Quando os primeiros raios de sol atravessaram a janela e bateram diretamente no meu rosto, eu desejei que o hoje não existisse, e que o amanhã fosse exterminado da face da terra. Acordar. Por que isso tinha que existir mesmo? Não me responda.
Suspirei profundamente, e me sentei na cama, olhando para a janela, pensando nas imensas coisas que eu tinha que fazer hoje. Das coisas que eu tinha que manter longe da minha cabeça hoje. E também, de mais um problema que eu ainda não havia resolvido. Onde estava o Theo e por que ele não retornava as benditas ligações? Eu realmente estava preocupada.
Me levantei, amarrando meu cabelo em um rabo de cavalo improvisado, apenas para que escovasse os dentes e fizesse toda a minha higiene. Eu podia ouvir Clary e Tyler rindo na cozinha da incrível inabilidade dele fazer um simples café. Acho que essa estava se tornando a minha normalidade, afinal de contas.
Caminho pelo corredor me arrastando o máximo que podia, com o par de chinelos nos pés fazendo um barulho insuportável, mas quem disse que eu ligava. Assim que entrei na cozinha, vi que ela estava uma bagunça, e os dois me olharam no mesmo instante.
— Bom dia. — Arqueei a sobrancelha, e me sentei a mesa, vendo Clarissa me servir panquecas e café, e me entregando uma bolsa de sangue. — Você pode ir sozinha a escola hoje? — Questionei a morena, e ela trocou um olhar com Tyler, pensando no que responder.
— Na verdade, não. — Ela responde, me dirigindo o olhar agora, e paro de comer, a observando atenta. Qual era o problema?
— Você sabe dirigir, tem tudo que precisa. Se precisar, Mason leva você. Qual é o empecilho? — Voltei a tomar a bolsa de sangue, enquanto comia as panquecas.
— Eu sei, mas o Tyler quer ir pra escola também, e você é a única que pode resolver isso pra ele. — Ela sorri de uma maneira fofa, e eu suspiro, terminando a bolsa de sangue e olhando para o garoto.
Minha expressão era de claro: Por que diabos você quer ir pra escola? E acho que ele entendeu isso muito bem, pois logo começou a se explicar.
— Olha, eu também estou no último ano, achei que fosse legal estudar com a Clary, conviver com pessoas, assim fica mais fácil de se controlar. Você mesma disse isso, no seu grande manual de "Como ser um vampiro".
Meus olhos se reviram, e eu apenas tomo todo o café de uma vez, me levantando da cadeira, e deixando o plástico vazio na lixeira.
— Você já ligou o celular? — Eles concordam, e Clarissa apenas aponta para o dela, mostrando que estava tudo em ordem. — Certo, me de seu celular, Tyler.
Ele pega o celular e me alcança, então salvo meu número, do Scott e do Mason, em caso de emergências, que, possivelmente, teriam, como sempre. Clarissa já tinha todo esse funcional, desde que começou a frequentar a Beacon High.
— Quero vocês prontos em quinze minutos.
Eles sorriem um para o outro e terminam o café. Ao que eles saem, preparo um copo de sangue pro lesado do Tyler e deixo na bancada. Seria bom ter para o dia, enquanto ele ainda se acostuma com tudo.
Vou em direção ao meu quarto, e troco de roupa, colocando os coturnos para sair em seguida, e cumprir com a minha grande obrigação de alfa que leva os betas ao colégio. Palhaçada esses dois.
— Prontos? — Pergunto aos dois, depois que os vejo na sala. — Clary empresta uma caneta pro Tyler, pela cara dele não acho que vá usar mais do que isso.
Tyler tenta argumentar, mas sua boca se fecha, e Clarissa segura a risada, pegando a mochila e seguindo para a saída junto a mim, e em seguida, o híbrido vem conosco.
Pego a chave da casa, do carro, entrando já na garagem e tirando o carro. Vamos a caminho da escola e quando chegamos, apenas desço do carro com a pior cara possível. Meu mau humor era inegável.
