Eis-me aqui de novo! EEHEHEEHHEHEHEHEH
Eijiro respirava pesadamente, completamente paralisado. Queria correr, se afastar daquele desconhecido, mas não conseguia sequer se mover, submisso à vontade de um desconhecido por ser apenas um ômega.
Seu corpo no entanto reagira amedrontado frente a violência que estava para acontecer, as lágrimas acumulando e descendo pelas bochechas enquanto os lábios trêmulos deixavam chiados quase inaudíveis escaparem.
Se fosse um ômega marcado aquilo não aconteceria. O outro alfa não tentaria tomá-lo à força pois o sinal da marca o afastaria, assim como o aroma do outro alfa. Mas ele não tinha uma marca, era apenas um ômega expectante e desempedido.
O homem se abaixou, o olhar carregado de desejo e expectativa como uma besta satisfeita em caçar, roçando os lábios nos seus ombros antes de ser arremessado para longe de si abruptamente.
No instante seguinte o alfa estava no chão, sendo brutalmente nocauteado por Katsuki que o esmurrava e chutava sem piedade alguma.
— Tira as mãos do meu ômega, filho duma puta! Ou eu vou arrancá-las e enfiar dedo por dedo no meio do seu cu!— continuou a socá-lo, exasperado e cheio de fúria.
De alguma maneira, o alfa conseguiu se levantar e debandar antes que Katsuki o assassinasse ali mesmo, escapando por pouco de uma morte agonizante.
— Não deveria sair sozinho, porra, olha o que aconteceu, quase foi estuprado e... — esbravejou, ralhando com Eijiro antes de parar subitamente, grunhindo de raiva e se contendo ao se aproximar. Sentou-se, puxando-o para o próprio colo — ... Me desculpe, Eiji, por tudo, eu não deveria estar gritando com você. — o aroma dele o acalmou — Venha, eu te levo para casa.
Eijiro poderia discutir ou tentar afastá-lo, mas não tinha forças para discutir. Queria apenas voltar para casa.
*****
Izuku havia se preparado para aquela aula ferrenhamente, dando tudo de si ao estudar as leis e montar o caso. Seria uma espécie de "tribunal improvisado", com a apuração de diversos casos fictícios para avaliar o nível de aprendizado de cada estudante. O professor quem escolhera as duplas, entregando a cada um uma cópia do dossiê do caso e orientando-os quanto ao seu papel. O caso que lhe caiu em mãos o deixou possesso e sensível por uns dias, pois mesmo sendo ficcional ele se embasava em tantos outros que de fato ocorreram. Uma jovem ômega de quinze anos havia sido raptada após um estupro e mantida refém até seu cio, quando seu agressor a tomou, marcou e engravidou, reivindicando-a para si. Por lei ela estava presa à ele por causa da marca e do filhote e não poderia se afastar do alfa ou impedi-lo de vê-lo pois a lei garante que o alfa possa manter seu ômega marcado aromatizado para que a gestação aconteça da maneira mais saudável possível.
Era nojento e injusto que a pobre garota nem ao menos pudesse se defender ou escolher levar a gestação a termo por estar marcada e Izuku sentiu-se mal por ela.
Quantos ômegas passavam por aquilo? Sendo atados e marcados a força, sem chance de defesa?
No final a justiça permitiu ao alfa levar a garota para sua casa, mesmo com os constantes apelos dela para que não o fizessem, pois ele era violento e a estuprava constantemente. A ômega foi obrigada a levar a gestação adiante e se submeter ao alfa até que a criança nascesse, somente então poderia ir embora, o que nunca ocorreu, pois ela não sobreviveu o suficiente para dar a luz.
A perícia concluiu que ela havia sido vítima de homicídio. Izuku seria o promotor do caso e deveria apresentar ao júri e ao juiz as provas aparentemente irrefutáveis de que a ômega havia sido submetida a tratamento desumano, ao passo que seu colega faria a defesa do alfa, alegando que ele agiu sob influência de sua natureza primordial e não era consciente de seus atos.
O início foi aparentemente moderado, com ambas as partes expondo suas alegações sem muita comoção, contudo era óbvio que seu colega, também alfa, estava começando a perder o decoro por conta do modo tranquilo e certeiro como Izuku apresentava cada argumento. Ele parecia muito centrado e preparado para tudo, tendo sempre uma resposta ou contra-resposta pronta para rebater ou refutar qualquer argumento. Não era preciso ser um especialista para perceber quem estava comandando todo o jogo.
— Por isso, meritíssimo, considerando todas as privações e constantes tentativas de libertação do cárcere privado ao qual foi submetida, fica mais do que claro que o alfa não agiu sob efeito de nenhuma outra influência que não fosse o próprio desejo. — colocou a pasta sobre a mesa, os olhos passeando pela bancada avaliadora e juri antes de se focar em seu colega de classe — Crime premeditado é o único que se encaixa ao contexto desse delito.
— Impressionante o modo como conduz o caso e tenta nos convencer, senhor Midoriya, contudo devo lembrar ao júri que a perícia avaliou como um homicídio, e é a esse fato que devemos nos ater, pois ele foi cometido quando o alfa já não mais estava em domínio de sua consciência.
