Não pare a Música

By AliceHAlamo

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A dança é composta por vários elementos. Você tem a coreografia, o tempo, a música, o dançarino, a técnica... More

Capítulo 1 - Sasuke
Capítulo 3 - Ino
Capítulo 4 - Gaara
Capítulo 5 - Quebra de rotina
Capítulo 6 - Suas lentes
Capítulo 7 - Interesses
Capítulo 8 - O que os outros pensam
Capítulo 9 - Encantado
Capítulo 10 - Ajuda "mútua"
Capítulo 11 - Punição
Capítulo 12 - Fora de Foco
Capítulo 13 - Desafio
Capítulo 14 - Intensidade
Capítulo 15 - Mudanças
Capítulo 16 - Tensão
Capítulo 17 - Entre jogos e bebidas
Capítulo 18 - Escolhas
Capítulo 19 - A queda
Capítulo 20 - Bolha
Capítulo 21 - Luz acesa
Capítulo 22 - Segredos
Capítulo 23 - Permissão
Capítulo 24 - Montanha Russa
Capítulo 25 - Gravidade
Capítulo 26 - Amarga Vitória
Capítulo 27 - Forjada em veneno
Capítulo 28 - Aberto
Capítulo 29 - Relações
Capítulo 30 - Linda
Capítulo 31 - Cores
Capítulo 32 - Oportunidades
Capítulo 33 - Elos
Capítulo 34 - Marcas da alma
Capítulo 35 - Resgate
Capítulo 36 - Suporte
Capítulo 37 - O que tem atrás das cortinas
Capítulo 38 - Socos da vida
Capítulo 39 - A morte do Cisne
Capítulo 40 - Acerto de contas
Capítulo 41 - Vida
Epílogo

Capítulo 2 - Naruto

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By AliceHAlamo


Cinco horas da manhã, Naruto apenas abriu preguiçosamente os olhos ao sentir o colchão mexer e viu Hinata caminhar até o banheiro de sua suíte. Voltou a dormir, sabia que Hinata iria tomar banho e deixar sua casa em seguida para então ir direto ao hospital onde trabalhava. A médica era uma amiga antiga, da época de quando ele tivera que internar a mãe, e o relacionamento deles havia terminado há cerca de quatro anos, de forma amigável, de modo que ainda preferiram manter certos encontros casuais, mesmo que já não houvesse amor entre os dois.

Sentiu a mão em seu cabelo e o beijo em seu rosto, não ouviu com precisão, mas provavelmente Hinata havia lhe desejado um bom dia ou o alertado para que não se atrasasse.

Voltou a dormir. O relógio só tocou às sete, e ele só se levantou sete e meia quando sentiu um peso a mais em suas costas e um latido ardido próximo ao ouvido. Sentou-se, puxando o cachorro e acariciando-lhe a barriga de forma energética.

— Bom dia para você, monstrinho — resmungou risonho antes de se levantar e se espreguiçar animado.

Abriu as cortinas do quarto e soltou um pequeno som de descontentamento ao ver a chuva fina do lado de fora. O estômago roncando alto o fez ir direto à cozinha, seguido pelos passos apressados do cachorro.

Kurama era um vira lata de cinco anos já, porte médio, pelos alaranjados, um pouco mais gordo do que deveria e agitado como se ainda fosse um filhote. O cachorro não o deixava dormir além das oito horas da manhã, era pontual com sua comida a ponto de destruir algum móvel da casa se Naruto não levantasse e enchesse seu pote de ração. Por isso, antes mesmo de ligar a cafeteira, Naruto serviu uma porção generosa de ração para Kurama e trocou-lhe a água.

Depois, como todos os dias, fez seu café e encostou na pia enquanto tomava uma xícara bem cheia do líquido. Normalmente, não gostava do silêncio, gostava de apreciar o modo como os sons faziam parte do seu dia a dia, um plano de fundo perfeito para sua vida. Contudo, pela manhã, era agradável apreciar o silêncio que antecederia seu dia, como se fosse uma grande pausa antes de uma sequência alucinante de notas em sua partitura.

Às nove da manhã, colocou uma regata branca folgada e uma bermuda, a academia que frequentava era duas ruas acima da sua, então apenas colocava os fones de ouvido e fazia uma pequena caminhada até ela. Admitia que não gostava tanto do local, não era uma prática que o agradava, mas, por ora, bastava para mantê-lo ocupado por mais duas horas de sua manhã. Verdade fosse dita, a única parte boa era a esteira, correr e sentir o corpo chegar à exaustão era revigorante, e a esteira era a única coisa atualmente em sua vida que lhe trazia essa sensação.