— Seu rosto diz que alguém atirou uma faca na sua cara e agora você veio matar essa pessoa. — Tyler comenta ao meu lado esquerdo, e Clary segura a risada em meu outro lado.
Meus olhos se direcionam para o garoto, e sorrio sarcástica, deixando um peteleco em sua cabeça em seguida, tornando a olhar para frente.
— Obrigada pela consulta particular de psicólogo Tyler, eu adorei. — Ele ri e vejo Clary caminhar em direção a sala dela, enquanto apenas vou pra direção matricular o lesado.
Após a matrícula feita, saio com ele da sala da diretoria e pegamos alguns livros, o horário e o número do armário dele. Guardamos os livros e entrego o copo com sangue pra ele.
— Comece assim, é pra durar o dia todo, me ouviu? — Ele concorda, e segura o copo com cuidado. — Se acontecer alguma coisa estranha, me liga na mesma hora. — Tyler concorda, e se despede, entrando na sala, e logo posso ouvir a professora o apresentar para o resto da turma.
Viro as costas pra saída da escola, mas meu celular apita e vejo uma mensagem pra encontar Lydia na sala da senhora Martin, a qual saí faz uns vinte minutos. Suspiro e viro meia volta, andando até lá.
Entro e vejo Lydia sentada em uma cadeira.
— Oi. O que você precisa? Estou meio ocupada por hoje. — Ela suspira, e se levanta vindo até mim, e me abraçando apertado. Okay, não estava esperando por isso. — Ah . . . Tudo bem.
— O seu irmão está morto. Tamora Monroe o matou. Eu sinto muito, Jô. — Ela diz, se afastando de mim, e olhando em meus olhos diretamente.
— Eu descobri isso ontem, obrigada.
Sorrio fraco, e me afasto da mesma, seguindo até a cadeira atrás da mesa para me sentar, gostaria de entender o porque estava ali, para começar.
— Por que me chamou aqui? — Pergunto, secando as lágrimas sutilmente.
— Tamora Monroe é a nova caçadora de Beacon Hills, e também, conselheira estudantil nas horas vagas.
Reviro os olhos. Aquilo só poderia ser brincadeira. Será que dava pra piorar o meu dia? Ah não, espera, não vamos desejar muito porque isso realmente pode acontecer.
— E isso só melhora. E o que vamos fazer? Matar ela? Eu posso conseguir isso fácil, fácil. — Respondo e sorrio diabólica.
— Uma cúpula de paz. Ela vai vir conversar comigo. Senta ali. — Ela aponta pra cadeira da mãe dela e eu apenas concordo, me sentando.
Alguns segundos depois vejo uma mulher de cabelos pretos e cacheados parar na porta e nos olhar. Seus olhos eram escuros e eu conseguia ver que o brilho havia os abandonado a um tempo, seu pescoço possuía marcas de garras e pareciam recentes. Eu conhecia muito bem aquelas marcas, eu tinha algumas iguais no pescoço. Foi o Halwyn.
— Queria me ver? — Monroe fala, mas fica paralisada na porta. — Acho que estou no lugar errado, achei que a senhora Martin queria me ver.
Ela diz, e seu braço indica a placa na porta, e faz menção de voltar para trás, como quem iria embora dali.
— É aqui mesmo. — Lydia a responde, com um sorriso no rosto. — E é senhorita. — Ela se aproxima da porta, e assim que Monroe entra, ela a fecha, e eu apenas observo as ações da ruiva.
A mulher se senta a frente da banshee, e começa a analisar, seu olhar também se seguindo para mim, e ela com certeza gostaria muito de saber quem eu era.
— Eu sei o que você é, Lydia. — Ela diz, se aproximando lentamente da ruiva, e eu fico a postos, caso ela perca a noção e faça algo. — Eu sei o que os seus amigos são.
