainda não me sentia à vontade pra falar abertamente sobre minha sexualidade com minha mãe, mas talvez com Uraraka ou Iilda, eram meus melhores amigos. Mas não podia fazer aquilo sem que Todoroki concordasse, se o fizesse talvez ele não confiasse mais em mim.
- Pronto, vamos começar - ele disse sentando-se ao meu lado e pondo a tigela do lado do tatami.
Enquanto eu estava perdido em meus pensamentos, ele tinha ligado o notebook e aberto o arquivo de vídeo do filme, mas eu não estava mais tão empolgado em assistir, e acho que isso estava nítido em meu rosto.
- Algum problema? - ele me perguntou.
- Hã? N-não, não, nenhum.
- Tem certeza? Você parece sério.
- N-não, não, eu estou bem. - me escorei na parede - V-vamos assistir.
Ele me encarou e parou a reprodução do vídeo no notebook e voltou sua atenção para mim.
- Eu te conheço Midoriya, já sabe que não adianta tentar mentir pra mim. Fala, o que você tem?
- Não é nada Todoroki-kun, já falei.
- Você tava bem há poucos minutos. - ele ficou sério - Por acaso foi por que viu o Bakugo beijando o Kirishima?
- Quê? N-não, não é o q-que você t-tá pensando...
- Quando você gagueja assim é porque tá nervoso. É isso que eu disse né?
Engoli em seco.
- É, isso também...
- Eu sabia! - ele jogou os braços pra cima - Olha Midoriya Izuku, por que não fala a verdade pra mim de uma vez e...
- Todoroki-kun, quantas vezes tenho que repetir que não sinto nada pelo Kacchan?
- Então por que você tá com essa cara?
Eu desviei o olhar por um instante. Deslizei a língua pelo meu lábio. Aquilo era pra ser um momento descontraído nosso, e eu tava tornando um dilema emocional à toa, mas senti que não podia evitar e adiar aquele assunto envolvendo nós dois.
- Não só aquilo - eu disse - é que, eu também vi algumas das nossas amigas... Yaoyorozu e Jiro, Uraraka e Asui, bem juntas.
- Tá, e qual o problema?
- O problema Todoroki-kun, é que... eu fiquei pensando como seria se... se contássemos a alguém sobre a gente. Se não precisássemos ficar escondendo a nossa atual relação.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso.
- N-não me entenda mal, - me apressei em dizer - mas é que eu me sinto desconfortável tendo que manter tudo entre a gente em segredo o tempo todo. Até agora quando vamos só assistir um filme juntos, a gente teve que mentir.
- Sabe por que disso, não é? - ele respondeu sério - Sabe que nem todo mundo hoje em dia vê isso de dois garotos juntos como algo normal?!
- Eu sei, m-mas... mas qual o problema de contar pelo menos pra uma pessoa? Alguém de confiança?!
- Midoriya...
- Tipo a Uraraka - eu o interrompi - ela é minha melhor amiga, tenho certeza que poderíamos confiar nela. Mas não, você prefere manter tudo isso em segredo.
- Que eu me lembre isso foi um combinado nosso.
- Ainda assim, eu não me sinto bem desse jeito! Isso que a gente tá vivendo... e-essa experiência de gostar de alguém pela primeira vez, isso... é algo único! Eu queria comentar sobre isso com alguém.
Ele ficou sério. Desviou o olhar por alguns segundos e olhou para as próprias mãos. Eu reconhecia que quando fazia aquela expressão, era porque eu tinha tocado em um assunto delicado. Ele permaneceu em silêncio por alguns instantes, observei bem seu rosto.
- Acredite, eu queria que isso fosse mais simples - ele disse.
- E por que não pode ser?
- Você sabe porque Midoriya! - ele ergueu o rosto e me encarou - Porque nesse mundo bizarro, as pessoas inexplicavelmente acham natural que humanos tenham super poderes, mas ainda não veem como naturalidade que pessoas do mesmo sexo se beijem.
- Todoroki-kun, isso é passado... hoje o mundo mudou...
- Não Midoriya, não mudou! Não é porque hoje as tecnologias avançaram que a mente de algumas pessoas avançou. Você por acaso já pesquisou um pouco sobre homofobia no Google? Algumas notícias ou reportagens de crimes envolvendo isso?
- Bem, na verdade não...
- Pesquise! Vai ver o quanto de comentários e atitudes sujas e violentas existem. Ainda têm muitos idiotas por aí presos a pensamentos antigos, preconceituosos e conservadores, pessoas que veriam o que há entre a gente como... como algo imundo.
Ergui as sobrancelhas.
- V-você... você acha isso? - perguntei espantado - Q-que somos imundos?
- Claro que não! - ele pôs as mãos no meu rosto - Lógico que não, mas... mas eu só acho que eu não me sinto pronto pra... pra ter que lidar com comentários idiotas a respeito disso, a respeito do que eu sou. Menos ainda, quero ver você triste por pessoas que veriam mal o que há entre a gente.
Ergui as sobrancelhas. Ele preferia manter nossa relação em segredo pelo meu bem, era mesmo isso?
- Não me leve a mal Todoroki, mas... m-mas não acho que nossos amigos nos tratariam mal se soubessem. O único que eu imaginei que faria isso seria o Kacchan, mas depois do que vimos agora pouco... - sorri com sarcasmo.
