Contratos Velados

Por JS_Malagutti

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Daniel e Estela se esbarram numa noite em que o céu presenteia a Terra com um rastro de fogo. Desde que os do... Mais

Corpos que caem
O desespero de uma mãe
As vítimas da ala particular
A visita
A experiência
A verdade e uma ameaça
O sumiço
O caso Anelise
A aparição
Cicatrizes e silêncio
A busca
Em face
Aos poucos se revelam
O vendaval da madrugada
A ajudante
O pacto de silêncio
Não estão sós
Mudança de Planos
Fuga desesperada
Realidade ou ilusão?
A transfusão
Retratos da loucura
Fora de controle
Fábrica de mentiras
Batalha no canavial
O resgate
O Dossiê dos 8
O corredor da morte
Refém
Ele se revela
Lá fora!
Do fundo do poço
A plataforma
Sangue Azul
Xeque!
A viagem no tempo
Operação 53
O reencontro
O bunker frigorífico
O cemitério clandestino
Susto na escuridão
Matar ou morrer!
A proposta
Corra, governador!
Os dias passam
Perdendo a razão
No limbo
Aparições
A Rede
Descortinando os planos
A Conspiração
Uma parte do quebra-cabeça
Queda de Braço
Os próximos e perigosos passos
Revelações
Mais deles chegam à Terra
O círculo de abduzidos
O último contato?
Quatro anos depois; o fim.

É chegada a hora

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Por JS_Malagutti

--- 19 horas e 58 minutos.

O fogo parecia que ia consumir a todos. Como num filme em câmera lenta, foi possível ver nos olhos de Nadine o desespero que a morte lhe causava durante a explosão. Alves entrou em sua memória e vira uma menininha frágil chorando a morte do pai dentro de uma mina explodindo. Ela estava na porta da mina quando a explosão aconteceu e a fumaça tomou conta de tudo. Ela apenas gritava e chorava: "Papai! Papai!".

Era a única coisa que tinha na sua mente durante aquela explosão: a simbologia que a morte a imprimira na vida desde tenra idade lhe mostrando que a solidão é parceira que anda de mão dada.

Já Mendes... "Ah, Mendes! Quanto sofrimento!" Mendes apertara os olhos desde a primeira fagulha. "Prefiro um filho morto que filho viado" -, dizia seu pai segurando o cinturão de seu uniforme militar. O primeiro beijo dado no seu primo, sob luz de lanterna numa cabana feita de lençol na casa da tia. O primeiro namoradinho no ensino médio de mãos dadas escondidos no box do banheiro masculino. Os beijos secretos em sexo grupal nas cabines das grandes cidades cheios de tesão e prazer já na fase adulta. A memória de Mendes era ansiosa e dolorosa. Socos e mais socos. Chutes e pontapés nas ruas. As batidas vitais no hospital com o seu pai chorando ao seu lado e pedindo a intervenção da Santa Mãe para que seu filho sobrevivesse. Depois de tudo passado, o discurso homofóbico: "Tudo o que quero é que viva, se afaste dos gays". Mendes tinha a dor de ser quem não podia ser.

Já Hector, apenas a memória de voar e dar rasantes na aeronáutica lhe transmitiam a paz. Gostava de adrenalina e viver perigosamente. Tinha orgulho em ser piloto da FAB e depois, ser contratado para ser piloto do governo por ser o melhor da área. Morrer pelo trabalho e voar para a liberdade; essa era a única memória de Hector.

Alves suava com o calor daquele fogo que queria consumir o helicóptero, mas a sua luz azul, a essência de seu sangue azul, não permitiria que ninguém morresse naquele instante.

Desde que fora abduzido, aprendera usar seus poderes para a intuição e, assim, conter possíveis tragédias. Assim que encasquetou com a luz vermelha na porta do helicóptero já focara a sua mente na criação de um campo eletromagnético capaz de realizar combustão com o fogo sem que ele tocasse o objeto; no caso, o helicóptero. Assim que avistou o primeiro caça, entendera que estava numa emboscada e se aliviou em saber que a primeira-dama não chegara a tempo. Mal avistou o míssil partir do caça e vir na direção da luz ele já buscou as memórias dos integrantes como um filme para que pudesse agir livremente e salvá-los.

