Min-D

Autorstwa MyLightNovel

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MIN-D História por Lucas Ost Kurotsugu Revisão por Tany Isuzu Distribuição: My Light Novel - www.mylightnovel... Więcej

Capítulo I
Capítulo II
Capítulo III
Capítulo IV
Capítulo V
Capítulo VII
Capítulo VIII
Capítulo IX
Capítulo X
Capítulo XI
Capítulo XII

Capítulo VI

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Autorstwa MyLightNovel

Tranças

          Jill Oris ainda se sentia decepcionada consigo mesma por ter falhado na Avaliação. Por uma questão, uma mísera questão, teria que permanecer em Delta pelo menos até a próxima prova, dali a seis meses. Não entendia o que havia acontecido. Tudo parecia estar indo bem até que, de repente, viu-se lembrando dos pais e toda sua concentração se dissipou; teve que comprimir os olhos para não chorar tolamente no meio da sala.

          A viagem interestelar para Aldebaran continuava se afastando dela, como um balão sendo arrastado pelos caprichos do vento. O que a reconfortava era que tinha Joe. Ele fora atencioso e carinhoso para com ela durante esses dias cinzentos impermeados de desesperança. Se negara a deixá-la sozinha, apesar de ela ter insistido veementemente nisso. Queria se afundar na tristeza até esquecer-se de tudo. Antes de Joe, era esse seu refúgio. Trancava-se no quarto e, detrás de suas lágrimas, escondia-se de si mesma e do resto do mundo. A tristeza lhe preenchia, afogando as decepções, medos e solidão. Apenas depois de ter conhecido Joe e seu jeito descontraído, objetivo e sincero, começou a realmente amadurecer.

          Ainda que reconhecesse ser de alguma forma dependente do amor dele, não via isso de forma ruim. Jill sabia que não importasse o que acontecesse, ele estaria lá por ela, de modo que essa dependência era tão somente uma extensão do vínculo único que havia entre eles. Pensando nisso, sentiu-se melhor. Não estava sozinha, afinal. Amava Joe, e ele, embora raramente verbalizasse seus sentimentos, a amava; Jill via isso claramente em seus olhos negros e brilhantes quando, achando que ela não estava vendo, ele a afagava com o olhar.

          Joe... Com o rosto apoiado na palma da mão, ela imaginava o que ele estaria fazendo naquele momento, na sala ao lado. Suas amigas, tagarelando algumas mesas da dela, haviam sentido seu ar de isolamento e, para seu alívio, resolveram manter distância. O fato é que o que ela menos desejava naquele momento era ter que usar sua máscara de Jill alegre e fútil para se misturar com aquelas garotas. Quando começou a pensar se não estaria sendo frígida demais, alguém atravessou a soleira da porta e se dirigiu à sua mesa. Era Amber.

          — Olá, Jill. — Amber disse amigavelmente. Seu rosto era pálido, sem características relevantes, enquanto os lábios não passavam de duas linhas levemente rosadas sobrepostas. Seus espessos cabelos escuros, como de praxe, jaziam desajeitados.

          — Olá... Amber.

          Sua súbita aparição após tantos dias sem ir à aula lhe causou certa estupefação. Ela ponderou se deveria se levantar para cumprimentá-lo com um abraço, mas decidiu que melhor não; não tinham essa espécie de intimidade.

          — Que houve? — perguntou Jill, enquanto Amber, sorrindo, dava a volta e se sentava à mesa detrás, que, observou ela, não era dele. Ignorou isso e continuou: — Você faltou três dias consecutivos, já estava começando a pensar se não tinha sido rebaixado... Sabe, eles nunca avisam quando isso acontece...

          Amber ajeitou-se na cadeira e fez login na mesa, que em seguida exibiu seu nome no canto, acompanhado de sua imagem tirada no primeiro dia de aula e todos os seus cadernos separados por matérias. Então, exibindo uma expressão contrita, fitou Jill.

          — Sim... — disse. — A verdade é que a Avaliação acabou comigo. Precisei tirar esses dias de descanso pra me recuperar psicologicamente antes de voltar pra escola. Donnie veio falar comigo agora há pouco, falando sobre como eu fiquei perturbado no dia. O que me lembra de pedir desculpas pra você. — Esboçou um sorriso pesaroso. — Fui um tanto estúpido, não fui? Me desculpe mesmo...

          — Está tudo bem, não se preocupe. — Ela sorriu, compassiva, notando aquele brilho usual e desconcertante no olhar do colega. Julgou também ter vislumbrado uma coloração estranha na pupila direita dele, mas, coisa da sua cabeça, logo desapareceu como um efeito de ótica. — Entendo como deve ter se sentido.

          A verdade é que, naquele dia, ela jazia tão abalada pela sua própria desgraça que sequer considerara seriamente o que acontecera entre eles. Depois da Avaliação, Joe viera correndo assim que recebera uma mensagem dela dizendo que voltaria para casa sozinha. Ele provavelmente entendera no mesmo instante. E quando enfim ficaram sozinhos, ela desabou em seu peito e deixou fluírem as lágrimas de aflição. Ele acalentou-a e então a levou para dar uma caminhada, no que pararam diante da cartomante e encontraram Amber. Bem, ele era só um colega, de qualquer forma.

          — Fico aliviado — disse ele, voltando a exibir uma expressão serena.

