C A P Í T U L O 60
N O V I D A D E
A tentativa de suicídio da Ava só veio complicar mais as coisas. No dia seguinte a eu ter ido ao hospital, a Ava acabou por ir embora numa ambulância, devido ao facto da falta de transporte por nossa parte. Desde esse dia que a minha aproximação foi inútil. A mãe dela começou a passar vinte e quatro sobre vinte e quatro horas com ela e isso dificultava a minha vontade de interagir com a morena. Sempre que eu me tentava aproximar do quarto, a mulher mais velha caía em cima de mim. E não eram precisas palavras. Só o olhar dela mostrava que não me queria ali. E eu cedia a tal.
Consequentemente, a minha cabeça andava numa completa confusão. Eu já nem conseguia raciocinar direito. Depois da Ava ter atendido a chamada do Matt tudo piorou. Ele não voltou a ligar e isso só me dava garantias que estava a preparar uma das suas grandiosas aparições. Eu queria protegê-la de qualquer investida que ele pudesse fazer, mas sinceramente parecia que eu já não tinha capacidades. Ter posto o Niall de lado no plano de destruição do Matt foi um erro. Pena que eu só tivesse dado conta mais tarde. Eu estava frustrado. Sentia-me frustrado. E quando tal acontecia, eu agia de cabeça quente e fazia aquilo que mais tarde me iria prejudicar.
Todos aqueles dias sob alçada da mãe estavam a fazer mal à morena dos olhos azuis. Eu não conhecia a sua progenitora, mas claramente que ela lhe estava a fazer a cabeça para nunca mais confiar em mim. E eu, que apesar de tudo sempre fiz o que podia por ela, mesmo sendo pelas piores razões.
De noite, enquanto esperava que o sono me levasse para um estado inconsciente, pensava numa maneira de poder pôr de lado todos aqueles obstáculos. Acho que já nem conseguia raciocinar corretamente. Eu estava gasto e toda a minha vontade baseava-se numa palavra, morrer.
- Mas está tudo bem? – ouvi a voz da Ava e todo eu pareceu ter renascido. Ela vinha aí. Ajeitei-me no sofá. Os meus pensamentos tinham lavado a deitar-me.
- Sim, quer dizer, acho que sim. Mas vais já ver. – a voz da Ambar seguiu-se e os meus ombros descaíram quando percebi que ela não vinha sozinha.
Quando olhei para a porta vi as duas raparigas entrarem. A Ava olhou automaticamente para mim. Os meus olhos não conseguiam encontrar outra coisa senão o corpo dela. Parecia mais fraca. O cabelo comprido e escura dava-lhe um ar exótico e eu perguntei-me se mais alguma vez a iria ter nas minhas mãos.
Atrás delas seguiu-se o Niall. O seu cabelo estava mais loiro. Pouco falava com ele. Aliás, pouco falava com toda a gente. Não conseguia. Só queria o meu mundo e ninguém a perturba-lo. Além disso, a pessoa que eu mais queria que me ouvisse recusava toda e qualquer aproximação, portanto menos vontade de falar com os restantes eu tinha. Também não havia necessidade.
- Vá, senta-te aí. – o Niall apontou para o lugar à minha beira e a Ava caminhou para o mesmo, sentando-se. Quis mover-me para mais perto dela, mas mantive-me na minha.
Olhei para a ruiva e o loiro à minha frente com uma cara de interrogação. Não estava a compreender a situação. Seria para eu me levantar e deixa-los aos três sozinhos? Acabei então por me levantar. Aquele cenário não era certamente para eu fazer parte. Porém uma mão no meu peito fez-me parar.
- Precisamos que fiques também. – o Niall levantou os seus olhos de encontro aos meus. Apenas assenti e baixei-me de novo, sentando-me ao lado dela.
- O que se passa então? – falei, naquela que pareceu ser a primeira vez em cinco dias.
Eles olharam um para o outro. O Niall estava claramente nervoso, já a Ambar parecia descontraída. Interiormente uma luz acendeu-se e perguntei-me se aquilo tinha a ver com a conversa que outrora eu tivera escutado.
- Então... – o loiro virou a atenção para a namorada, ao mesmo tempo que esfregava as mãos uma na outra. Voltou a deixar cair o olhar em nós. – Nós temos uma coisa importante para vos dizer.
Nenhum de nós falou. Eu já estava à espera de tudo, e sinceramente já nada me poderia surpreender. Porém eu enganei-me redondamente. Porque quando somos egoístas, não conseguimos ver ponta de felicidade, especialmente quando essa mesma felicidade vai causar exatamente o contrário em nós.
- Se calhar não é o melhor momento, mas a Ambar não quer adiar mais isto...
- Nós não viemos para ficar. – a ruiva interrompeu o discurso dele. – A principal razão pela qual viemos foi para o Niall te contar a verdade. – ela apontou para mim. – Eu nem sequer queria vir. Os nossos planos sempre foram outros e excluíram-te sempre da lista.