O helicóptero era pesado demais. Estavam perdendo altitude vagarosamente. O que de certo modo era bom, na avaliação de Alves. Mendes, Nadine e Hector estavam desconectados daquela realidade. Para eles, aquela cena nunca existirá.

Não podia deixar que todos vissem o tamanho de seu poder. Aprendera a não confiar nas pessoas desde que voltara de sua abdução e fora colocado num sanatório. As pessoas sentiam pena, mas, a compaixão era hipócrita e perigosa. Para Alves, trancafiar alguém por seu discurso é totalmente maldade. Esse senso de injustiça o levou a se expressar e estudar jornalismo e radialismo. Queria dar voz aos oprimidos.

Assim que a aeronave se aproximou o máximo que podia do rio. Alves arquitetou a segunda parte do plano. Soltar a aeronave e deixar mergulhar o helicóptero para apagar o fogo e qualquer risco de incêndio. Traria de volta à superfície para desligar o campo e deixar as coisas fluírem naturalmente. Ninguém entenderia o que aconteceu. Ficaria apenas uma memória de uma queda com algumas lacunas.

Assim foi feito. Mergulhou a aeronave e trouxe de volta a superfície. Ela começava a encher de agua. "Pulem para fora e nadem para o mais longe que puder, a aeronave vai afundar e haverá sucção, quem tiver perto pode afundar.

Todos obedeceram às ordens do piloto. Em pouco tempo a aeronave havia sumido e cada qual ia para um canto do rio conforme a correnteza. Tudo estava escuro. Hector ajudou Mendes se levantar. O rapaz estava assustado, mas tentava esconder o seu medo.

Alves se embrenhou na mata para se recompor sem que os vissem. Do outro lado da margem, Nadine estava sozinha. "Acho que fomos atingidos pelos caças" -, gritou. "Certeza" -, retrucou Hector.

Nadine sentou no chão calada e olhou para o alto contemplando a cachoeira. Notara que as nuvens estavam se dissipando.

"Ela está emputecida!" -, comentou Mendes em tom baixo para Hector. "Quando não consegue o que quer ela senta no chão e cria na mente um monte de asneiras planejadas milimetricamente para que todos façam" -, disse ele demonstrando conhecer a amiga.

"E, dá certo?" -, perguntou Hector sorrindo. Mendes viu os dentes mais brilhantes e perfeitos numa boca que agora lhe convidada a beijar. "Pode crer, sempre dá certo" -, respondeu Mendes tentando esconder os desejos.

Mendes se sentou e olhou para o alto, como Nadine. Hector mal conhecera os dois, mas preferi entrar na 'vibe'. Um barulho vindo do meio do mato assustou Nadine. "Socorro, deve ter algum animal aqui!" -, disse a moça se dirigindo para dentro do rio. Os meninos do outro lado ficaram em posição de alerta.

O barulho na mata revelou Alves caminhando com o olhar decepcionado. Tinha os antebraços desenhados em azul florescente. "Alguma coisa está acontecendo. Não consigo mais me controlar".

Para Hector aquilo era novidade assustadora estava em choque. Mendes tocou o seu ombro: "É normal o brilho em abduzidos e experimentados em laboratório. É com isso o que vamos lidar daqui para frente. Precisamos que seja forte e despido de preconceitos" -, orientou o rapaz.

Nadine notou que a noite se clareou. O reflexo na água mostrou isso. Ela olhou para o alto e apontou: "Encontramos o que viemos procurar. Uma abertura nesse desfiladeiro". De lá, vinha fachos de luz azul como as de Alves. "Tem mais abduzidos ou alienígenas lá dentro. Precisamos chegar até lá!" -, disse empolgada.

Um silêncio se fez imediato. Hector olhou para Mendes com uma expressão de desespero. Mendes sorriu e sussurrou. "Não seja um saco de batata, seja macho!". Hector engoliu seco e retribuiu: "não sei se dou conta". Mendes jogou: "eu te protejo e ficará preso a mim pelo resto de sua vida" -, finalizou dando uma piscadela. Um flerte inapropriado para o momento de perigo que se aproximava.

