A Pretensão dos Cavaleiros

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O humilde Vilarejo Erban do Reino de Asmabel passou pela mais produtiva das primaveras e a adolescente Eurene... Více

| APRESENTAÇÃO |
- Mais Um Belo Dia em Asmabel -
- Tal Mãe Tal Filha -
- O Confeiteiro Enfermo e Seus Desejos -
- O Debate dos Confeiteiros -
- Pães, Bolos e Tortas -
- As Rivalidades dos Nobres -
- A Coroa e o Cajado -
- O Respeitado Rei de Vordia -
- O Conto do Primeiro Cavaleiro -
- O Massacre do Vilarejo -
- Um Confortável Moinho -
- O Filho Esquisito e o Filho Estúpido -
- Um Trabalho Muito Honesto -
- Os Quatro Cavaleiros Irmãos -
- Hora de Uma Nova História -
| COMENTÁRIOS |
- A Incontestável Crença Alial -
- Uma Proposta Tentadora -
- As Crianças Sem Rumo -
- O Mendigo Caridoso -
- A Trapaça dos Competidores -
- Um Norsel, Um Trenó e Um Punhal -
- A Fabulosa Cidade de Asmabel -
- O Chefe da Ordem dos Ejions -
- Uma Fagulha de Esperança -
- Desavenças na Estalagem -
- Solidariedade e Consequências -
- O Cavalo e o Bispo -
- As Melhores Intenções -
- A Casa da Justiça -
- A Grandiosa Cidade de Vordia -
- A Oportunidade Perfeita -
| COMENTÁRIOS |
- Florescer de Sentimentos -
- O Bondoso Rei de Asmabel -
- A Princesa dos Cervos -
- O Próximo Plano -
- A Fúria do Príncipe -
- A Revolta dos Alunos -
- O Intenso Fogo Branco -
- O Jardim das Rosas Brancas -
- Um Menino Frustrado -
- A Ponte da Marcha -
- Muitas Roupas Para a Festa -
- Um Banquete Deslumbrante -
- Presentes da Primavera -
- A Princesa e o Plebeu -
- O Príncipe e a Donzela -
- A Rainha e o Cavaleiro -
- Uma Péssima Manhã -
- A Aprendiz e o Mestre -
- O Verdadeiro Poder -
- O Primeiro e Segundo Teste -
- O Terceiro e Quarto Teste -
- Um Treinamento Intensivo -
- A Arena de Brolom -
- Os Guerreiros e o Monstro -
| COMENTÁRIOS |
- Um Último Juramento -
- A Honra da Espada -
- A Sagrada Árvore Alial -
- O Quinto Teste -
- Um Comandante Imprestável -
- As Exigências do Rei -
- Uma Batalha Feroz -
- Derrotas, Vitórias e Mais Derrotas -
- Um Pai, Dois Filhos e a Madrasta -
- Um Ressentimento Profundo -
- As Baixas da Batalha -
- O Duvidoso Destino do Reino -
- Juramento de Lealdade -
- O Filho Indeciso e o Filho Inútil -
- Um Beijo de Despedida -
- A Partida da Cidade de Asmabel -
- O Recomeço dos Ejions -
- Os Andors Selecionados -
- O Jantar Real -
- Uma Coroação Ilegítima -
| AGRADECIMENTOS |

- Harmonia Mágica e Natural -

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A viagem desta vez estava sendo muito menos dolorosa. Eurene e Devin atravessavam as pradarias de Asmabel acompanhados pelo eufórico andor Idarcio e seu fiel amigo Filo, tais presenças os traziam certo conforto e segurança, coisas que eles não possuíam dias atrás.

Os quatro viajantes seguiam lado a lado em suas montarias, Idarcio raras vezes deixava o conforto da sela de seu cavalo para seguir a pé, ao contrário dos jovens irmãos que revezavam as vezes que caminhavam e que cavalgavam. Logo após a saída do Vilarejo Cimonell, Idarcio deixou claro, de uma forma bastante gentil, que se os três estariam dispostos a lhe seguir, deveriam obedecer as suas ordenanças e escolhas.

Quando o andor os despertava momentos antes do amanhecer, Devin e Eurene lavavam seus rostos em qualquer fonte de água limpa disponível e ambos seguiam viagem. No fim da manhã, quando seus estômagos já clamavam por alimento, Idarcio os conduzia a qualquer sombra com espaço para os três e para os cavalos. Desfrutavam de pedaços de pães e frutas que Devin recolhia no meio do caminho, os pedaços de carne seca geralmente eram guardados para a última refeição. Por um lado, água era o elemento mais abundante que possuíam pois poucas vezes se afastavam da afluente do Rio Florin. Seguiam pelas pradarias verdes e atravessavam campos de plantações e pastos para gado. Decerto havia proprietários de origem nobre naquelas redondezas próximas à cidade do reino. Embora poucas vezes eles se deparavam com viajantes que cruzavam seu caminho, Idarcio os aconselhou a evitarem trocar palavras com estranhos que lhe dirigissem perguntas pois possivelmente poderiam se tratar de saqueadores ou, no melhor dos casos, ladrões.