Quando o relógio marcava onze horas, despedia-se da gentil recepcionista e caminhava de volta para a casa. A garoa fina o incomodava, ainda mais porque não havia levado o guarda-chuva. Chegou em casa e correu ao chuveiro, precisava de um banho quente, não podia correr o risco de adoecer logo no começo do ano.

Vestiu-se já para o trabalho, calça social escura, preta dessa vez, e uma camisa social branca dobrada até os cotovelos. Fez a barba e ajeitou o cabelo loiro na frente do espelho, os olhos azuis conferiram o resultado com certa satisfação antes de ele se dirigir à cozinha.

Almoço. Por pura preguiça, retirou o que tinha sobrado da janta do dia anterior e esquentou, comeu sem pressa, não conseguindo ignorar o olhar pedinte de Kurama e aceitando jogar a ele alguns pedaços de carne.

Organizou a louça suja na pia e acariciou as orelhas de Kurama, pegou sua pasta maleta e trancou a casa. De carro, levaria quinze minutos até seu trabalho, chegaria novamente com antecedência, e isso o deixava mais aliviado, odiava ter de lidar com sua chefe ou o sócio dela quando se atrasava um ou dois minutos.

Metodicamente, estacionou no mesmo lugar de sempre, mostrou sua identificação ao segurança e entrou no prédio. Gostava do ambiente. O piso de madeira produzia um som agradável com o encontro com seu sapato, as paredes claras ressaltavam a luminosidade do lugar, e as vozes dos alunos enchiam salas e corredores. O lugar parecia vivo, e isso o fazia sorrir.

Diferente dos demais que entravam no prédio e seguiam para os vestiários, Naruto seguiu para a sala A-02, conforme seu cronograma. Os alunos ainda deveriam estar em hora de almoço, por isso não estranhou o silêncio no local.

— Naruto! Que bom que já chegou.

Fez uma careta, aproveitando-se de que estava de costas para o outro. Respirou fundo e forçou um sorriso simpático ao virar-se e encontrar Orochimaru, um de seus chefes.

— Boa tarde, professor, deseja alguma coisa?

— Boa tarde — Orochimaru sorriu polido. — Sim, desejo. Gostaria de pedir que escolha hoje partituras do classicismo, tudo bem?

"Tudo bem?", Naruto ainda não sabia por que ele lhe perguntava aquilo se, mesmo que negasse, seria forçado a obedecer.

— Claro — respondeu com falso entusiasmo.

— Ótimo! Nos vemos daqui alguns minutos então.

Naruto assentiu e revirou os olhos assim que Orochimaru saiu da sala. Trabalhava como pianista há aproximadamente oito anos, desde os vinte, mas nunca tinha visto um chefe tão horrível quanto Orochimaru! Aliás, se pudesse voltar no tempo, recusaria a proposta de Tsunade, a dona da companhia de ballet, para mudar de filial. Estava muito bem na outra escola coordenada pela própria Tsunade, mas, a pedido dela, tinha ido "ajudar" Orochimaru, uma vez que ele havia tido uma séria discussão com o antigo pianista, Tobirama, quando ele se recusou a tocar ou a continuar na escola enquanto Orochimaru permanecesse. Não sabia os motivos que levaram o professor e o músico a se desentenderem, Tsunade só lhe havia dito que Tobirama havia manifestado uma queixa formal à escola após um incidente e que tinha se demitido em seguida.

Ah, se ele pusesse também abandonar aquele professor insuportável...

Abriu sua pasta, apoiou-a sobre o piano de cauda longa e retirou as partituras que usaria naquela tarde. Organizou-as de acordo com a ordem da aula de ballet, seguindo os exercícios que ele já havia decorado.

Ajustou o banco à sua altura, odiava quando alguns alunos mexiam nele. Abriu a tampa do piano, revelando as teclas, e verificou o som de algumas aproveitando para testar os pedais.

Sorriu com carinho para o piano e deixou que as mãos corressem livres pelas teclas. Havia leveza nos movimentos, como se o instrumento lhe cobrasse delicadeza para que começasse a cantar sua melodia.