Alves podia pressentir que não estavam sozinhos. Nadine sabia, pois avistara as pequenas esferas coloridas no céu se dirigindo para a cavidade da montanha que revelava a cachoeira.

"Viram?" -, apontou Nadine. "É aqui que eles se encontram". Mendes olhou para Hector e sussurrou: "E é ali que o plano dela termina; quer apostar?".

*****

O prefeito entrou na igreja acompanhado de vários funcionários. Enfermeiras, médicos, farmacêuticos e psicólogos. Junto deles uma gleba de voluntários carregando caixas e mais caixas.

"O que significa isso?" -, perguntou Ortiz?

"Chegaram as máscaras que serão distribuídas para a população. São ordens do governo e devemos começar a distribuí-las agora" -, explicou o prefeito. "Seguiremos o plano de concentração de pessoas em prédios públicos e temos equipes especializadas em cada logradouro desta cidade. Espero que se pessoal nos ajude a encaminhar essas pessoas e retirá-las de suas casas" -, orientou o prefeito.

"Isso não vai acontecer. Nada vai acontecer" -, afirmou Ortiz de forma grosseira.

Vanessa se aproximou. "Com licença" -, o puxou para um canto. Sussurrou: "Sabe bem que o número de mortos elevado é o fracasso de uma operação, Ortiz. Já trabalho conosco nisso e sabe que não temos controle sobre os alienígenas. Se o governo encaminhou esse material é porque tem um plano em andamento. Não sabemos do que se trata, mas, isso pode nos afetar. Pode tanto nos ajudar quando nos matar" -, disse ela o encarando. "Deixe as tropas aqui em cima e vamos nos encontrar com o alienígenas nós mesmos. Quanto menos pessoas se envolverem, menores são os riscos".

Vanessa estava certa. Nem sempre o Estado e o exército tinham o mesmo plano de ação e, se o prefeito estava seguindo ordem de uma patente acima, alguma coisa iria acontecer. Zentchen saberia exatamente o que era, mas, ele fora afastado e desde então estava sumido. Ortiz caminhou calmamente até o prefeito: "Preciso que abra o jogo, senhor, daí sim lhe ajudaremos".

O prefeito falou, falou e falou. O resumo era que Lucimara deveria colocar um plano em ação armado pelos Federais caso o governador sumisse e "ela estava disposta a fazer" -, afirmou o prefeito. Ortiz percebeu que não havia mentiras no discurso do velho. Ele era crível demais para se deixar levar por mentiras.

Aos poucos as pessoas foram entrando à igreja acompanhadas pela primeira-dama que conduzia as crianças em fileira cantando músicas cristãs. "Puro desespero" -, pensou Ortiz. Mas, foi aí que entendeu que o medo era real porque a guerra já havia começado.

*****

Andrada permanecia de pé dentro da sacristia. Estava tão desconectado da realidade quanto Daniel quando retornara da abdução. Maria José já conhecia a situação. Cuidara do menino. Estava entendo que sua missão na Terra era passar na vida das pessoas como cuidadora por breves momentos e depois seguir sozinha.

"Onde está Jandira com essa injeção?". Cohen interrompeu os pensamentos da senhora com o seu 'quase' ataque de ansiedade. Maria José percebeu a agonia do cientista: "A farmácia não é tão longe! Queira se acalmar, Senhor; tudo no tempo de Deus".

"Deus seria considerado o pai de todas as criaturas vivas, Dona Maria?" -, perguntou Cohen na sua crueza religiosa. "Sim" -, respondeu Maria. "Então Deus também está a favor dos alienígenas. Talvez mais perto deles lá no céu" -, concluiu o cientista. Maria José percebeu que a ansiedade de Cohen o transformara em um homem sem foco e irracional. Não era mais cabível o assunto.

Preferiu conversar com Deus em sua cabeça até ser interrompida com a entrada de Jandira e Vanessa na sacristia. Cuidadosamente Vanessa fechou a porta que dava para o altar para terem mais privacidade.