- Disso eu já percebi. – disse-lhe. – Escusas de dizer sempre a mesma coisa. Se a tua intenção é deixares-me mal com isso, então podes dar meia volta e sair daqui. Não querias vir pois não? Não viesses. Ninguém te pediu. Até porque se conseguiste um sítio para viver foi graças a mim, então é melhor parares com essas acusações e insinuações, porque honestamente estou por aqui contigo. – juntei o indicador e o polegar, abrindo um pequeno, quase invisível espaço.
- Vá lá, não discutam agora. – o Niall pediu. – É suposto isto ser um momento de calma.
- Digam então o que se passa. Agora estou curiosa. – a Ava falou e todos olhamos para ela. Reparei que se sentiu observada quando o seu olhar pousou no chão. Porém não desviei o olhar do corpo dela.
Se nos próximos dias ela não me ouvisse, então poderia dar como finalizado o meu esforço para tal. Podia voltar para Carson e das duas uma, ou me voltava a juntar de novo ao Matt, ou então encostava-me num canto. De um momento para o outro foi como se o meu eu cheio de raiva tivesse desaparecido. Foi como se eu me tivesse transformado. Aquilo parecia resultado da influência da Ava. Ela deixava-me sem fôlego para conseguir voltar.
- Nós vamos casar e depois vamos para o Arizona. – aquela foi a frase que me fez desviar a atenção da Ava para o casal à minha frente.
Fiquei sem palavras. No meu interior havia sim uma enorme confusão. Não conseguia assimilar aquela informação. Tinha sido tudo muito depressa.
O Niall estava a olhar para mim, certamente à espera que eu dissesse algo. Mas eu não conseguia. Não conseguia. Aquela era uma informação demasiado grande para o meu cérebro que parecia estar a diminuir.
- Bem, isso é que é uma novidade. – a voz da Ava soou com um evidente sorriso a acompanhar. – Parabéns.
Ela levantou-se e abraçou a Ambar, fazendo o mesmo com o Niall. Aquilo era algo que eu não iria fazer. Não acreditava que o meu melhor amigo, se bem que eu já nem sabia se o poderia considerar como tal, ia fazer uma coisa daquelas. Era como se ele me estivesse a espetar facas nas costas. Logo ele, que desde cedo sempre se prontificou a levar alguns planos a cabo comigo. Mas primeiro ele fingiu-se de morto para poder fugir com uma rapariga, e depois aquilo... casar-se.
- Obrigada. – a Ambar respondeu-lhe com um sorriso. – Nós queríamos pedir-te uma coisa. Precisamos de testemunhas e queríamos que fosses uma delas.
- Claro!
Seguiu-se um silêncio. Olhei para o chão e depois fechei os olhos. Não conseguia acreditar naquilo. Estava a ser demasiado. Ainda para mais naquela altura. Não sei onde tinha a cabeça ao pensar que alguma coisa poderia dar certo. Ao pensar que o Niall nunca ia ficar fraco ao ponto de fazer aquilo. Com as revelações ao longo dos dias depois dele ter aparecido, só pode concluir uma coisa: eu nunca o conheci. Sempre pensei que a nossa amizade fosse como unha e carne, mas afinal de contas não passava de uma fina camada. Eu não o conhecia e não me conhecia a mim.
Quando o Niall voltou, pensei que pudéssemos voltar a ser o que éramos. Uns marginais. Mas ele tinha mudado e nós já não tínhamos nada a ver um com o outro. Eu tinha continuado igual, ou talvez pior, e ele tinha mudado completamente. Já não havia espaço suficiente para podemos estar no mesmo lugar. Ele tinha planos para a vida e eu nem sabia o que fazer no momento exato.
- Harry... nós precisávamos que fosses a outra testemunha... – depois daquele silêncio, onde o mais provável era que estivessem todos a olhar para mim, a voz do Niall surgiu demasiado deslocada da realidade.
Levantei-me e finalmente olhei para ele. – Queres uma testemunha para depois te pores a andar daqui para fora? – ri-me sem vontade. – Não precisas de nada disso. Podes ir agora. Se essas sempre foram as tuas intenções eu nem sei para que é que vieste.
Dito aquilo saí disparado para o meu quarto, batendo a porta com demasiada força. O meu primeiro instinto foi dar um murro no armário. Estava frustrado. Mas no fundo eu tinha era ciúmes. Porque o Niall conseguiu alguma coisa da vida e eu apenas me deixei levar, à espera que a vida me desse algo.
- Custa-te assim tanto ver as pessoas felizes? – quando ouvi a voz da Ava um pequeno clique despertou em mim. – Porque é que fazes sempre isso? Assim só estás a cavar o teu próprio buraco.
- Tu não entendes. – continuei de costas.
- Tu nem sequer explicas. Como é que queres que entenda? – o tom de voz dela começou a subir. – Ficas sempre à espera que saibamos tudo. Porquê? Custa assim tanto dizeres a verdade?
- Sai Ava. Sai daqui. – foi tudo o que eu pedi depois dela ter falado. Porém, eu soube, e acima de tudo senti que ela não tinha ido.