— Então nos concentremos no homicídio, senhor Huaraka — não se deixou intimidar — O senhor alega que o acusado estava sob efeito de sua natureza, mas então eu levanto a questão: o que é necessário para ativar essa essência primitiva? O senhor é um alfa, sabe melhor do que eu como funciona para vocês, peço que me responda, por favor.
O olhar do alfa foi de pura incredulidade enquanto ele ensaiava um sorriso sem graça.
— É sério isso? — moveu as mãos teatralmente.
— Responda a pergunta do senhor Midoriya, por favor, senhor Huaraka? — o professor que fazia a vez de juiz solicitou com interesse.
— Ele me parece muito confiante de saber a resposta, porque eu deveria responder?
— Tudo bem, já que parece ser difícil para o senhor colaborar, eu mesmo o faço — prosseguiu, cutucando-o de propósito — Um alfa tende a perder o controle sobre seus pensamentos e se entregar ao lado animal nas seguintes situações: Há alguém o confrontando, ameaçando sua autoridade e espaço, representando um risco ao seu ômega marcado ou prole ou o incitando com feromônios agressivos. Agora eu pergunto: O que uma omêga, fêmea, aterrorizada, vítima de sequestro e estupro, com o psicológico atordoado e reinvindicada poderia fazer para suscitar esse tipo de instinto irracional e animalesco? — parou um momento, esperando que os demais absorvessem. Alguns múrmurios se elevaram enquanto cabeças se moviam em concordância — A resposta, meus caros colegas é: nada. Dadas as circunstâncias em que se encontrava era impossível a ômega ser capaz de provocar seu alfa a ponto de induzir tal estado mental. O máximo que ela pôde fazer foi implorar pela vida ou chorar em desespero sem conseguir verbalizar e isso deveria ativar outro lado de seu alfa, acordando seu senso protetivo. Por isso eu torno a repetir, o que houve foi minuciosamente premeditado. Provavelmente o alfa queria descartá-la como companheira e certo de que apenas a morte pode quebrar o vínculo, ele levou a cabo seu plano, alegando estar fora de controle para escapar da punição.
— Um lindo discurso — o colega bateu palmas de modo lento e zombeteiro — Mesmo assim não serve para encerrar o caso. Os exames solicitados após a chegada da polícia provou que havia um nível acentuado de hormônios no sangue do alfa, o que prova que ele estava fora de seu juízo quando tudo aconteceu.
— O que pode ter acontecido por uso exagerado de medicamentos ou qualquer outra droga de aceleração de calor.
— Vai alegar que ele quis induzir o hut dele e acabou perdendo o controle? — riu desacreditado — Isso não faz sentido.
— Faz quando você busca uma segunda análise do exame solicitado com amostras guardadas — ergueu uma nova pasta que colocou na mesa do colega para que ele apreciasse. O alfa abriu os olhos confuso e um tanto alarmado com aquela prova e o professor sorriu, admirado da postura de Izuku — Como pode ver os dados revelam que os hormônios encontrados no sangue eram de origem artificial e não natural.
— Tá, digamos que ele realmente quis acelerar seu hut e porventura tenha se descontrolado, ainda se classifica como um ataque feito sob seus instintos.
— Não se ele premeditou — mais uma cartada, e os olhos dos demais brilhavam em expectativa — Ele se automedicou e provocou o estado de inconsciência, senhor, o que classifica seu crime como homocídio doloso pois houve a intenção de matar.
Humilhado, o alfa se levantou arfando com a vergonha que estava sentindo de ser desmerecido por um simples ômega.
— O ômega pode muito bem ter sido o causador, ter trocado as medicações por puro sadismo. — acusou.
— Claro que sim, sem dúvida ela estava louca para causar a própria morte — Izuku ironizou — Você tem que admitir, colega, que não há muito o que defender.
— Ômegas como você sempre tentam nos fazer parecer monstros. — resmungou entredentes.
— Agindo e falando dessa forma preconceituosa você não faz nada além de corroborar a afirmação de Izuku — Shoto afirmou convicto, encarando o alfa que tentava em vão conter os rosnados descontentes.
— O que um ômega sabe sobre ser alfa? — apelou frustradamente
— O que um alfa sabe sobre ser ômega? — Izuku rebateu, mantendo a postura ao lidar com toda a situação sem deixar-se intimidar ou perder a compostura. Mantinha-se em um nível superior, dono do próprio controle, evitando que sua natureza primal viesse a tona como fazia o alfa com quem debatia — Todos somos comandados por instintos, todavia não lhes falta apoio da lei, que lhes concede privilégios e abona suas faltas enquanto nos submete à culpa. Libera vocês do compromisso de respeitar a individualidade do sujeito ômega e os perdoa quando perdem o controle de seus instintos. — seu olhar se afiou desafiadoramente — Isso, meu caro, é o mais puro e repulsivo tipo de injustiça e essa deveria ser a pauta mais discutida quando se fala em igualdade de gêneros.