Ele permaneceu sério. Retirou suas mãos do meu rosto e olhou para outro lado.
- Também acho isso, mas não ponho a mão no fogo por ninguém.
Me segurei pra não rir na hora, aquilo soou como um trocadilho.
- Até porque - ele continuou - acho que você se sente mais seguro pra falar porque você ao menos seria apoiado pela sua família. Já eu...
Ele não terminou a frase. Eu me espantei e entendi o que ele quis dizer, estava se referindo a Endeavor. A principal preocupação de Todoroki quanto ao fato de que as pessoas não o aceitassem quanto sua opção sexual, era por medo de que nem o próprio pai o apoiasse.
- Você tem medo que seu pai te rejeite quando souber? - perguntei.
Ele ficou em silêncio e passou a língua pelos lábios.
- Conhecendo ele como o conheço... não que eu me importe com a opinião dele, mas... mas sendo alguém com vida pública como nós vamos ser, acho que é preciso ter discernimento pra aturar certos comentários.
- Então é por isso que prefere manter segredo?
- Eu preferia que fosse algo só entre nós. Se chegasse um dia, quem sabe pudéssemos falar pra alguém, mas agora... bem, se nem dentro da minha própria casa eu acho que encontraria apoio, por que se sentir seguro de encontrar lá fora? Mesmo sendo um super herói e filho de uma celebridade.
Vi pelo tom de voz dele que ele estava abatido. Agora que sabia eu não podia culpá-lo. Conhecendo minha mãe, não duvido que ela seguisse me amando do mesmo jeito se soubesse, mas a julgar pelo pouco que conheci Endeavor, acho que realmente ele não encarasse numa boa o fato do filho ser homossexual, talvez piorasse ainda mais a relação entre eles. Não só ele, mas talvez boa parte do público que nós iríamos conhecer.
- Eu já me perguntei várias vezes o porque de eu ser assim - ele disse - porque simplesmente não gosto de uma garota como os garotos "considerados normais"?! Mas não sei, não encontro explicação lógica.
- Eu acho que esse tipo de coisa não pode ser explicada. Gostar de alguém, meio que... é algo que SIMPLESMENTE ACONTECE!
- Eu sei. E eu queria que pudéssemos ter mais liberdade, mas... mas não me sinto seguro. - ele me encarou - Acredite Midoriya, você ainda é meio ingênuo. Não sabe como algumas pessoas às vezes podem ser cruéis.
Passei meu braço pelos ombros dele e lhe dei um beijo na bochecha.
- Tudo bem, eu te entendo. - eu disse em seu ouvido - Não se preocupe que enquanto você não se sentir seguro, podemos continuar do jeito que estamos.
- Tem certeza que quer mesmo ter uma relação com alguém que não tem coragem de te assumir publicamente? - ele perguntou abatido sem olhar pra mim.
- Bem, dizem que o que ninguém sabe, ninguém estraga. E independente de alguém saber ou não, não importa. O que importa mesmo, é que eu só quero estar com você.
Ele olhou pra mim e sorriu. Sorri de volta. Ele se acomodou, escorando-se na parede e abriu um pouco as pernas, em seguida deu uns tapinhas no tatami em frente a ele.
- Senta aqui.
Eu obedeci, sentando-me em sua frente de costas pra ele. O bicolor me envolveu com seus braços me abraçando por trás, e eu deitei minhas costas em seu peito, repousando minha cabeça no ombro dele. Ele acariciou meus cabelos, dando leves beijos em meu rosto. Em um momento, levou sua mão até meu queixo, virando o meu rosto para o seu, dando um beijo em minha boca. Nos beijamos por alguns instantes, e após afastarmos nossos lábios, ambos estávamos sorrindo.
- Eu já disse que você é a coisa mais fofa que eu já vi na vida? - ele perguntou.
- E eu já disse que você é a melhor coisa que já me aconteceu? - disse recostando a cabeça no ombro dele - Depois de ter conhecido o All Might, claro.
Ele riu me apertando no abraço.
- Então, podemos assistir agora?
- Claro!
Como eu estava na frente, me estiquei um pouco para alcançar o teclado do notebook e dei play, logo em seguida me recostando no peito de Todoroki que envolveu seus braços pelo meu corpo. Sua mão direita entrelaçou os dedos na minha, e com a esquerda ele pegou a tigela de pipoca e deixou em cima do colchão para irmos comendo.
Pra minha surpresa, o filme escolhido por ele foi um romance chamado "Kimi no na wa", ou simplesmente "Your Name", que contava a história de um menino e uma menina que não se conheciam e viviam em cidades diferentes, e certo dia acordavam um no corpo do outro. Foi um filme tenso e em alguns pontos confuso, mas ainda assim gostei bastante da experiência. Um filme de romance não era bem o que eu esperava vindo dele, de fato Todoroki era um homem de gostos peculiares.
Assistimos o filme todo de mãos dadas e volta e meia ele dava beijos em meu rosto e me fazia carícias, e eu diria que aquele momento foram as melhores duas horas da minha vida até aquele dia. Me senti mais tranquilo e aquela conversa serviu pra eu entender melhor Todoroki, e quanto mais eu conhecia seu lado sensível, sentia me apaixonando por ele cada vez mais.
* Ps. Desculpem se o capítulo tiver ficado muito longo, mas quis criar um diálogo mais emotivo. Obrigado a todos que estão acompanhando a fic, bjs!*