Amava o som, era cheio, completo, firme, como se só ele sozinho pudesse substituir uma orquestra inteira. Não se lembrava da primeira vez que o tinha ouvido, tinha a impressão de sua vida toda possuía a doce melodia do instrumento ao fundo. Sua mãe, Kushina, tinha aprendido a tocar desde muito nova, uma imposição da família conservadora que mantinha tradições retrógradas e pensamentos intolerantes. O piano para sua mãe havia sido como costurar, cozinhar, cuidar da casa, nada além do que a família achava necessário para uma boa esposa, mas, além de tudo isso, havia sido como ela ganhara dinheiro para pagar os estudos depois de ter sido expulsa de casa por pensar diferente. Apesar de tudo, ela não odiava a música, era até bonito vê-la tocando com tanto amor, sua admiração era tão grande por ela ao assisti-la que Kushina não conseguiu se recusar a ensiná-lo. Ainda ria com nostalgia quando se lembrava da mãe chorando orgulhosa em sua primeira apresentação, seu pai tivera que impedir que ela invadisse o palco após os agradecimentos.

Conferiu o horário no relógio sobre o espelho da sala. Silenciou o celular e pegou sua garrafa d'água. Saiu do cômodo e caminhou pelo corredor do andar até o bebedouro, encheu a garrafa e fingiu não prestar atenção nos cochichos entre algumas alunas ao se aproximar.

Voltou à sala e estranhou ver novamente Orochimaru parado de costas para o espelho, de frente para uma aluna ao centro. Orochimaru segurava um bastão de madeira em mãos, que ele batia contra o piso de madeira para marcar o ritmo com que a aluna executava as piruetas.

Terceiro ano. Já havia se habituado a assistir às aulas e podia dizer até que entendia muito bem de ballet àquela altura, tanto que conseguia pelo menos chutar a classe a que a aluna pertencia apenas de observar sua técnica e os erros mais comuns.

Ela tinha um bom equilíbrio, mas a perna que se abria lateralmente antes da pirueta não possuía altura o bastante; para uma terceiro anista, aquilo já era muito mais que satisfatório, ainda mais depois de perceber que a garota de doze anos, talvez treze, já havia girado oito vezes seguidas desde que entrara na sala.

Quando Orochimaru parou de bater contra o piso, a garota parou de girar, esticou a perna do passet e retornou à postura inicial. Impecável, mas Orochimaru não parecia muito satisfeito, mantinha a expressão séria e o corpo apoiado na barra de exercício.

— Te mudarei sim de classe, Kiri — ele disse enfim, e a garota sorriu abertamente. — As aulas do quarto período são em outro horário, terá que se adaptar e fará as matérias complementares junto à sua turma antiga. Além disso, no terceiro ano há alguns passos que terá que aprender a parte para acompanhar as aulas do quarto. O ideal seria que você acompanhasse as duas turmas, mas sei que é impossível.

— Posso ficar depois do horário, pedir para outro aluno me ensinar, vou dar um jeito — ela se apressou a dizer, animada.

— De terça e quinta, à noite, depois da aula do oitavo ano, posso ficar por quarenta minutos para te passar a matéria. Um mês é o bastante e depois fica por sua conta treinar. O que acha?

A garota não pensou duas vezes antes de concordar, e Orochimaru a dispensou em seguida. Naruto deu passagem para que ela saísse da sala, comemorando com as amigas que esperavam do lado de fora.

Orochimaru pareceu satisfeito, e Naruto se dirigiu ao piano, já estava quase na hora da aula. Não conhecia as turmas, havia trabalhado com Orochimaru durante as férias da maioria das classes, portanto, só conhecia as crianças da turma preparatória. Além disso, havia outros dois pianistas na equipe, revezavam-se e, portanto, ainda havia turmas para as quais nunca tinha tocado. Ouviu as vozes no corredor, viu um a um os alunos entrarem e, pela idade deles, supôs que seriam de alguma classe avançada.

Assumiu sua postura, sentou-se no banco em frente ao piano, de costas para os alunos, e fechou e abriu as mãos repetidas vezes. Desligou-se do ambiente ao redor e respirou fundo ao fechar os olhos.

Era interessante como aquele local o acalmava. Gostava de como a música ressoava, presa pelas paredes, mas, ainda assim, preenchendo a sala de forma completa e vibrante. Quando os alunos começavam os exercícios, era satisfatório ouvi-los dançar conforme o ritmo que ditava, os saltos, as sapatilhas de ponta, cada passo acompanhando e ressaltando a melodia e suas características.

Concentrado, abriu os olhos quando Orochimaru falou seu nome. Girou minimamente o tronco e saudou com a cabeça os alunos.

— Reverência — Orochimaru comunicou a todos.