"A igreja está repleta! As pessoas estão cientes do perigo" -, relatou Vanessa pesarosamente. O clima pesou. O rosto de Cohen não escondia a sua preocupação e medo. Sempre sonhara em ver um OVNI. Teve um acima de sua cabeça. Não era um qualquer. Era uma nave mãe. Queria diplomacias com os extraterrestres. Mas, não sabia como proceder. Zentchen com certeza tinha um plano. Mas, ele estava fora da jogada. Furtivamente Vanessa o observava. Desvia vez ou outra o olhar para não alardear os demais sobre a posição de Cohen.

Enfim, a injeção ficou pronta. Jandira deu duas batidinhas com os dedos na seringa para misturar o líquido com o pó. Se aproximou do capelão e abaixou sua calça. Ele permaneceu imóvel. "Por via das dúvidas..." -, pensou a experiente enfermeira e ordenou: "deitem-no de bruços e segurem forte suas pernas e mãos". Pausou para a ênfase: "Isso vai doer".

Andrada estava mole, relaxado. Estava ainda em outro mundo, ou quem sabe em transe. Jandira mordeu o lábio e olhou a grossa e extensa agulha: "odeio essa injeção". Passou o algodão com álcool na região final da lombar e enfiou a agulha. Andrada mexeu os dedos das mãos como uma resposta da enterrada daquela agulha afiada. O líquido estava sendo aplicado vagarosa e ardentemente. A pupila de Andrada dilatou e uma lágrima escorreu suas bochechas avermelharam na hora.

"Está funcionando, ele está se ligando com a nossa realidade" -, disse Maria José com o seu coração acelerado. Entendia agora o que sentia Cohen.

Jandira retirou a agulha e notou resíduos de um líquido arroxeado: "Não é azul". Cohen e Vanessa correram para cima dela para ver. "Droga! Será uma reação alérgica?" -, colocou Jandira de forma perspicaz. Eles tentavam coletar aquela gota de sangue em algum recipiente para análise posteriormente. Tudo em nome da ciência.

A sacristia começou ficar azulada. "Eu não sei o que significa isso, mas ele brilha como Daniel e levita muito rápido" -, apontou Maria José receosa.

"Droga" -, balbuciou Cohen. "Ele chamara a atenção de todos para cá. Vamos cobri-lo e sair daqui".

Cohen revirou os armários e encontrou algumas batinas. Jogou aqueles montes de tecido grosso sobre o capelão. Vanessa segurou Andrada pelos braços e o trouxe de volta ao chão. Maria José se aproximou cuidadosa, acariciou o seu cabelo e segurou em seu braço. "Vamos, Andrada, andando como num belo passeio pela praça". Ele a encarou. Ele tinha retomado o contato com eles ali.

"Vamos" -, sussurrou Jandira. "Joaquim nos espera com os lagartos na caminhonete" -, disse saindo logo atrás de maria José e Andrada

"Podem ir, vou com Ortiz" -, disse Vanessa. Cohen a encarou com uma ponta de ciúme. Vanessa percebeu e deu de ombros. Cansara de ser fiel a Cohen e espera-lo. Ortiz sempre a amou e sempre esteve disponível. Saiu pela porta do altar e foi buscar o Marechal. Cohen saiu pelo fundo irritado e bateu a porta.

*****

--- 21 horas e 02 minutos e 37 segundos.

Todos dormiam dentro taba. Do lado de fora, Piatã agradecia a Acauã pelo chá que fizera Rafaela parar de chorar e dormir. Fora um grande choque para a moça que, depois de muito esforço para salvar o rapaz e fazer seu trabalho para revelar a verdade, tivera sua "grande ave" aniquilada pela "ave rápida de folhas". Talvez ninguém soubesse mais o que ela queria contar por causa dos "homens-folhas".

O exército camuflado não era novidade naquela região. Eles sempre estiveram circundando nos arredores da aldeia, subindo e descendo o desfiladeiro. Máquinas, aviões e helicópteros sempre vinham por ali. Eles eram os "demônios da floresta". Estavam explodindo o chão por baixo. Muitas vezes a aldeia tremera. Porém, longe dali, na cidade, ninguém via nada, ninguém sabia de nada.