          Espero que ele não me pergunte que nota recebi, ela pensou consigo mesma. Falei tão abertamente com ele sobre meu sonho... Não suportaria o olhar de pena que ele faria ao me ouvir, e menos ainda a voz indiferente e animada que eu teria de usar...

          Quando Amber abriu a boca, prestes a falar algo, foi subitamente interrompido por outro colega, um garoto alto, de rosto liso e nariz afilado, vestindo uma calça preta e camisa social branca. Era Marcos, o colega que sentava atrás dela, na mesa em que Amber havia tomado para si. Jill tinha certa afeição por Marcos. Já haviam feito alguns trabalhos juntos e ele sempre fora educado e prestativo durante as tarefas, ajudando-a em temas que lhe eram complicados. Não... na verdade, sentia certa apreensão em relação a ele. Em mais de uma ocasião o flagrara dedicando olhares obscenos para seu corpo. Também havia escutado rumores sobre ele ter tentado atacar uma aluna de outra escola. Definitivamente não gostava dele sentando ali atrás.

          — Ei, cara — exclamou Marcos, com as mãos nos bolsos da calça e as sobrancelhas franzidas —, esse é meu lugar. Pode me dar licença?

          Amber ergueu calmamente o pescoço e encarou o colega. Então disse:

          — Vou sentar aqui a partir de hoje, por que não fica no meu lugar?

          A expressão de Marcos, de repente, se suavizou.

          — Bem, então tá — respondeu, e dirigiu-se ao antigo lugar de Amber.

          — Nossa — disse ela —, não imaginei que ele cederia tão fácil.

          — Por que não? É só uma mesa. — Ele riu.

          Jill sorriu. Apesar de tudo, seria bom ter Amber ali, em vez de Marcos. Por algum motivo, se sentia mais calma perto dele.

          — Sim, realmente.

          Embora de personalidade fleumática com periódicas demonstrações de impulsividade, Amber sempre lhe parecera um pouco isolado dos outros. Nunca o vira com ninguém além de Donnie, e hoje este iria embora para Gama. Ele ficaria sozinho. Agora, no entanto, sentado ali, poderiam conversar à vontade entre as aulas. O pensamento de que ela e Amber talvez se tornassem bom amigos afastou um pouco as nuvens de seu coração. Ela apoiou o cotovelo no encosto da cadeira, sorrindo enquanto pousava um olhar afável sobre ele.

          — Obrigada, Amber.

          Ele se surpreendeu, expandindo as pálpebras para ela.

          — Pelo quê?

          Jill esticou o braço e bagunçou levemente os cabelos já caóticos dele.

          — Nada não.

          Se eu pudesse fazer com que os dois se tornassem amigos também, ela refletiu sonhadoramente. Amber e Joe. Então nós arranjaríamos uma namorada bonitinha pra ele e poderíamos sair os quatro pra nos divertirmos. Que legal isso seria! Acho que a Diana se daria bem com ele, se tivessem tempo pra conversar. Embora ela seja meio passiva também... Se acabasse chegando num momento decisivo, ambos ficariam esperando pelo movimento do outro, paralisados... Ah... É angustiante só de imaginar. Não, Diana não, concluiu. Talvez Kris...

          — Eu estava pensando. — Amber disse de repente, com o pescoço virado pro lado, encarando a parede. — Estava pensando se você gostaria de ir comigo nesse fim de semana comprar um pocket show dos Chasing Dragons. Vão estar à venda somente no domingo, então imaginei...

          — Chasing Dragons? — exclamou Jill, com uma voz excitada. — Nossa, é claro que vou! Essa é minha banda favorita! Não sabia que lançariam nesse fim de semana. Eu perdi o último pocket show deles e me lamento até hoje. Você já percebeu que as cópias que a gente encontra na wired não chegam aos pés de um original? São terríveis. A imagem tridimensional fica oscilando e às vezes faltam detalhes.

          — Sim! — concordou Amber, vivamente. — Eu tinha uma versão de Split Lava que era simplesmente grotesca, com o teclado às vezes desaparecendo e sendo substituído por um tablete de chocolate.

          — Nossa! — Ela riu ruidosamente, o que atraiu o olhar de alguns colegas. — Eu amo Split Lava, sério. Tem um trecho dessa música que eu amo, não sei se lembra: if I just lay here, would you lie with...

          — ...me and just forget the world citou ele, em uníssono com ela.

          Seus olhos então se encontraram no meio do ar e os dois riram baixinho. Jill se sentiu levemente constrangida, embora não soubesse dizer o porquê.

          Em seguida, o professor entrou, balançando sua protuberante barriga, e ativou o quadro-negro para a primeira aula. Jill virou-se para frente, e com o sorriso largo ainda no rosto, selecionou o caderno de matemática.

          Sim, seria divertido ter Amber ali.

*

          O garoto estava esperando na parada do ônibus, escorado no muro logo atrás da estação 5-AB. O céu azul era belo e pontilhado de delicados pedaços de algodão que deslizavam preguiçosamente rumo ao conglomerado de prédios ao sul. O clima estava mais do que agradável, e o garoto viu-se respirando profundamente, na esperança de sugar um pouco daquela calma que permeava o mundo, esperando assim apaziguar os excitados batimentos em seu peito.