Os passos dessa primeira sequência eram os mesmos independentemente do ano dos alunos, era convencionada a coreografia de forma que nada mais precisava ser dito e até mesmo Naruto sabia como executar os passos, claro que não da forma delicada e graciosa com que os alunos dançavam, mas ele podia repetir a seu modo.

A música que tocava para aquela primeira sequência era lenta, notas de longa duração e que possibilitavam que os dançarinos realizassem a sequência com cuidado e atenção. Pelo espelho, Naruto conseguia vê-los, as bailarinas possuíam uma finalização diferente da dos bailarinos. Elas faziam uma reverência com os braços ao lado do corpo, dobrando os joelhos e abaixando o tronco, já eles mantinham o tronco reto, davam um passo para o lado enquanto abriam um braço e então, à medida que o braço descia para perto do corpo novamente, a cabeça se curvava respeitosamente.

— Nesse ano — Orochimaru se fez ouvir assim que a música parou. —, as obras que iremos apresentar já foram escolhidas. A companhia optou por dois ballets que vocês, no oitavo ano, têm a obrigação de conhecer. O primeiro será Giselle, e o segundo será Les Sylphides. Como sempre, os alunos do oitavo e nono ano poderão participar das audições para os papéis principais junto daqueles que já são graduados. E eu espero que todos — Ele girou a cabeça devagar, encarando cada aluno. — saibam o tamanho da chance, da oportunidade, que estão tendo. Então, não desperdicem. Treinem, aqueles que precisarem fechem a boca e comecem uma dieta, lembrem-se de que essa companhia tem um nome a zelar e não serão aceitos erros ou vexames. Alguma dúvida?

— Quem irá nos avaliar na audição?

Naruto olhou para a bailarina que havia feito a pergunta. Ela estava na primeira barra, de frente ao espelho, o local dos alunos preferidos de Orochimaru. Esguia, magra, cabelos cor de rosa presos perfeitamente.

— Tsunade escolheu professores e coreógrafos que vocês não conhecem para a audição, cinco ao todo, Sakura.

— Ah, uma pena que não estará lá, não é mesmo?

Naruto franziu o cenho ao perceber a ironia na voz do bailarino que havia respondido Orochimaru. Ele estava na barra logo atrás de Sakura, também em uma posição prestigiada, por que então provocaria o professor tão abertamente? O modo como ele tinha perguntado e olhado para o professor não deixava dúvidas de que era uma provocação, e Naruto viu Orochimaru estreitar os olhos antes de sorrir cansado.

— Sasuke, troque de barra com Deidara. E não, infelizmente, não farei parte dos jurados na audição.

Não havia surpresa na expressão do bailarino, e Naruto observou Sasuke abaixar-se para pegar a garrafa d'água no chão e então caminhar até a barra móvel no centro da sala de aula. As barras no centro não eram fixas nas paredes ou no chão, o que cobrava ainda mais dos alunos que tinham que controlar a força que colocavam sobre o apoio. Era um castigo. Normalmente, quem ficava com essas barras eram justamente aqueles com um desempenho inferior ou, como naquele momento, os que afrontavam Orochimaru sem razão aparente. Mas Sasuke não parecia incomodado com aquilo, parecia até... confortável.

Como a barra não era fixa, os dois lados podiam ser aproveitados, então, Sasuke estava de um e uma bailarina loira do outro. Conheciam-se, Naruto percebera o modo cúmplice como tinham sorrido um para o outro.

— Naruto? — ouviu Orochimaru lhe chamar e então percebeu que todos os alunos agora o encaravam com certa expectativa. — A próxima música, sim?

— Claro, perdão — respondeu apressado e voltou a sentar-se ereto frente ao instrumento.

A aula prosseguiu sem muitas intercorrências, apenas o mesmo de sempre, as mesmas broncas, a mesma sequência, as mesmas reclamações dos alunos que, aos poucos, cansavam-se dos exercícios. Mas, apesar de não ter nada de novo, havia diferenças gritantes naquela turma.

Oitavo ano, era uma turma avançada, com mais bailarinos bons do que medianos, e com alguns destaques que fizeram até mesmo ele querer parar de tocar para observar por completo a aula. Apesar de Sakura estar na barra da frente, não demorou a descobrir que a bailarina de maior habilidade era a que se chamava Ino, a mesma que dividia a barra com Sasuke. A mulher era simplesmente incrível e não era difícil descobrir o porquê de não estar no seleto hall de escolhidos de Orochimaru. Balançou a cabeça incrédulo, conhecia Orochimaru há pouco tempo, mas o suficiente para saber que ele nunca escalaria uma bailarina acima do peso para as barras da frente, muito menos para as apresentações da companhia.