Os xaynk-ashyra sempre se sentiram ameaçados pelos "homens-folhas". O pai do Pajé Acauã, o já falecido Pajé Ubirajara, sempre contou que recebiam visitas dos homens-folhas contra as ordens da Funai. Depois de muito tempo, tudo tinha parado graças aos Deuses da Luz que desciam do céu até a cachoeira da montanha. Cacique Piatã aprendera com o pai de seu pai que os índios nunca deveriam incomodar o sono dos deuses. Por isso, índio nenhum nunca entrou na caverna. Só quem era filho da luz tinha permissão para descer.

"Índio pressentir ira dos deuses" -, disse Acauã. Olhando para a taba iluminada de azul. Piatã nunca vira um filho da luz. "Tirar filho da taba, mandar montanha" -, pediu Acauã.

O cacique obedeceu. Entrou na taba e identificou que a luz vinha de Rafaela. Caminhou pisando em ovos para não acordar os demais. Apenas uma criança pequena observava a ação. Piatã colocou o indicador na boca e pediu silêncio em gesto. Aproximou de Rafaela e tentou acordá-la. Estava desmaiada pelo chá. Foi até o jovem que ia passar pelo ritual de iniciação e o chamou. Com gestos pediu para que o seguisse. O curumim olhou para a rede com encantamento e medo. Juntos pegaram Rafaela no colo e levaram para fora da taba.

Acompanhados pelo pajé. Piatã e o curumim chegaram perto do desfiladeiro. "Esse é o seu rito de passagem, menino. Vai me acompanhar até a casa dos Deuses para devolver sua filha" -, disse o cacique ao menino que ficara branco. Jamais imaginou participar de tamanha ousadia. Preferia enfrentar um animal selvagem sem armas, mas, não despertar a ira dos Deuses.

O pajé olhou para o alto e viu a grande nuvem de raios se aproximar do vale. "Tupã espera a filha" -, disse o velho abrindo seus braços e reverenciando a nuvem que despontava em raios ao longe. Imediatamente, o Cacique desceu o desfiladeiro com Rafaela no colo. O curumim o seguiu em silêncio e medo. A descida era íngreme e com pedras soltas. Matos ralos e com pequenos carrapichos. Um passo em falso, a morte lhes abraçaria antes de importunar os Deuses em sua morada.

*****

Dentro da mina, ecoavam sirenes. Zentchen descia por túneis íngremes com um capacete de minerador iluminando o caminho. À sua frente, Lucimara ia sendo jogada e empurrada pelo chinês. Estava suada, despenteada e visivelmente acuada pela arma com silenciador em sua direção.

Chegaram num ponto em que a passagem afunilava num pequeno e estreito túnel. Um cheiro forte vinha lá de dentro. O ar que vinha de lá era gelado. "Não vou entrar aí nem morta" -, passo por sua cabeça.

"Primeiro as damas" -, ofereceu Zentchen. Lucimara o olhou com desespero. Ela tinha claustrofobia. Ele tinha o capacete com lanterna. Ela não. Naquele túnel podia conter escorpiões, aranhas, baratas ou sabe-se lá o que. Ele era baixinho, ele caberia, mas ela poderia ficar entalada. O ar poderia acabar e ela morrer.

"Se quiser ver seu marido, terá que atravessar esse túnel. Ele nos espera do outro lado". Estava impelida a gritar, mas ninguém a ouviria, pois do outro lado vinha o som de uma sirene. Ela tinha uma arma. Poderia usar, mas com certeza ele a mataria antes que pudesse abrir a bolsa.

"Última oferta" -, blefou o Chinês. "Ou passa viva e encontra o governador. Ou fica morta para ser devorada por morcegos aqui". Lucimara se arrepiou toda. Sem saída, se ajoelhou e entrou no túnel.

*****

Ortiz adentrou a sala de monitores apressado. "Que sirenes são essas? " -, disse ansiosamente irritado. "Zentchen quem disparou tudo, veja" -, apontou o soldado para um monitor que revelava o chinês entrando num pequeno túnel.

"É hora de soltar Herson e João. Eles sabem da passagem, já atravessaram a maioria. Os ofereça proteção, asilo e tudo o que pedirem, mas que fique claro que eles têm que me trazem Zentchen vivo" -, Ortiz estava blefando, pois negociava com traidores e, desde os últimos interrogatórios, ficou claro que eles pertenciam ao exército de Zentchen, que não era o mesmo que o brasileiro.