          Tamborilando o pé na calçada, dizia a si mesmo: não há motivo pra ansiedade! Apesar disso, o creme em seu cabelo começava a parecer molhado demais, o perfume emanando de seu pescoço um tanto excessivo, e sua camiseta azul impressa com o único propósito de estrangular seus vasos sanguíneos.

          Teria sido melhor vir com as minhas roupas normais, ele pensou, quase em desespero. Mas agora era tarde. A garota chegaria em questão de minutos.

          Bem, aquilo não era realmente um problema. De modo algum...

          Quando um ônibus emergiu da esquina, deslizando suave, mas rapidamente, sobre trilhos magnéticos, o garoto teve certeza que sua amada estava lá.

          A garota, sentada na fileira de janelas com visão para a calçada, sorria sem aparente razão. Acordara de bom humor, e, apesar de não ter conseguido falar com o namorado e convidá-lo para vir junto, se sentia feliz. O dia inspirava sentimentos deliciosos nela, que há tão pouco jazia mergulhada num pernicioso limbo de autocompaixão. Agora, entretanto, isso ficara para trás. Estava para encontrar seu amigo e teriam um momento agradável juntos. Isso mesmo.

          Os cabelos dela estavam amarrados numa única trança dourada que caía sobre seu ombro direito. O vestido leve de verão era cinza, tendo uma cinta de tecido laranja levemente presa ao redor da cintura. Sandálias huaraches completavam seu despretensioso visual, tão bem harmonizado com sua figura que despertava olhares alheios mesmo contra vontade.

          Ela desceu do ônibus e deu de cara com o garoto, sorrindo de olhos cintilantes que a abrangiam por completo como se quisessem fotografá-la na mais alta resolução possível.

          A princípio, pois não era seu costume distribuir cumprimentos afetuosos, ela planejava dar-lhe apenas um beijo no rosto, só que, para sua surpresa, quando se aproximaram para o cumprimento, num princípio de incerteza, seus braços estenderam-se e ela acabou por abraçá-lo.

          Fora seu pai, quando era pequena, e Joe, ela nunca havia abraçado outro homem, por esse motivo, o perfume masculino se tornara, para ela, algo que incitava afetuosos sentimentos, e não fora diferente quando abraçou Amber.

          Primeiro, o perfume dele pareceu forte demais, mas, no instante seguinte, ele inundava suas narinas com sensações prazerosas e memórias aconchegantes. A fim de continuar inalando aqueles tenros sentimentos, quase prolongou demais o abraço. Ao perceber que estava sendo estranha, abruptamente se separou dele e, sem jeito, virou o rosto, olhando para um ponto fixo distante.

          — Como está? — perguntou, tentando desviar sua atenção do que acabara de acontecer.

          — Uh, ah, bem, e você, Jill?

          Ele não pareceu ter notado nada. Ela suspirou, aliviada.

          — Eu também! Vamos indo?

          Ele assentiu, e os dois, lado a lado, os cotovelos ocasionalmente se tocando, avançaram pela calçada.

          Era realmente domingo, como atestava a quantidade exorbitante de jovens de todas as idades entrando e saindo de lojas, conversando em grupos nas mesas de parques e abarrotando vi-cafés, cafeterias com links de realidade virtual, muito populares nos dias de hoje.

          A loja para a qual se dirigiam era chamada TechCity, que fazia jus ao nome, devorando três quadras com sua gigantesca estrutura e não vendendo nada além de artigos eletrônicos, desde holocâmeras e próteses cibernéticas à impressoras 3D industriais do tamanho de casas de dois andares.

          Eles andavam em silêncio, olhando um para o outro de vez em quando e trocando sorrisos cordiais. Isso incomodou o garoto. Não podia perder tempo. Por isso logo tratou de dizer alguma coisa.

          — Por que quer ir para Aldebaran, Jill? Por que não Marte, ou qualquer outro lugar aqui na Terra mesmo?

          Ela pensou um pouco antes de responder.

          — Bem, primeiro, porque Marte já é terreno conhecido da humanidade. Eu quero ser a primeira a descobrir algo novo, entende?

          — Algo novo?

          — Sim, ter meu nome escrito em artigos que serão lidos por incontáveis gerações. É meio arrogante, eu sei — sorriu ela. — Mas é que a ideia de viver uma vida que será esquecida poucas décadas depois da minha morte me parece tão... — Ela olhou para o garoto. — Assustadora. — Então tornou a olhar para frente. — Será como se eu nunca tivesse existido. Claro, haverá holovídeos e imagens, mas terei eu contribuído de alguma forma pra este mundo, pra nossa raça, com algo além de registros sem importância como esses?

          Ela suspirou e sua expressão se nublou.

          — Ah, Amber, mas acho que talvez esse seja meu destino. Ficarei o resto de minha vida em Delta, eternamente aquém de minhas expectativas, perdida num desses empregos insignificantes aos quais designam todos dessa área; sem jamais realizar nada de valor ou conquistar algo que me traga verdadeira satisfação... Tudo por causa de alguns pontos numa droga de prova idiota. Isso é... frustrante.

          Ela se empertigou.

          — Caramba, desculpe!

          A garota não sabia por que havia dito tudo aquilo. Nem a seu namorado havia expresso tanto. Foi como se tivesse sido impelida, pelo peso das palavras, a desabafar e revelar tudo, de modo que, agora, embora envergonhada, sentia-se muito mais tranquila, livre de um terrível fardo em sua alma. Não tinha ideia, porém, do que o garoto estaria pensando dela. Talvez que fosse uma garota pretensiosa e ridícula. Decidiu não seguir essa linha de pensamento e esperar pela resposta do rapaz.