Este era o fim do terceiro dia que viajavam juntos, experiência considerada agradável e de certo modo divertida, principalmente para Devin. O céu adquiria uma coloração rosada indicando a partida do sol e os ventos frios pertencentes à noite já cruzavam o território.

Idarcio os conduziu até uma área repleta por árvores cujas copas lhe garantiriam uma formidável cobertura. Tudo o que viam ao redor era uma imensidão de troncos, o que os ocultaria em meio a escuridão. O andor amarrou os cavalos em árvores próximas à eles a fim de que qualquer movimento dos animais pudesse ser captado por seus ouvidos. O local em que estavam era coberto por uma pastagem úmida agregado a folhas secas e gravetos. Eurene esforçou-se para empurrar um tronco cilíndrico para que ela pudesse escorar suas costas. Devin analisou as redondezas para garantir que não haveria nenhuma importunação por parte de animais peçonhentos escondidos nas folhas e galhos no chão.

Quando a completa escuridão se apoderou do lugar, os três sentaram-se juntos próximo à um carvalho. Idarcio escorou suas costas no tronco da árvore e deixou seu bastão de lado. Filo vasculhou o chão ao seu redor para procurar alguma coisa comestível para se alimentar mas não obteve sucesso. Eurene e seu irmão sentaram-se um ao lado do outro no toco deitado, ambos visivelmente cansados e doloridos.

— Ahhh... como é bom espichar as pernas após incessantes horas de caminhada. Não que eu já não esteja acostumado com isso, mas descansar nunca é demais, não é mesmo? — Os irmãos ficaram quietos por alguns segundos com os olhos no homem em sua frente. — O que foi?

— Está muito escuro aqui.

— Oh, que mente distraída a minha, nem havia percebido.

Idarcio uniu as palmas das mãos e em um piscar de olhos uma luz branca surgiu entre elas. Ao afastá-las lentamente, uma esfera brilhante apareceu, ele ergueu as mãos e esta flutuou até parar a dois metros do chão iluminando uma considerável área ao redor.

— Como é que você faz isso?! — indagou Devin maravilhado embora já tivesse visto o andor realizar tal truque nas noites anteriores.

— Você já me perguntou isso duas vezes desde que estamos viajando juntos, meu caro Devin. — Ele suspirou e esboçou um sorriso. — Mas eu não repreendo sua curiosidade. Imagino a fascinação que uma criança sonhadora como você deve ter em ver tal truque que as pessoas normais não podem fazer.

— Criança? Eu não sou nenhuma criança!

— Oh, queira me desculpar, ó Devin, o Destemido! — Ele fez uma leve reverência para o menino.

— Pessoas normais — iniciou Eurene. — Meus pais me disseram uma vez que cada pessoa é única, e por isso cada um de nós é especial.

— Seus pais não deixam de ter sua razão, moça.

— Eurene — ela o corrigiu com uma feição séria.

— Veja, Eurene, cada ser vivo dotado de consciência e personalidade é único entre tantos outros, mas, sem querer ofendê-los de forma alguma, você há de concordar que há uma diferença discrepante entre um andor como eu e pessoas normais como vocês.

— Sim, eu tenho o juízo perfeito e não falo além do que preciso.

— Mmm... espero que isso não tenha sido uma crítica a minha pessoa. — Ele semicerrou os olhos fingindo analisá-la.

— Talvez tenha sido mesmo.

— Sim, vejo que você possui opiniões severas sobre as pessoas que conhece mas evita revelá-las diretamente.

— Como sabe disso? Leu os meus pensamentos?

— Não precisei, isso é explícito no seu comportamento, minha cara. Até o Filo aqui já tinha comentado isso comigo dias atrás quando te conheceu.

— Você pode saber o que as pessoas pensam?! — Devin mostrou-se mais uma vez surpreso e admirado.

— Sua admiração por minhas habilidades me deixa muito contente, meu caro Devin. Mas não é bem assim que funciona. Explicando de uma forma simples, eu posso vizualizar o que uma pessoa pensa perto de mim fortemente, mas não ler seus pensamentos ou me comunicar mentalmente com ela. Isso requer avançados estudos de Habilidades Mágicas.

