23| Mentira

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C A P Í T U L O 23

M E N T I R A

A altura do ano em que eu ficava completamente sozinho, encarregue às minhas vontades, estava próxima. O Matt ia sempre com a Savannah passar o natal e a passagem de ano para um país qualquer e nunca me convidada. Doze anos e ele nunca me convidou uma única vez. O meu Natal foi sempre passado sozinho, mesmo quando era um miúdo com dez anos. Não que isso me importa-se muito. Já não tinha significado nenhum. Mesmo quando ainda estava com os meus pais nunca era um grande Natal porque não havia dinheiro suficiente nem para comer, quanto mais para oferecer prendas.

Por isso aqueles dias que a maioria das pessoas ansiavam desde o início do ano, para mim eram apenas dias normais, como todos os outros, onde as pessoas elevavam o seu grau de hipocrisia e criavam falsos sorrisos e falsas vontades.

- Nós só voltamos dia dois de janeiro, por isso é bom que mantenhas tudo em ordem. E nada de tentar escapar, porque sabes que depois será pior. – o Matt olhou para mim, os seus olhos a queimarem-me por completo. Mostrou-me um sorriso falso e eu fui obrigado a virar a cara para o lado, apenas para não me descontrolar. A raiva e o ódio que eu sentia por ele aumentava de dia para dia e já não cabia mais dentro de mim.

Não lhe respondi e continuei a brincar com os anéis nos meus dedos. Eu queria muito desfazer-me daquele ser ignorante e irritante. Queria que ele provasse do mesmo que me deu e que sofresse ainda mais lentamente do que eu sofri. E eu não me ia preocupar com os meios que ia utilizar, porque eu só queria chegar ao fim.

- Estou pronta. – a loira entrou no escritório. Quando olhou para mim quase que lhe vi a frustração a sair dos olhos. – Vamos?

- Claro querida. – o Matt olhou para a sobrinha. Não sei se era a fingir, mas sempre que ele olhava para ela sorria e até mostrava alguma compaixão. O que era consideravelmente impossível para um monstro daqueles, mas que depois também parecia possível uma vez que eles eram sangue do mesmo sangue. – Ouviste o que eu te disse, agora pensa se queres sofrer as consequências.

Acabaram os dois por virar costas e caminhar para fora do espaço. Aproveitei para lhes mostrar, naquele caso apontar, o meu dedo do meio nas costas deles.

- Ignorantes de merda. – balbuciei num tom baixo de modo a que eles não conseguissem ouvir.

Esperei ouvir o som do carro arrancar e depois disso decidi tentar mais uma vez e procurar pela fotografia que o Carl me pedira. Eu tinha uma, mas não a que era dele, e se eu lhe desse aquela iriam vir muitas perguntas, das quais eu não queria responder.

Comecei por procurar entre os papeis que estavam em cima da secretária. Mas claramente que ela não lá estava. O Matt não era burro nenhum. Ele sabia como fazia as coisas. Se ele tinha realmente a fotografia ele ia guarda-la como se fosse algo de grande valor. O pior era para que meio ele queria utiliza-la. Nunca na vida ele tinha escolhido raparigas para as suas experiências por serem mais fracas fisicamente do que os homens. Por isso, se ele estavam com intenções de raptar a Ava, para isso não era com certeza. E o Evan. Bem, ele era um miúdo e não estava desenvolvido o suficiente para ser sujeito a algo tão pesado. Mas eu também não e fui.

O meu telemóvel tocou em sinal de mensagem. Peguei nele, vendo um número desconhecido no ecrã.

De: Número desconhecido [12:56 a.m]

Olá Harry, é o Evan. Bem, como me pediste eu estou a enviar esta mensagem para te informar que a minha irmã me atacou com perguntas sobre aquela rapariga que apareceu em tua casa e se tu e ela fizeram mais alguma coisa do que falar. Eu disse-lhe aquilo que ouvi e espero que não tenha feito nada de mal.

P.S. Desculpa só enviar agora. Mas não me deste o teu número e eu tive de arranjar a oportunidade perfeita para conseguir ver no telemóvel da minha irmã.