          — Obrigado por compartilhar isso comigo, Jill — disse ele, numa voz tão suave e terna aos ouvidos da garota, que todo o receio estrangulado dentro dela evaporou na atmosfera. Ela se virou para verificar sua expressão e, instantaneamente, ruborizou ao encontrar o olhar acolhedor dele.

          O que está acontecendo?, ela então se perguntou.

*

          Cerca de 20 minutos depois, eles estavam diante das vultosas e brilhantes vitrines da TechCity. Atravessaram, junto de outros 40 adolescentes, suas portas dignas de um estádio de futebol e se maravilharam com as prateleiras que se estendiam em infinitas direções, num intrincado labirinto de tecnologia e automação.

          Os dois pararam diante de um dos incontáveis aparelhos de busca e selecionaram pocket shows. De súbito, a esteira debaixo de seus pés iniciou seu movimento e os conduziu através dos corredores, cruzando com pessoas que vinham em suas próprias esteiras da direita, esquerda, baixo e cima, como uma rodovia em miniatura. Em poucos minutos, ela os deixou em frente a uma prateleira tão grande quanto todas as outras, na qual incontáveis imagens de produtos destacavam-se nas telas acopladas em suas superfícies negras.

          Eles então pressionaram seus dedões no local adequado e dois pocket shows foram registrados em seus carrinhos de compra. Como não comprariam mais nada, a esteira os levou para o caixa e lá pagaram e retiraram os produtos.

          Já na calçada, examinavam as pequenas esferas entre suas mãos.

          — Acho que vou deixar pra assistir em casa — disse a garota, animada, checando a bateria e fazendo um pequeno teste de exibição.

          — Sim, eu também. — Após um breve olhar para o item, o garoto enfiou-o no bolso. A seguir, com um ar calculadamente casual, perguntou: — Que tal a gente ir comer alguma coisa?

          — Bom que perguntou, estou faminta. — Ela então deixou o rosto cair no braço dele, gemendo com uma caricaturesca expressão de dor. — Oh, me alimente, Amber — brincou.

          Ele deu uma risadinha, sentindo o próprio rosto se afoguear ao ter a garota tão próxima. Inadvertidamente, observou os lábios róseos dela, cuja textura suave denunciava a maciez da seda; observou a pele delicadamente dourada dela, seus cílios longos e negros... O garoto se esforçou para escapar da hipnose.

          — Vamos ver — disse ele —, tem uma lanchonete por aqui, acho que o nome é... — Seu rosto adquiriu traços de concentração enquanto observava o vazio. Então, de repente, pareceu se lembrar e relaxou. — Sim, Gorbon. Eles vendem hambúrgueres com uma ótima carne sintética, já experimentou?

          — Já, claro. — Ela se aprumou e, sorridente, deu-lhe um tapinha nas costas. — Vamos lá, menino âmbar!

          — Ai! — Ao contato da mão dela, ele deu um salto para frente, esboçando uma careta e emitindo um gemido de dor.

          — O que foi? — exclamou, alarmada.

          — Ah, nada demais — respondeu ele, recuperando a compostura. — Só estou com um machucado nas costas.

          — Desculpa. Está doendo muito? — Ela parecia preocupada agora, franzindo as belas sobrancelhas.

          O garoto sorriu para a preocupação dela.

          — Não, não, só um pequeno corte. Nada demais mesmo. Sério.

          — Hmmm... — Ela estreitou os olhos. Mas, de repente, voltou a sorrir. — Então tá. Vamos indo?

*

          Na lanchonete, sentados frente a frente, os dois comiam seus lanches. Ela, com uma ferocidade invulgar; ele, mordiscando sem apetite. Na verdade, a mera visão do lanche parecia enjoá-lo, e só se forçava a mordê-lo para manter as aparências. Apesar disso, a garota, que o observava de soslaio, não deixou de perceber.

          — O que você é, um degustador profissional de hambúrguer? — disse ela, rindo detrás do pão.

          — Eu, ah...

          — Tudo bem se não estiver com fome. Só deixe aí que eu como assim que terminar este.

          Ele mirou-a, abismado.

          — Está certo.

          — Ei — disse ela, estreitando os olhos. — Eu estava brincando. Acha mesmo que sou tão glutona assim?

          — Bem...

          — Não diga mais nada. — Ela o cortou.

          Durante alguns segundos, os dois se olharam, sérios. Então, de súbito, desataram a rir.

          — Mas, sabe — disse ela, segurando a risada —, eu sinto que sou sempre a única que fala quando conversamos. Você só fica me escutando e fazendo perguntas. Pois bem, agora é minha vez, senhor Amber.

          — Hum, é justo. Pergunte qualquer coisa que responderei.

          — Vejamos... — Ela passou o dedo indicador pelos lábios enquanto pensava. — Ah! Isso é meio brega mas... Que seja! Me diga, você acredita no amor?

          — A-Amor? — Ele pareceu surpreso. — Que tipo de pergunta aleatória é essa?

          — É, ora. Vamos lá, não precisa se acabrunhar assim. Apenas me diga seus pensamentos sobre o assunto. Nada demais.