Foco. Não podia se distrair durante a aula, mesmo que fosse contra as decisões de Orochimaru. Concentrou-se, ignorando os alunos como sempre fazia, e tocou até que o professor finalizasse a aula. Fechou o piano com cuidado, ainda tocaria naquele dia, mas precisava esticar as pernas um pouco.

— Você fica, Sasuke — ouviu Orochimaru anunciar e espiou por cima do ombro.

O bailarino encarava Orochimaru com certo tédio, o restante dos alunos saíam como se aquilo fosse normal, e Naruto franziu o cenho quando o professor ordenou:

— Cinquenta changements, sem pausas.

Naruto abriu o piano novamente, mas Orochimaru foi rápido ao dizer que não era necessário.

— Comece.

O bailarino ergueu o queixo, era orgulhoso, e por um momento Naruto achou que ele não obedeceria. Além disso, ele estava cansado, o collant branco grudava na pele, o suor descia pelas costas e rosto, não achava que ele conseguiria continuar se exercitando. Entretanto, Sasuke não falou nada, apenas se posicionou com os pés em quinta posição, deixou os braços abaixados em frente ao corpo e iniciou a execução do movimento.

Changement era um tipo de salto vertical feito com os pés na quinta posição. O bailarino não saía da posição inicial, ele apenas trocava, no ar, a perna que estava na frente, assim, a cada salto, mudava a perna com que aterrisava na frente, mas sempre garantindo que os pés formassem novamente a quinta posição. Simples, mas saltos exigiam forças nas pernas, nos joelhos, no abdômen, fôlego, postura, altura, e realizar cinquenta seguidos àquele ponto de exaustão era claramente um castigo.

No décimo, quando percebeu o tencionar maior dos músculos, parou de olhar, virou-se para o piano e começou a tocar qualquer coisa. Sim, qualquer coisa! Naruto só precisava seguir o ritmo dos saltos, o barulho leve dos pés de Sasuke ao encontrarem o chão. Sabia que aquilo ajudava, talvez fosse psicológico apenas, mas já havia percebido que os alunos pareciam se apegar à melodia, tirar forças dela para terminar as coreografias. E, mesmo que Orochimaru não gostasse, Naruto não se importava, não parecia justo torturar o bailarino daquela forma, então o ajudaria sim a finalizar os saltos.

Pelo espelho, viu o sorriso convencido e vitorioso de Sasuke, o modo como o cabelo úmido colava-se à face um tanto quanto arrogante, como ele parecia forçar o ar a entrar em seus pulmões enquanto convencia o próprio corpo a aguentar apenas mais um salto. E, quando ele abriu os braços para terminar o último e fechar a postura, os dedos de Naruto hesitaram, como se quisessem continuar a tocar apenas para ver o bailarino dançando um pouco mais. Ainda assim, pressionou as teclas como se pedisse a elas que a melodia se findasse e, assim, Sasuke pudesse enfim descansar.

Espiou Sasuke sobre o ombro, ele mantinha a postura perfeita, intacta, o peito subia e descia denunciando o cansaço, mas os olhos negros encaravam Orochimaru em desafio, e o professor deixava transparecer a sombra do que podia ser raiva.

— Mais alto da próxima vez, seus saltos não podem perder altura com o tempo, devem ser altos do começo ao fim — foi tudo o que Orochimaru disse. — Vou me preparar para a próxima aula, deixe a sala livre.

Sasuke desfez a postura, e Naruto recebeu um olhar irritado de Orochimaru antes de o professor sair da sala. Sorriu em resposta, como se nada tivesse acontecido. Fechou o piano com cuidado e, quando se virou, Sasuke estava deitado no centro da sala, tentando normalizar a respiração. Caminhou até ele e estendeu a mão com um sorriso gentil.

Sasuke franziu o cenho, havia certa desconfiança no olhar, o que só se comprovou quando ele se sentou, sozinho, e se levantou, também sozinho.

— Não preciso de ajuda — ele disse e não esperou uma resposta para começar a se dirigir até seus pertences e deixar Naruto para trás, parado no centro da sala.

* * *

As horas seguintes foram um lembrete claro de que Naruto não devia provocar Orochimaru ou se meter nos castigos dados aos alunos. Orochimaru o fez tocar apenas partituras difíceis e, além disso, parou a aula toda vez que Naruto errava uma simples nota, fazendo comentários ácidos que tirava risos dos alunos. Somente às dez, quando a aula da última classe terminou, Naruto teve paz.

