64| Culpa

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C A P Í T U L O 64

C U L P A 

- És um bocado, para não dizer muito, insolente, e eu não sei como é que o John deixa entrar aqui pessoas tão mal criadas. – entretanto ela virou-se para mim, a cara com uma expressão furiosa, mas talvez eu estivesse mais. – Se não gostas podes sair. Já não basta entrares aqui depois da hora e ainda fazes exigências.

(...)

- Como se tu te preocupasses realmente com isso. – ela riu-se sarcasticamente. – Quem olha para ti percebe logo que só queres saber do teu próprio umbigo, por isso não digas o que eu devo fazer. Olha mais para aquilo que tu não deves fazer, porque tu não és o dono do mundo. E eu juro que se arranjo provas de que foste tu que fizeste isto, eu acuso-te!

(...)

- Em primeiro lugar deixa-me dizer que esse nome fica horrivelmente mal em ti. – parei de mastigar e olhei para ela. No entanto não pude dizer uma única palavra que fosse devido à comida que estava na minha boca. Então apenas levantei a cabeça para ela continuar e poder explicar-me. – É nome de príncipe, e deixa-me que te diga que mais pareces um ogre. – revirei os olhos e deixei que ela continuasse. – És bastante arrogante e nada acessível.

(...)

- Tu tiraste a minha vida. – a voz dela estava fraca. Perguntei-me quantos comprimidos teria ela tomado. – Que mal tem se eu acabar com o que sobra?

A minha mente estava confusa. Emersa num mar de memórias que faziam as piores emboscadas possíveis. Era como se não conseguisse controlar aquilo que interiormente eu me estava a lembrar. Traiçoeiramente elas estavam a aparecer uma atrás da outra, fazendo-me ver aquilo que eu não queria, aquilo que eu a todo o custo tentava esconder. Porque aquela era a única maneira de eu me ver livre dos problemas, fingir que eles nunca tinham existido.

A Ava não era exatamente aquilo que ela mostrava. Ela estava protegida por paredes, por paredes que a isolavam da sua fraqueza e da sua vontade de desistir daquilo que a rodeava. Quando ela se tentou suicidar foi o momento onde ela se despiu e me mostrou aquilo que ela era realmente capaz. Ela podia ter toda aquela pujança e toda aquela aparência de rapariga forte. Mas eram só aparências. E eu também as tinha, porque eu vivia muito das aparências e isso fez com que eu escorrega-se.

Respirei fundo lentamente e enfiei o gorro na cabeça, abrindo depois a porta de entrada. Sentei-me no muro que protegia a casa e olhei em volta daquela rua, daquela cidade que eu não tinha qualquer familiaridade, nem queria ter. Eu não pertencia ali. Aliás, eu não pertencia a lugar nenhum. Eu estava perdido e perdido iria continuar se não me livrasse daquela vida. Eu não podia, não devia estar próximo daquelas pessoas. Eu não era como elas nem nunca poderia vir a ser. Elas tinham uma vida e eu estava a rouba-las. Porém quando somos egoístas não vemos mais nada à frente a não ser aquilo que queremos. Eu só me queria divertir um pouco, sair da minha vida enfadonha e fazer umas coisas sem importância. Só queria usar as pessoas para um pequeno tempo de diversão. Mas foi exatamente o contrário que aconteceu, e eu não estava a saber lidar com aquilo. Era demasiado para um idiota como eu.

Assim que terminei de enrolar o cigarro, coloquei-o entre os lábios e acendi-o com o isqueiro. Olhei para a minha mão e para a ponta acesa. Não sabia porquê, nem exatamente como, mas levemente encostei a ponta quente na pele da mão, fazendo isso repetidas vezes, ao início doía, mas depois eram tão habitual que só fazia por diversão.

A porta da abriu e eu parei com aquele auto flagelo reconfortante. Continuei a fumar o cigarro e de relance vi o Niall sentar-se ao meu lado. Suspirei. Não queria que ele estivesse próximo, não queria que ninguém estivesse próximo. Voltei a suspirar e depois do último trago atirei o cigarro para o chão, calcando-o. Preparava-me para voltar para dentro, quando a mão do loiro me agarrou no braço. Olhei para ele, mas rapidamente a minha visão ficou turva e eu tive de levar as minhas mãos de encontro ao meu nariz que estava a sangrar. Voltei a pousar o olhar nele e sem pensar duas vezes soquei-o da mesma maneira na cara.

Callous | h.sOnde as histórias ganham vida. Descobre agora