          Ele soltou um breve suspiro. Pensou um pouco, então disse:

          — Bem, é claro que eu acredito, afinal, o mundo é movido pelo amor. — Ele cruzou os braços e se escorou no espaldar acolchoado do banco, fitando o espaço vazio acima deles com um sorriso estampado no rosto. — Tudo que existe ou vai deixar de existir, é em consequência do amor. Humanos são criaturas muito amorosas, sabia?

          — Eles podem amar, nas mais variadas intensidades, quase qualquer coisa: dinheiro, pessoas, ideais, objetos, a si mesmos. Mas... Como posso dizer, nem sempre isso é uma coisa boa. — Seu sorriso de repente adotou um pesado traço de amargura. — Quanto mais você ama algo, mais você sofre ao perder esse algo. E o que vem depois disso, senão o ódio, a tristeza, o arrependimento, o desespero? — Os olhos dele então tombaram sobre ela, que imediatamente se retesou em seu banco. — É irônico, não é? A única coisa que pode nos salvar, que pode atribuir um significado às nossas vidas, é também a mesma que pode, e vai, nos destruir. — Ele deixou escapar uma curta e negra risada.

          Era a primeira vez que Jill ouvia Amber falar tantas palavras de uma vez. A imagem que ela havia formado dele era a de alguém dócil, pacífico e, até mesmo, feliz em suas próprias circunstâncias. Sendo assim, de forma alguma ela poderia estar preparada para o caráter cáustico e sombrio de seu discurso; fora imediatamente arremessada num estado misto de perplexidade e aturdimento.

          Ele deve ter muitos problemas, foi o que ela pensou, em assombrado devaneio, enquanto observava como seu amigo evitava seus olhos após ter dito tudo aquilo.

          Porém, como se fosse incapaz de conter o fluxo negro de suas palavras, Amber prosseguiu, ignorando o desconforto evidente da garota à sua frente.

          — Você já ouviu falar na frase daquele famoso filósofo alemão: "Desejar é sofrer"?

          — Acho que sim... — respondeu, hesitante.

          Então ele tornou a ostentar aquele sorriso carregado de amargura.

          — Pois bem, e não é o amor, esse delírio que nos arrebata todas as forças, a forma mais poderosa de desejo? O que significaria que, afinal, o amor também é a forma mais poderosa de sofrimento, não é? Agora, me diga, o que poderia então ser mais doloroso do que um amor irrealizável? O desejo absoluto negado sumariamente de maneira imperativa! — Ele cerrou os punhos sobre a mesa, enquanto sua voz caía a um murmuro incompreensível: — Às vezes, eu me pergunto que espécie de entidade divina doentia teria elaborado sentimentos tão imperfeitos, tão absurdos, que se entrelaçam nessas corrosivas conexões com o único propósito de nos obrigar a realizar os atos mais abomináveis...

          De súbito, como se percebesse pela primeira vez onde estava e com quem estava falando, Amber baixou os olhos, desculpando-se.

          — Não queria ter deixado o clima tão pesado. Sinto muito.

          Jill, ao notar seu constrangimento, sorriu.

          — Eu entendo o que quer dizer, Amber. Realmente entendo. Mas não se engane — advertiu ela, sem dar tempo a ele de responder. — Mesmo esses sentimentos negativos são necessários aos seres humanos.

          Amber fitou-a.

          — "Entender a tristeza das árvores ao perderem suas folhas no outono, é entender mais completamente o ciclo vital que traz as flores na primavera." — recitou ela, sorrindo. — Li isso em um livro, e é a mais pura verdade. A tristeza nos faz sermos capazes de entendermos outras emoções mais profundas, como a beleza e a alegria. Se não fosse por isso, esses sentimentos nos seriam tão banais, que os desprezaríamos como fazemos a todas as coisas que podemos obter sem esforço. Então, seria melhor que todos, pelo menos uma vez em suas vidas, sofressem de verdade. — Sem seu consentimento, memórias de seus pais insinuaram-se em sua mente, incitadas pelas palavras que iam jorrando de seu coração. — Tenho medo de pessoas muito felizes, elas não entendem o que é sofrimento. Logo, elas machucam os outros sem nem mesmo perceberem...

          A seguir houve um sombrio silêncio.

          — Ah, droga! — Jill exclamou bruscamente. — Estamos parecendo dois depressivos! Vamos falar de coisas mais alegres, coisas engraçadas!

          — Coisas engraçadas? — disse ele, pensativo. — Como, por exemplo, a maneira como você come feito um tigre destrinchando uma zebra?

          — Q-Que indelicado! — Ela ruborizou. — Eu só estava com muita fome!

          Ele riu.

          — É sério, por um momento pensei que o hambúrguer tivesse te ofendido ou algo assim.

          — Quem está me ofendendo é você, seu idiota!

          — Essa não! Já aviso que não fico bem com ketchup.

          — Ah, é? — disse ela, ao mesmo tempo que agarrava o sachê de ketchup e o espremia com a abertura direcionada para o rosto surpreso do garoto.

          Antes que ele tivesse tempo de reagir, um fio vermelho cruzou o ar e acertou em cheio sua bochecha.

          — Tinha razão — disse ela, ostentando um sorriso sardônico. — Não fica bem em você. Talvez você seja mais um garoto das mostardas...

          — Não, não! — exclamou ele, enquanto limpava o rosto com um guardanapo e estendia defensivamente a outra mão. — Desculpe, eu só estava brincando. Tenha piedade, senhorita.