Sua expressão devia ser igual à dos alunos, pura exaustão. Olhou através da janela; a chuva, que pela manhã era apenas uma garoa, agora vinha forte, e relâmpagos cortavam o céu escuro de vez em quando. Que bom que havia escolhido o carro em vez da moto para aquele dia...

Organizou sua pasta e nem se dignou a cumprimentar Orochimaru ao sair da sala e descer as escadas. Queria um banho quente, pediria comida no restaurante de sempre e assistira a uma boa série quando chegasse em casa, tudo para esquecer que o maldito professor tinha resolvido lhe tratar como mais um de seus alunos.

Quem ele achava que era afinal?? Naruto não era mais uma criança para ter que o aturar ou baixar a cabeça! Ele tinha trinta anos, era formado, estava trabalhando, merecia o mínimo de respeito!

Tropeçou no último degrau da escada e soltou um palavrão que fez os alunos reunidos na recepção o olharem espantados. Desculpou-se com um sorriso constrangido e teve que se esforçar para conseguir espaço entre todos para chegar à porta da frente. Como queria ser como os adolescentes ali esperando a carona dos pais para ir para casa...

Já do lado de fora, sob o toldo, suspirou ao perceber que se molharia no caminho até o carro. Entretanto, como se finalmente seu anjo da guarda resolvesse trabalhar, assim que deu o primeiro passo para encarar aquele temporal, percebeu que a água que esperava cair sobre seu corpo não veio. Em vez disso, havia um guarda-chuva rosa, grande, e uma mulher ao seu lado, andando na mesma velocidade que ele, embora não o olhasse.

— Ah... obrigado — agradeceu, o sorriso aberto e animado.

— Sem problemas, também estou indo para o estacionamento — ela respondeu sem muita surpresa, e Naruto se perguntou se ela fazia isso com todos. — Você é o pianista novo, certo?

— Sim! Você é bailarina? Quer dizer, é óbvio que é. — Riu, sem graça, fazendo-a sorrir.

— Oitavo ano. Quase formada — ela explicou. — Onde está seu carro?

— Ali, logo atrás daquele vermelho. Como é estar quase formada? Deve ser bom, você parece nova, então, terá muitas oportunidades! — comentou, otimista, gostava de incentivar os jovens a buscarem seus sonhos, sabia que muitos não tinham o apoio necessário em casa ou dos amigos como ele tinha tido a sorte de ter.

— Ah... nem tanto. — Ela deu de ombros, cansada. — Nova demais para isso, velha demais para aquilo. Ballet é um mundo cruel em que você precisa ser sempre jovem, magra e perfeita.

— Isso não existe — Naruto fez uma careta. — Acho que a melhor bailarina que vi hoje fugia desse padrãozinho.

— Ino? — ela arriscou. — Loira, técnica maravilhosa, acima do peso "ideal". — Fez aspas com as mãos enquanto revirava os olhos e deixava a chuva os atingir sem querer.

Naruto riu e segurou o guarda-chuva.

— Sim, acho que era ela. Ah! Você estava na sala, na primeira barra! — ele pareceu se lembrar. — Sakura, não é?

Eles pararam em frente ao carro dele, e Sakura assentiu.

— Vocês vão tentar as audições? — Naruto perguntou antes de abrir a porta do carro.

— Sasuke e Ino com certeza vão me arrastar com eles. — Ela riu, mas um riso baixo e suave, algo que andava na fina corda que separava a esperança da desilusão, da melancolia.

— Acha que nã-...

— Bem, eu tenho que ir — ela o interrompeu e sorriu minimamente. — Ah, é... obrigada por tocar hoje durante a punição de Sasuke. Eu soube que você o ajudou, obrigada mesmo. Ele é um pouco arisco e não deve ter te agradecido direito, mas não leve a mal, ele só não é... sociável. Mais uma vez, obrigada por ter ajudado ele.

Naruto suspirou e desistiu de retomar o assunto anterior.

— Não se preocupe, eu percebi que ele devia estar cansado depois de tudo, não guardo mágoas. Obrigado pelo guarda-chuva, até terça na aula. — Sorriu e abriu a porta do carro.

Sakura esperou que ele entrasse e então a observou se afastar até que entrasse em segurança no carro. Depois disso, deu partida no veículo, sua sorte era que o dia seguinte era um domingo e que poderia descansar bem para aturar uma semana toda de Orochimaru no seu pé. 

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