— Quer dizer que você estudou para ser um andor? — Eurene mostrou-se grandemente interessada no assunto.

— Todos os andors precisam estudar para se tornarem andors.

— Mas isso não faz sentido. Se já são andors por que estudarão para virarem o que já são?

— Veja, pelo conhecimento que me foi transmitido, um andor já nasce com suas particularidades únicas que o diferem das demais pessoas normais. Como... emanar luz das mãos, como eu fiz agora há pouco. Claro que cada caso é um caso, mas o fato é que todos precisam estudar e desenvolver suas habilidades mágicas e mentais.

— No vilarejo que eu morava tinha um andor conselheiro, ele também tinha um bastão preto igual o seu. Mas você não é um andor conselheiro.

— Não, não sou.

— Por que?

— Sua curiosidade as vezes se mostra introsca, sabia disso? Mas eu vou lhe responder assim mesmo. Quando eu fui para o Templo de Nerendor estudar para me tornar um andor conselheiro, percebi que meus ideais não eram... semelhantes com os que eram pregados no templo. Por causa disso eu não me tornei apto para aconselhar nobres e interrompi meus estudos. E agora estou aqui, vivendo minha vida ao lado do meu melhor amigo peludo de quatro patas.

Filo aproximou-se de seu dono em busca de carinho.

— Entendi. Olha, eu sei que eu faço perguntas demais, mas eu só quero ter minhas dúvidas esclarecidas. Quase tudo o que eu sei sobre o mundo vem do que eu li em cinco livros infantis que meus pais liam para o Devin.

— Eles não eram infantis! Eram livros de histórias que aconteceram de verdade!

— Como aquele monstro chamado valonfin que nem o livro contava como ele era?

— Não se engane, moça. Valonfins são reais e com certeza você não gostaria de ver um em sua frente. Acredite em minhas palavras.

— Eurene. Me chamo Eurene.

— Pois bem, Eurene, me chamo Idarcio e gostaria de também lhe fazer algumas simples perguntas.

— O que você quer saber sobre mim? Não tem nada de interessante que eu possa te contar.

— Pergunta para mim! — pediu Devin alegremente.

— Muito bem, meu caro Devin! Aí vai a primeira pergunta. De onde vocês vieram e o que faziam antes de viajarem sozinhos pelas pradarias de Asmabel? — O menino aquietou sua animação, calou-se e recuou o olhar. — Ora, vamos, até hoje nenhum dos dois revelaram nada sobre sua origem. Eu vos contei sobre meu passado, nada mais justo do que vocês também me contarem.

— Nós... morávamos em um vilarejo humilde com poucos moradores. Não era um lugar muito grande já que cada um sabia o nome de todo mundo. — disse Eurene.

— Interessante. Caso não tenha percebido, minha cara, você acabou de descrever basicamente a vida de todos os vilarejos desse reino. Por acaso há alguma coisa que a impede de revelar sua origem, Eurene?

— Não, claro que não. Han... cada um tinha a sua profissão e eu e Devin ajudávamos nossos pais na padaria deles. Eles eram confeiteiros.

— Que excelente ofício! Eu adoro doces e pães. O Filo mais do que eu talvez. Mas por que disse que eles "eram" confeiteiros? Por acaso não são mais?

— Eles... estão mortos.

— Oh, que coisa... — Ele moveu os olhos buscando a palavra certa. — Horrível.

— É. Foi horrível mesmo.

— A pior noite de suas vidas aquela, não foi?

De forma súbita Eurene saiu de suas profundas lembranças.

— Como... você sabe como aconteceu?

— Sua mente está tomada por essas lembranças ruins. É muito nítido para mim vê-las.

— Eu acho que você saber das coisas por ver a minha mente é muito menos doloroso para mim do que ter que contá-las.

— Então acho que minha habilidade foi útil desta vez.

— É... me poupou de mais tristeza, eu acho.

— Ora, não há mais motivos para tristeza, minha cara Eurene! Vocês estão indo para um novo lugar, um lugar com novas possibilidades onde conhecerão pessoas novas e aprenderão coisas novas! Sabe de uma coisa? Perder os pais não significa o fim de tudo. Pelo contrário, pode abrir portas para novas experiências!

— Você fala como se perder meus pais fosse uma coisa boa.

— Não, não. Não é isso que eu quero dizer. Mas diga-me, vocês trabalhavam auxiliando seus pais numa padaria, correto? Se tudo isso não tivesse acontecido, estariam aqui agora? Eu creio que não. Afinal por que uma moça e um menino deixariam sua simples vida em um vilarejo para buscar novas aventuras?