          — Não desperdice comida! — Uma voz metálica saiu dos alto-falantes da mesa, dando um susto nos dois. — Não desperdice comida! Não desperdice comida!

          Amber, então, curvou a cabeça, dirigindo-se à mesa:

          — Me desculpe, não faremos de novo.

          A expressão de Jill caiu numa perplexidade divertida.

          — O que está fazendo?

          — Hum? Me desculpando com a moça, é claro.

          As mãos dele estavam sobre a mesa, pousadas ao lado do prato com o lanche. Num ímpeto, Jill estendeu seu braço e pousou a mão sobre a dele, rindo:

          — Você é doido, Amber! Era uma gravação, não uma pessoa de verdade falando!

          No instante seguinte, o rosto do garoto adquiriu um tom de vermelho capaz de competir com o do ketchup espalhado pelo seu prato.

          Quando percebeu o que havia feito, corando e afastando o olhar, ela rapidamente recolheu a mão.

          — Desculpe...

          — Está tudo bem, Jill.

          — Não, eu não deveria ter feito isso. Eu... Me desculpe. Não sei o que deu em mim. Por favor, não... Não me entenda errado. Eu só...

          — Ei, não foi nada demais — disse ele, sorrindo de modo conciliador. — Não se preocupe com isso, certo?

          A garota se sentia perturbada. Seus pensamentos estavam embaralhados pela confusão em seu peito, cujo interior insistia em arder sem motivo aparente. Que estúpido impulso teria me feito agir de forma tão imprudente?, perguntou-se. E por que ele me encara de modo tão intenso? Isso é... desconfortável.

          — Sabe — exclamou ela, de repente, num tom mais alto do que o de costume —, eu tenho essa amiga, Kris, Kris Miller, esse é o nome dela, você conhece?

          — Acho que não.

          — Ela é da nossa escola.

          — Não conheço.

          — Ela é bem bonita.

          — É?

          — Uhum! E é animada, está sempre sorrindo, aquele tipo de pessoa, sabe, que é impossível de se ficar cabisbaixo quando está por perto. É muito inteligente também. Quer ser geóloga. E, nossa, tem uma voz tão bonita! Uma vez ela cantou pra gente, ela não queria, mas a gente continuou insistindo e insistindo, até ela ceder. Que bom que fizemos isso, caso contrário não teríamos descoberto o quão bem ela canta.

          — Ela parece incrível mesmo — disse ele.

          — Sim, ela é, ela é! — continuou sua conversa sem sentido. — Acho que vou apresentar vocês dois. Você quer? Tenho certeza de que vão se dar bem. Vou falar só coisas boas a seu respeito. Bem, não é como se eu tivesse coisas ruins pra dizer... Você entendeu! Hahaha. Então trate de agir corretamente com ela, entendeu, mocinho?! — Ela riu, nervosa.

          Enquanto ouvia suas próprias palavras, a garota começou sentir um ressentimento e um ódio contra si mesma crescendo em seu coração. Cada palavra parecia suja e vazia ao ser verbalizada. Eram dolorosas e pesadas a ponto de fazerem-na querer gritar até suas cordas vocais falharem. O fato é que ela não entendia o que estava acontecendo.

          O que há de errado comigo? Não era isso o que eu queria? Mas... Qual era o motivo de eu querer isso?

          — Ela realmente parece incrível — disse o garoto subitamente, afastando-a de seus pensamentos. — Mas... — Ele olhava para a mesa, incapaz de manter contato visual. — Como posso dizer... — Então, como se houvesse encontrado fontes infinitas de determinação, seus olhos subiram e, repletos de amor, aprofundaram-se nos dela. — Sabe, a Jill é o bastante pra mim.

          Silêncio.

          A atmosfera estava preenchida pela conversa e risadas das pessoas na mesa de trás, um grupo de amigos, também estudantes.

          Após um longo momento, levantando-se, ela anunciou:

          — Melhor a gente ir.

*

          Nuvens escuras como corvos cobriam o céu na manhã seguinte. Elas haviam surgido sorrateiramente, na madrugada, e haviam se arrastado por cima da cidade, despejando uma escuridão de tal modo uniforme que a transição entre noite e dia sequer fora percebida por aqueles que já se encontravam acordados. Eram nuvens perversas que rugiam negras umas para as outras, competindo com clarões que rasgavam a cúpula celestial e permeavam a cidade de energia estática. O espetáculo dava a impressão de que, assim que uma delas sucumbisse, suas lágrimas preencheriam o mundo.

          A precisão das previsões do tempo era sempre exata, foi o que Jill pensou enquanto, apoiada no cotovelo, olhava através da janela do ônibus escolar. Ao seu lado, uma de suas amigas falava sem parar sobre como ela detestava chuva e que seria ótimo se em Delta houvesse reguladores meteorológicos, como em Alpha e Beta. Mas Jill era incapaz de prestar atenção. Sua mente vagueava longe, extraviada em pensamentos angustiantes do dia anterior.

          Como posso dizer... Sabe, a Jill já é o bastante pra mim.

          As palavras dele ressoavam em sua cabeça como sinos numa caverna vazia. Quando ela pensava que o som se perdera na distância, ele inadvertidamente retornava de uma galeria distinta, trazendo consigo cada vez mais confusão e desordem à sua alma.

          ... A Jill já é o bastante pra mim.