O alfa tentava desesperadamente conquistar novamente um lugar de fala, rindo em deboche como se Izuku estivesse falando tolices.
— Nunca ouvi tanta estupidez na minha vida — desdenhou, o olhar superior e um tanto opressor — Toda essa ladainha me soa como simples tolice, incapacidade de argumentação. Existem provas fundamentadas de que a natureza alfa é, de fato, incontrolável. Como espera que condenemos um sujeito por agir como ele mesmo? Já vocês ômegas, sempre agem com o coração, são vulneráveis e facilmente manipuláveis, deveríamos levar em conta isso também?
— A sua estratégia de inviabilizar os meus argumentos através da chacota não é suficiente para me calar, senhor, estou mais do que acostumado a ter meus raciocínios desmerecidos por alfas que não possuem capacidade argumentativa para defender as próprias teses e tentam me transformar em chacota — aproximou-se perigosamente, a sobrancelha erguida e o olhar de quem sabe onde está pisando, seguro de si — Se não é capaz de debater sem me ofender ou tentar desmerecer pela minha natureza eu sugiro que abandone a carreira jurídica meu caro, pois a minha função é justamente mostrar ao mundo a fragilidade dos alfas que se dizem superiores, mas só sabem ganhar no grito.
O silêncio foi quebrado pelo som das palmas que se iniciaram calmas, aumentando o ritmo gradualmente e reverberando com o acréscimo de tantas outras. Logo toda a classe estava aplaudindo de pé a coragem de Izuku que ainda sustinha o mesmo olhar afetado, sem se deixar intimidar pelos rosnados do colega.
— Acostume-se, pois haverão mais ômegas como eu, senhor, e nenhum de nós vai recuar por medo. — acrescentou, colocando as mãos sobre a mesa enquanto o mirava — Não podem nos calar ou menosprezar por mais tempo.
*****
— Ora, deixe-me ser o felizardo a parabenizá-lo pelo belíssimo trabalho de antemão, senhor Izuku, sua postura foi impecável e de fato me surpreendeu — o professor o elogiou com um aperto de mão firme e Izuku teve que conter as lágrimas para não desabar tamanha alegria em ser reconhecido — Eu realmente espero que siga seus ideais e continue fazendo o máximo para colocar os alfas ditatoriais em seus lugares.
— Obrigado, senhor, eu realmente me esforço para mudar essa realidade, sonho com um mundo mais igualitário, onde ômegas não serão responsabilizados pela conduta de terceiros por causa de sua natureza.
— Um ideal nobre e desafiador, afinal estamos falando de um sistema controlado quase majoritariamente por alfas. Acha que está pronto para os desafios?
— Vou estar, e a cada desafio vou me preparar ainda mais para que nunca me faltem argumentos.
— A sua obstinação é louvável, senhor Midoriya, torço para que a torne realidade — ajeitou o cabelo, sorrindo honestamente — Foi realmente um prazer poder presenciar a sua atuação como promotor e pode ter certeza de que haverão recomendações minhas quando seu estágio se iniciar.
— Obrigado, senhor, isso é muito importante para mim, muito mesmo. — agradeceu efusivamente, pronto para sair correndo e contar para a mãe e Shoto e...
Seu sorriso morreu por um momento enquanto o professor se afastava para a porta. Ele queria poder compartilhar aquilo com Shoto, mas como poderia fazer agora? Por mais que desejasse incluí-lo em sua vitória para que ambos vibrassem juntos, seria egoísta. Shoto era bom e merecia mais do que algumas migalhas de atenção.
Ignorando o desânimo que esse breve pensamento lhe causou, Izuku se preparou, arrumando os materiais para sair.
Estava anoitecendo e aquele não era um bom sinal, principalmente por Bakugou e Uraraka não atenderem suas ligações. Teria que arriscar ir sozinho mesmo, talvez conseguisse chegar em casa antes crepúsculo se encerrar de fato.
Durante o percurso ele alternou o olhar entre seus pés e o entorno, observando as pessoas passarem por ele em seu caminho. Alguns corriam, outros voltavam do trabalho ou saíam com animais ou filhos. De repente sentiu-se muito sozinho em meio a todos, principalmente ao avistar alguns casais.
Se ele ao menos não fosse ômega, tudo seria tão mais simples. Não haveriam imposições absurdas por parte de seu pai, nem correria o risco de ser estuprado ou algo do gênero. Mesmo que fosse um beta sua vida não se resumiria às fraquezas de seu segundo gênero e ninguém mais o subestimaria.
Conquanto não podia negar que havia certa satisfação em ser ômega e conseguir desbancar um alfa em seu território. Só de lembrar de como encurralou seu colega e arrancara aquele maldito sorriso prepotente de sua cara já parecia valer a pena, ao menos um pouco.
Virou a esquina para casa e mal deu dois passos, se viu obrigado a parar instantaneamente quando algo pontudo encostou em suas costas, fazendo-o travar em pânico.
— Sem alarde, apenas siga em frente.
***
Pois é amores, podem lançar suas teorias.