— Existem possibilidades e motivos menos horríveis como o que aconteceu com a gente.

— Sim! É isso que eu quero que vejam. Talvez haja uma... razão que teria feito com que isso acontecesse, um motivo que os teria tirado de sua antiga vida para algo que está por vir. Ah, eu não sei. As possibilidades são infinitas. Eu por exemplo, deixei a companhia de meus pais porque acreditava que algo maior me aguardava. E na verdade, ainda acredito.

— E onde estão seus pais agora?

A pergunta de Devin lhe causou um visível incômodo.

— Ah, eles... eles estão em algum lugar por aí vivendo suas vidas. Já faz muito tempo que eu me afastei deles, com certeza não se lembram mais de mim. De qualquer forma, eu gostaria que vocês não pensassem no que aconteceu somente como algo terrível e que vos traga luto. Quero que pensem como a abertura de uma porta para coisas novas.

— Minha irmã sempre quis deixar o vilarejo para saber o que tinha longe dele. — comentou Devin.

— Ah, é?

— Sim, é verdade, mas agora até me arrependo de ter desejado isso. Olha aonde isso me trouxe.

— Te trouxe para uma viagem ao lado de seu divertido irmão, acompanhado de um espontâneo andor com grande experiência de sobrevivência, e a adorável companhia de um flito extremamente esperto. Como você poderia ter se dado melhor?!

— Realmente... eu não poderia ter me dado melhor. — O sarcasmo em sua voz estava evidente, mas ela deixou-se dar umas leves risadas.

Assim o diálogo se prolongou pelas horas seguidas. A conversa com Idarcio várias vezes se alternava entre momentos de reflexão e de risadas. Não demorou para que Devin reclamasse por sua barriga vazia e os quatro começaram a comer. Comeram os pedaços finais de carne seca e beberam a última gota de seus cantis. Em seguida encerraram a conversa para enfim irem dormir, tendo em vista que Idarcio os acordaria muito cedo para seguirem. Os dois amigos enrolaram-se na capa que o andor também utilizava como cobertor, enquanto que Eurene e Devin dormiram sentados escorados no tronco. Porém, como em todas as noites, ambos se abraçariam em busca de calor contra o frio que a noite trazia.

Na manhã seguinte eles avançaram com rapidez sobre as pradarias. Assim como Idarcio prevera, a livre correnteza do Rio Florin encerrou-se quando eles avistaram o final do grandioso vale entre os morros e montes. O que estava diante deles à quilômetros de distância eram árvores cujas copas reluziam um brilho amarelo, cor que despertou grande interesse em Devin, interesse que foi repreendido por Idarcio afirmando se tratar de um truque da perigosa Floresta Amarela. A direção que tomaram para se afastarem do último vale levou o quarto dia de viagem. Tiveram que passar a noite a céu aberto vendo que a região era desprovida de árvores e desta vez Idarcio revezou suas horas de sono com Filo para garantirem a vigia da noite.

O quinto e último dia chegou, o andor os acordou e mostrou-se estar animado para seguirem em frente. Eurene e Devin dormiram sobre o solo camposo e reclamaram de terem dor nas costas. Os resquícios dos primeiros raios solares surgiam no horizonte e dispersavam a escuridão estrelada que abria espaço para um novo dia.

Eurene esticou seus músculos várias vezes, lavou seu rosto na água de um cantil e foi ao encontro de Idarcio.

— Quanto tempo falta para chegarmos lá?

— Oh! Que susto! Não se chega por trás das pessoas sem anunciar sua presença, moça! Isso é... isso é... totalmente deselegante.

Apesar do susto, o andor lembrou-se de sua seminudez e evitou virar-se para trás. Ele havia se afastado dos dois para poder urinar no alto de uma rocha encrustada no solo, escolheu tal lugar por estar diante de uma belíssima vista do nascer do sol. Idarcio, de costas para ela, rapidamente encerrou sua atividade e subiu as calças novamente.

— Esse é o lugar que você escolheu como banheiro? As pessoas do meu vilarejo sempre exigiam privacidade para fazer as necessidades.

— Também sou um asmabeliano caso ainda não tenha percebido, minha cara. E respondendo sua pergunta, em minha vida de andarilho, eu gosto de lugares com uma bela vista para fazer minhas necessidades.

— Nunca pensei que fazer xixi no alto de um morro seria bom.

— Não foi somente pela briza da altura que escolhi este lugar em especial, há algo espetacular diante dos meus olhos neste momento.

Eurene mostrou-se confusa.

— O que quer dizer?