          Não, Amber! Você entendeu errado. Não é isso. Não é...

          — Ou, Ji-Ji, tá me escutando? — A amiga sentada ao lado esticou o pescoço de modo a poder olhar o rosto de Jill. — Cê tá parecendo, sei lá, em coma ou algo assim. Estou te chamando há uns cinco minutos.

          — Uh, desculpe, Mari. — Adotando um sorriso condescendente, Jill se virou para encarar a amiga. — O que estava dizendo mesmo?

          Mari sorriu, maldosa.

          — Estava pensando nele, né?

          — Eh? — Jill teve um sobressalto.

          — Pela sua expressão, acertei na mosca! — Mari bateu palmas. — Às vezes cê é tão transparente, Ji-Ji. Consigo ler cada uma de suas rugas.

          — D-Do que está falando?

          — Calma, estou brincando, bobinha. Cê não tem rugas não. Sua pele é como a de um bebê. — Então ela puxou um espelhinho de dentro da bolsa e, desgostosa, pôs-se a fitar o reflexo nele. — Já eu... Olha quanto minha pele tá ressecada. Isso é culpa dos genes da minha mãe, aquela vaca gorda... Ah meu Deus! — Ela colou o rosto no espelho. — Tem uma ruga nova aqui!

          Durante o resto do trajeto até a escola, Jill insistentemente consolou a amiga, agradecida pela distração.

*

          — Alguém sabe me dizer como, há cerca de 11 mil anos, se chamava essa área representada no mapa? — perguntou o professor, desenhando uma espécie de meia-lua no mapa em sua mesa, que era retransmitido no quatro-digital diante da classe.

          Um garoto de voz rouca se ergueu no fundo da sala e respondeu:

          — Hum, o Crescente Fértil?

          — Isso mesmo. Agora, qual o motivo de ter recebido esse nome?

          — Pois era uma área fértil? — disse o mesmo aluno de antes.

          — Sim, é claro... Mas qual o motivo de ele ser fértil?

          Todos ficaram em silêncio, olhando ao redor.

          — Ninguém sabe?

          Pois era uma área irrigada por quatro rios diferentes, pensou Jill consigo mesma.

          — Bem, ele era chamado Crescente Fértil porque, olhem no mapa, ele era banhado por quatro rios, o Jordão, Eufrates, Tigre e Nilo, o que tornava aquele local perfeito para a agricultura. Como vocês sabem...

          O professor continuou com suas explicações.

          Jill poderia, facilmente, ter respondido todas as questões que se apresentaram, no entanto, isso atrairia a atenção da turma para ela, coisa que, naquele momento, ela não desejava de modo algum. A bem da verdade, o que, de fato, ela não queria, era atrair a atenção de uma pessoa específica. Esta, estava sentada logo atrás dela, o que tornava tudo ainda mais complicado.

          Mais cedo, quando Jill, acompanhada da amiga, chegara na sala de aula, ela encontrara Amber já acomodado em seu lugar. Na tentativa de dissimular seu nervosismo, enquanto seguia para sua classe, ela fingiu conversar animadamente com Mari, rindo e falando alto. No entanto, antes de se sentar, trocou um reservado cumprimento com ele, evitando o máximo possível de olhá-lo. Desde então, não houve contato nenhum entre os dois.

          Isso é enervante, ela pensou, esforçando-se em ler os textos em sua mesa. Consigo sentir os olhos dele grudados em minhas costas. Será coisa da minha cabeça? Não, não tenho coragem de olhar pra trás. Por que estou agindo assim, afinal de contas? Ele é só um colega de classe, um amigo, não é? Nesses dois anos que estudamos juntos, eu lembro apenas vagamente de termos trocado alguma palavra, e mesmo nesses últimos três meses em que ele se tornou mais sociável, nós só conversamos de verdade ontem. Então, por que estou tão alterada pela presença e palavras de um quase estranho? Especialmente quando eu tenho...? Ugh... Que enxaqueca. Essa situação está começando a me afetar fisicamente. Droga. Por que isso está acontecendo? Será que é devido ao fato de ter sido a primeira vez que um garoto demonstra seu afeto de forma verdadeira pra mim? Será que é porque me sinto sempre à vontade perto dele? Sim... É tão bom conversar com ele... Ahhh, eu sou tão estúpida! E eu praticamente o ignorei agora há pouco! Será que ele ficou com raiva de mim por causa daquilo? Por favor, espero que não... Amber...

          Pensar que, naquele momento, Amber pudesse odiá-la, fez com que uma dor angustiante apertasse seu peito, como se, a cada batida, uma coroa de espinhos estrangulasse seu coração. Era a pior dor que ela sentira em sua vida.

          As palavras do professor eram sussurros longínquos.

          Sem poder aguentar mais, ela respirou fundo e olhou para trás.

          Roçando com o indicador os lábios, Amber fitava, concentrado, o texto diante de si. Percebendo algo, ele de repente levantou os olhos.

          Como se percorrido por um rio de chamas, o corpo de Jill se aqueceu ao ser capturada pelo olhar heterocromático dele. A princípio, ele denotava surpresa, mas, no instante seguinte, seu semblante abrandou-se num sorriso que lhe cobria todo rosto, e cuja ternura imediatamente acalmou todo o tumulto na alma da garota.

          — Olá, Jill — disse ele, sorrindo.