Na outra sala de monitores, Cohen e Vanessa tentavam retirar algumas palavras de Andrada que entendia, mas não respondia. Maria José os afastou, segurou a sua mão e tentou do seu jeito singelo.

"Como foi estar entre anjos e perto do Senhor?" -, Andrada a olhou com um sorriso. "Louvado seja o senhor e, passa sempre seja louvado, irmã" -, respondeu Andrada. "Amém!" -, respondeu Maria José acariciando a sua mão. "Conte-me mais de sua visita" -, impeliu a senhora.

"O pastor está na mina; posso sentir a presença dele. Precisamos todos nos encontrar, me levem até ele. Preciso partilhar o apocalipse" -, anunciou Andrada em tom sereno. Para Vanessa, aquilo parecia ser um aviso enviado pela nave-mãe. Qual o sentido de devolvê-lo antes se haveria uma assinatura de um suposto contrato?

Maria José ficou contemplativa. Se levantou e se afastou de Andrada. Seria aquela noite a noite do Juízo final? Seria a noite em que descobriria que não fora a mãe capaz de cuidar da filha? Aquela dor e angústia presa desde o início de tudo encontrou vazão em um choro alto e descontrolado.

Cohen saiu transtornado e bateu a porta. Ele tinha que encontrar Zentchen. Tudo aquilo não era acaso. Ele armara aquilo tudo.

Vanessa encarou a porta. Deveria sair e deixar Maria José chorar. Nada do que pudesse dizer ajudaria aquela mulher cheia de dúvidas, medos ou segredos. Andrada foi até Maria e deitou sua cabeça em seu colo. "Você é uma boa mãe". Maria soluçou mais alto ainda.

Aquilo era demais para Vanessa. Tinha que sair da sala antes que pegasse uma tesoura e cortasse o que lhe sobrara dos cabelos.

Vanessa estava revoltada, irritada, ou sabe-se lá o que sentia. Saiu daquela sala e procurou encaminhar-se para a sala de controle geral do Marechal Ortiz. "Como era possível mais gente naquela mina? Civis presentes num lugar interditado pelo exército! Havia uma grande falha. O chinês tinha todos os defeitos, mas jamais ninguém entraria onde ele não quisesse!"

Como um furacão abriu a porta da sala de controle e chegou em Ortiz determinadamente. Pediu que observasse atentamente cada monitor, pois Andrada sentia a presença de outras pessoas importantes para a missão dentro da mina.

"O capelão troncho acha que tem alguém importante aqui? Todos aqui são importantes. Nenhuma vida vale mais que a outra" -, respondeu Ortiz preocupado com a presença de Zentchen dentro da mina e armado. Porém não poderia revelar isso. "Farei o melhor que puder para tentar encontrar essas pessoas. Quem são?"

"São civis, Marechal! Gente que nem deveria estar aqui dentro. Caso algo aconteça, imagine o escândalo! O capelão tem um segredo e quer revelar ao Pastor Isaías. Encontre-o. Faça isso por mim!" -, pediu ela acreditando que seu desejo tivesse um grande apreço por parte do Marechal.

*****

João e Herson caminhavam levando consigo apenas armas com balas de borracha e capacetes com luminárias. Era uma condição dada por Ortiz para que encontrassem Zentchen. Ou era isso, ou era ficar preso até um julgamento e serem exonerados.

"Aquele chinês infernal fodeu com a gente! Agora acham que somos capachos dele" -, apontou Herson. "Temos que dar um jeito de mostrar ao Ortiz que somos do exército e somos fiéis".

"Só tem um jeito!" -, disse João num tom sombrio. "Vamos libertar Ulysses, pegar a carcaça daquele monstro e acusar Zentchen como responsável por esses montes de mortos dentro da mina. Alguém vai ter eu pagar o pato. Que não seja a gente, Herson!".

Herson o encarou pensando sobre a proposta. A ideia de João não era ruim. Sabia que estavam sendo vigiados. As pessoas estavam lhes seguindo. Tinha ouvido passos. Ou era isso, ou estavam fritos. "Bora achar esse japonês e tirar o nosso da reta!".

"Umas balas de borrachas na perna dele não fariam mal algum" -, disse João sorrindo sadicamente.

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