— Já que você está tão bem informada, eu sugiro que cale a boca e escute o que ela tem a dizer pra você. — Retruco, e ela torna a se encostar na cadeira.
— E você? Quem é você? — Ela questiona, e consigo ver seu coração acelerar em curiosidade.
— O seu pior pesadelo, e antes que pergunte, eu sou uma tríbrida de quinhentos e dezessete anos, e que está com muita, muita, vontade de arrancar o seu coração e comer. — Sorrio em deboche, e cruzo as pernas.
Consigo escutar seu coração bater acelerado no peito, em puro medo e desespero. Apesar daquele som ser ótimo, seria ainda melhor ver ela enterrada em uma vala na floresta.
— O que vocês querem conversar comigo? — A orientadora questiona, engolindo a seco, e prestando atenção na ruiva agora.
— Coexistência. — Lydia diz, e depois de me encarar, ela torna a sorrir para a mulher a sua frente. — Pessoas como você e pessoas como nós.
— Ai que está o problema, porque pessoas como eu não são pessoas como você. — O sorriso cínico está de volta ao rosto dela, e eu iria socar a cara dela se me desse a oportunidade.
— É aí que a coexistência falha. — Lydia diz, e eu suspiro, aquilo era uma perda de tempo, vamos ser honestos. — Podemos evitar tudo isso, se colaborarmos.
— O que querem de verdade? — Ela questiona, e seu olhar se segue de Lydia para mim.
— Uma cúpula de paz. — Digo e a olho minimamente, observando cada detalhe dela, o modo como se sentava, como seu corpo se portava, e em como suas mãos estavam grudadas aos braços da cadeira.
— Falamos com o Gerard, mas ele disse não. — Lydia complementa a minha fala, e eu me forço a lembrar quem era Gerard, até descobrir em minha própria mente que ele era o pai de Argent e um maluco psicopata. Eu deveria imaginar que ele estaria envolvido nisso.
— Então já tem a sua resposta. — Monroe retruca a ruiva e eu me anojo a cada segundo. Essa mulher poderia ser mais insuportável?
— É por isso que eu estou pedindo pra você convencer ele. Podemos parar tudo isso, antes que mais alguém se machuque. — Lydia fala, segurando o braço da mulher com força.
— E se eu não quiser? — Monroe diz, e consigo ver seu olhar se direcionar para o braço da banshee que a segurava com uma força enorme.
Senti uma raiva enorme, e todo o ódio do dia começou a se canalizar naquele momento. O fato do meu irmão estar morto, Theo desaparecido, e agora, alguém que quer matar, não só a mim, mas todos os meus amigos. Pude sentir minhas presas lutarem para sair a mostra, mas as impedi, porém pude ver no reflexo da porta, meus olhos vermelhos vivos.
— Eu corto a sua garganta. — Respondo por Lydia, e as duas me olham rapidamente. — Não se compara a você ter matado o meu irmão, mas não tem problema. Eu ainda pego você. — Expresso toda a minha raiva naquela fala, e me levanto. — Esse papo de paz me anoja, tenham um bom dia. E Monroe, se eu fosse você, tomava cuidado com os seus próximos passos, porque pode não ser hoje, nem amanhã, mas um dia eu vou te achar, e eu vou te torturar até a morte, e eu garanto, vai ser doloroso.
Abro a porta da sala, e aceno calma para Lydia, em seguida, deixando que a porta se fechasse atrás de mim, e eu fecho os olhos, suspirando fundo, voltando ao meu normal humano.
Vejo Liam sair do vestiário masculino e trocamos um olhar. Eu apenas aceno e continuo andando pra saída. Eu ainda estou chateada por ele ter me atacado sem motivo nenhum e mais chateada por ter escondido que o Halwyn estava morto.
Tudo bem que eu escondi coisas dele também, mas isso não justifica a morte do meu irmão. Ah qual é, por que eu estava irritada com ele mesmo?