*

          Banhada pela luz dourada do sol, ela aguardava. Estava escorada ao lado da porta do terraço, as mãos entrelaçadas em frente ao corpo. O bilhete que ela lhe entregara durante o intervalo dizia para encontrá-la ali assim que a aula terminasse. Ela precisava esclarecer as coisas. Precisava determinar o que havia entre eles. Mas... Ela poderia realmente fazer algo tão direto? Não era ela uma covarde incapaz de ser sincera a seus próprios sentimentos? O que ela esperava então desse encontro? Por acaso estava tentando colocar toda a responsabilidade sobre Amber, encurralando-o até forçá-lo a assumir uma posição, enquanto ela, em sua patética atitude altiva, se mantinha seguramente sobre o muro?

          A porta do terraço se escancarou de repente, e Amber emergiu da escuridão interior. Ele a viu de imediato, e seus olhos se encontraram no ar quente do terraço.

          Sem pensamentos cristalizados, sem premeditação alguma, apenas seguindo sua voz interna mais oculta que sussurrava seus verdadeiros desejos, ela estendeu sua mão para o rosto pálido dele. Ao tocá-lo, sua pele se mostrou mais quente do que ela imaginara.

          Não... Pare. O que eu... estou fazendo?

          Ela acariciou os cabelos caóticos dele, suas mãos correndo e formando ondas negras entre os dedos. Ao mesmo tempo, o perfume mais agradável desgrudava-se dele e lhe chegava às narinas.

          Eu não posso... Isso está errado...?

          — Jill...

          Após ouvir seu nome, brumas envolveram-na a mente e, no instante seguinte, ela sentiu as mãos dele em sua cintura, apertando-a com força. O interior de sua cabeça tornou-se então algodão, e uma deliciosa sensação de entorpecimento flutuou pelo corpo, neutralizando o que restava de sua hesitação. Ela se rendeu completamente.

          Enquanto a figura dele lentamente se dissolvia na escuridão, decidida a dar uma resposta aos seus sentimentos, ela alçou-se nas pontas dos pés, puxando para si o rosto do garoto que, não havia dúvida, ela amava.

          E então, às 14h17 de uma segunda-feira, três meses depois de terem se conhecido, os lábios da garota e do garoto, tendo como testemunhas o azul-celeste e as trevas ocultas, finalmente se encontraram.

*

          No dia seguinte, o sorriso de Jill poderia ser visto da galáxia de Andrômeda.

          Nem mesmo as brigas incessantes de sua mãe com seu pai foram capazes de enodoar sua paz de espírito. Mais arrumada do que o de costume, ela saiu de casa saltitando de alegria.

          Da janela do ônibus, ela via o mundo desfilar e ele lhe parecia mais brilhante do que nunca. A suavidade da luz, o perfume no ar, o rumor tranquilo da cidade pela manhã. Tudo contribuía para seu bom humor. Tudo estava perfeito. E nesse clima, ela chegou à escola.

          Ao entrar na sala, seu olhar voou direto para a classe detrás da sua. Mas a carteira dele ainda estava vazia. Na verdade, além dela, só havia meia dúzia de alunos. Chegara cedo, então era normal. Sem perder o sorriso, seguiu para sua cadeira.

          Uma de suas amigas, ao vê-la do outro lado da sala, veio ao seu encontro.

          — Chegou cedo hoje, Ji-Ji!

          — Ah, oi, Kris! Você também.

          A amiga sentou-se a mesa da frente e, escorada com os dois cotovelos no espaldar, pôs-se a falar.

          — Que nada, eu sempre chego nesse horário. Como o ônibus só passa num horário pela minha casa, sou obrigada a acordar uma hora mais cedo. É um saco, mas, pelo menos, fico por aqui, jogando conversa fora com os garotos.

          — Entendi. Mas deve ser difícil. Eu já sofro pra levantar no horário normal, imagine uma hora mais cedo.

          — Bom, depois de um tempo você se acostuma, então não é nada demais. Agora, me fala. — A amiga de repente se aproximou, sorrindo com ar sigiloso. — O que há com essa maquiagem e essas roupas, hein? Faz tempo que não te vejo tão sensual na escola.

          — S-Sensual? — Jill riu, constrangida. — São roupas normais. Normais, ora! E a maquiagem estava há tanto tempo lá parada que pensei que, só pra variar, seria legal usá-la, então...

          — Ah, para com isso. Vamos, me fala, é pra ele, não é?

          Eles já sabem?!, ela pensou, sobressaltada. Será que alguém nos viu ontem, no terraço? Ou será que Amber saiu espalhando por aí? Apesar de que não imagino ele fazendo uma coisa dessas. E eu nem iria me importar, de qualquer forma...

          — Vai, me fala, é algum aniversário de vocês, não é? Onde vão comemorar?

          — Aniversário? — Jill ficou confusa.

          — Não se faça de boba! O aniversário de namoro!

          — Namoro! — exclamou ela, corando ao pensar no significado dessa palavra. — Mas nós nem começamos a namorar ainda. — Num sussurro embaraçado, ela completou: — Não oficialmente, eu acho... Apesar que... Não, não, melhor eu esperar...

          — Mas do que está falando, Jill? Vocês já estão juntos há meses. Para de brincadeira e me conta logo. Vai! Onde você e o Joe vão comemorar?

          — Joe? — perguntou Jill, com uma inocente expressão de dúvida. — Quem é esse?

~

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