Rodei o telemóvel entre as mãos. Então ela tinha realmente feito perguntas ao irmão. Aquilo era tão suspeito e eu sabia, perfeitamente, que ela estava com ciúmes. De certa maneira isso agradava-me. Mas ao mesmo tempo eu sabia que não era bom, porque mais um passo e eu caía nela para depois nunca mais me conseguir levantar.

A razão era que ela encaixava muito bem em mim. A todos os níveis, e isso fazia com que eu a quisesse toda para mim. E isso era tão estranho, porque nunca tinha acontecido com mais nenhuma rapariga. Só que ela jogava comigo de uma maneira tão profunda que mesmo que eu quisesse mudar o resultado, era impossível.

Para: Evan [1:03 p.m]

Obrigado puto. Se ela voltar a falar em mais alguma coisa diz-me por favor.

De: Evan [1:03 p.m]

Eu sei que já te fiz esta pergunta muitas vezes. Mas vocês têm alguma coisa? Ou já tiveram?

Suspirei. Não é que eu ficasse chateado por ele perguntar, mas realmente deixava-me confuso o porquê dele o fazer. Seria por causa das nossas ações?

Para: Evan [1:05 p.m]

Nós não tivemos nem temos nada. Mas porque é que estás sempre a perguntar isso?

De: Evan [1:05 p.m]

Porque parece. E é a primeira impressão que vocês causam para alguém. E é difícil acreditar que não.

Fiquei a olhar para a resposta durante alguns minutos. Era estranho saber aquilo e eu não conseguia explicar bem porquê. Ao mesmo tempo deixava-me confuso, mas também me reconfortava e eu não conseguia encontrar uma explicação para tal.

Para: Evan [1:10 p.m]

Ela já namorou alguma vez?

De: Evan [1:11 p.m]

Noup.

Levantei-me e guardei o telemóvel no bolso. Aquela conversa estava a deixar-me confuso e eu precisava de esquecer por momentos aquilo. Então peguei nas chaves da cave e caminhei até lá. Quando abri a porta estava tudo muito silencioso. Fui até ao quarto e eles estavam lá os três, cada um na sua cama.

- Preciso de falar contigo Carl. – ele levantou-se e caminhou até mim.

Caminhamos para a cozinha onde eu me sentei numa bancada e ele ficou encostado a outra a olhar para mim. Ele parecia que estava com esperanças, mas logo eu arruinei-as, por pura estupidez e egoísmo.

- Não consegui encontrar a fotografia. – os ombros dele descaíram quando eu o disse. Mas era verdade, eu não tinha conseguido a fotografia que ele tinha. – E fui à morada que tu me deste, mas a casa estava vazia.

- Ao menos isso. – ele parecia descontraído. Mas se ele soubesse...

Ficamos em silêncio. Ele estava realmente debilitado e ou ele tinha cuidados urgentemente, ou ele iria morrer. E bem, isso seria a gota de água. Porque se eventualmente a família dele descobrisse toda a verdade...

- Obrigado pela ajuda Harry. – limitei-me a assentir às suas palavras. – Só queria ver uma última vez os meus filhos. Ainda por cima a Ava está quase a fazer anos.

Fechei os olhos. Era um sufoco ouvir o nome dela. – Quando é que ela faz? – perguntei tentando soar normal.

- Dia 31 deste mês. Faz dezanove anos.

- Se eu conseguir descobrir mais alguma coisa eu digo-te. – levantei-me e passei a mão pelo cabelo. – Eu tenho de ir agora.

- Espera. – parei quando ele falou. – Passa-se alguma coisa contigo? – juntei as sobrancelhas não percebendo. – Ultimamente andas muito passivo. Alguma rapariga?

Ri-me sem vontade. A vida foi realmente madrasta para comigo. Mas primeiro fui eu para ela. Podia ter sido tudo tão diferente se eu não fosse não cego ao ponto de me prejudicar a mim próprio.

Caminhei para a porta com o olhar para baixo.

- Se eu te contasse não irias acreditar.








Callous | h.sOnde as histórias ganham vida. Descobre agora