Sinto meu braço ser puxado e imediatamente eu me viro, mas sou puxada pra uma sala vazia, e levanto a mão pra atacar a pessoa, mas percebo que é Liam.
— O que pensa que está fazendo? E se eu machucasse você? — Pergunto e me solto dele rapidamente, cruzando os braços na altura do peito.
— Desculpa, eu te chamei e você não respondeu. — Ele se explica, e se afasta um pouco de mim.
— Eu estou ouvindo agora. Você precisa de alguma coisa? Ou aconteceu alguma coisa? — Pergunto, trocando o peso de uma perna para outra calmamente.
— Que me desculpe. Eu não devia ter atacado você naquela noite e eu sei que está chateada pelo seu irmão, e desculpe esconder que ele tinha morrido. Você perdeu ele de vista porque me ajudou, então, me desculpe. — Liam fala rápido demais, e se eu não fosse eu, não teria entendido absolutamente nada.
Me sento em uma das classes e coloco as mãos nas minhas coxas e sorrio fraco. Eu queria dizer que estava brava com ele ainda, que não iria o desculpar. Mas, a verdade é que eu só queria ele bem. Queria ele feliz. Eu podia sentir isso dentro de mim.
— Sem problemas. Eu estou bem. Já me curei. Águas passadas, etc e tal. — Respondo, e sorrio, tentando descontrair aquele momento tenso demais.
— Eu sei, mas eu não queria ter machucado você. — Ele parece mais aflito do que antes, e eu já não sabia mais o que fazer. Meu peito estava apertado, e eu podia sentir uma linha invisível nos conectando naquele momento.
— Liam, tudo bem. Eu estou ótima, como você pode ver. E cada dia mais viva. — Aquela última parte era uma grande mentira, já que cada dia mais, eu sentia que iria viver menos, e nem sabia quanto.
Ele sorri, e se senta na classe ao meu lado. Viro meu rosto para ele, e meus olhos se encontram com os seus. Não sei como, e nem porque, mas consegui sentir. O elo. Um elo por uma maldição, bem ali. Um coração pulsante com uma maldição nele. E agora Liam estava ligado a mim por conta disso. Não precisava buscar isso em um livro, buscar um feitiço pra entender, eu sentia que estava ali, e ponto final.
Suspiro baixinho, e desvio meu olhar do dele brevemente, olhando para o quadro a nossa frente, com uma letra terrível, mas então, decido que aquele seria um bom momento para por algumas coisas para fora. Eu sentia segurança vindo dele.
— Eu sou uma alfa. Uma alfa de um bando agora. — Falo e ele me olha sorrindo, aquilo era uma novidade para ele. — Clary faz parte dele, eu tive uns problemas com a família dela recentemente e eu matei a tia dela, Camille e mais uns homens pra tirar a gente de lá, mas antes disso ela tirou meu sangue e acabaram injetando em um garoto que era lobo, quebraram o pescoço dele e agora ele é um híbrido. O nome dele é Tyler, ele vai fazer algumas matérias com você. Qualquer coisa, pode chamar ele e a Clary. Eu não sei porque os dois querem tanto estudar, mas, só cuida deles pra mim? Por favor. — Explico rapidamente o básico do que havia acontecido nos últimos dias, e me mantenho atenta a seu rosto.
— Pode deixar, Mason e eu vamos ficar de olho neles aqui para você. Fico feliz que você esteja seguindo em frente, Jô. — Ele me responde, e sorri em minha direção.
Uma longa batida. Essa foi a resposta de meu coração as palavras de Liam. Ele estava feliz. Então, eu estava feliz. Aquilo me acalmava, e toda a raiva que eu sentia mais cedo, já não estava mais ali. Nem mesmo o mau humor horrível que eu tinha.
Me despeço dele rapidamente, e deixo que ele vá para a aula de biologia, então sigo de volta para casa, tentando descansar um pouco a minha cabeça, mas não pude deixar de, novamente, me preocupar com todos os meus problemas, e o principal dele. Onde estava Theo Raeken?