— Suba até aqui, se estiver disposta, e deixe seus olhos serem consumidos por uma maravilha que vai surpreendê-la.

Por um momento a garota desconfiou da fala do andor. Ela julgaria o convite normal se não fosse por ele ainda estar ajeitando as calças. Mas decidiu por quebrar sua curiosidade e subiu a rocha de superfície lisa e fria. Quando chegou no topo e ao lado de Idarcio, viu o que foi capaz de lhe fazer arregalar os olhos por tamanha surpresa.

Voando nos céus do horizonte, havia uma criatura colossal que despertava a fascinação de quem a visse mesmo a quilômetros de distância. O animal era gigante, de proporções impossíveis de serem medidas a olho nu. Seu corpo aerodinâmico não possuía asas e se movia lentamente como a beleza de uma baleia através das águas. Possuía um corpo extenso e imensamente pesado sendo formado de uma pele espessa cinzenta com algumas partes de um cinza mais claro. Suas quatro patas curtas eram semelhantes às de hipopótamos e permaneciam dobradas para trás enquanto inutilizadas por conta da altura. Sua cabeça era meio quadrada e pequena em comparação à largura de seu corpo, duas fendas redondas permitiam sua respiração e dois miúdos olhos negros lhe davam a visão.

Apesar da excentricidade da criatura, o que despertou o fascínio de Eurene não foi sua gigante proporção mas sim o que era liberado pelo animal, nuvem. Na parte superior de seu corpo comprido, uma listra de nuvem alva saía de uma fenda para as alturas até misturar-se com o resto das tantas outras nuvens que compunham o céu da manhã.

— O que... é aquilo?

Idarcio sorriu alegremente ao ver a expressão atônita da menina ao seu lado.

— Maravilhoso, não é? Aquele é o berionte, a maior criatura existente nesta terra.

— Aquilo... faz as nuvens? É aquilo que faz as nuvens?!

— Ah, pode acreditar, é aquilo que faz as nuvens! Quando eu ouvi falar de sua existência pela primeira vez eu também fiquei muito incrédulo, mas quando o vi voando nos céus, soube que Aradus não é um lugar comum, Eurene. A magia faz parte deste continente como uma força da natureza, uma força da vida. Alguns seres a possuem em sua essência e alguns não. Mas o que faz desta terra ser especial, é que ambos dependem um do outro para existir.

— Como assim? Espera, o que é um continente?

— Você está parecendo o pequeno Devin com sua insaciável curiosidade, sabia? — Ele a dirigiu um sorriso. — Após séculos de estudos, Eurene, andors e exploradores não seguidores da Crença Alial descobriram que Aradus é uma terra cercada por um mar sem fim. Ou seja, nesse exato momento estamos em uma terra no meio de um imenso oceano.

— Nossa... nunca pensei que nossa terra tivesse um fim, sendo cercada por águas. Quando eu via os campos do meu vilarejo, pensava que a única água que existia eram os rios e riachos.

— Considero essa uma mentalidade comum para uma jovem que passou sua vida inteira em um humilde vilarejo. Foi isso mesmo, não foi?

— Sim, passei minha vida em um vilarejo. Não digo que foi ruim de jeito nenhum, mas sempre tive a vontade de saber o que existe além, de como o mundo funciona.

— Viu só, esse é um dos benefícios de ser um mendigo! Digo, um andarilho, he he. Sou presenteado com uma vista dessas, um dos maiores espetáculos da natureza.

— É lindo sim.

— Bom, sei que ainda está fascinada pelo berionte mas já estamos há muitos minutos apreciando essa vista. Vamos pegar a estrada? Nossa viagem está chegando ao fim. Ah, você me perguntou quanto tempo falta para chegarmos lá, não foi? Ficará contente em saber que este é o último dia de nossa agradável viagem, Eurene. Deve estar ansiosa para enfim chegar lá e se ver livre da necessidade de minha companhia, não?

— Não é porque quero me livrar de você, Idarcio, estou ansiosa para chegar lá porque não aguento mais andar a cavalo e dormir debaixo de árvores.

— Ah, eu sei disso, estou apenas brincando com você. Você acabou de descrever a minha vida. Andar a cavalo e dormir embaixo de árvores é o que eu faço todos os dias desde que me tornei um...

— Andarilho?

— Sim, um andarilho. Talvez um mendigo também, chame como preferir.

— Na verdade, viajar ao lado de um andarilho e um flito foi mais divertido do que eu pensei que seria quando eu te conheci.

— Oh, é mesmo?! Não fale isso perto do Filo senão ele nunca mais vai parar de te pedir carinho.

Eurene permitiu-se rir com todo o prazer que isso lhe trouxe.

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