C A P Í T U L O 44
R E C U A R
Levantei-me depois de ter estado uns minutos a divagar no escuro. Abri a janela e logo de seguida vesti-me. Calcei umas botas e dei um jeito ao cabelo. Com um suspiro desci até à cozinha. Lá encontrei o Niall, sentado, com o computador à sua frente. Os seus olhos levantaram assim que me viram e logo depois vi-lhe um largo sorriso aparecer.
- Parabéns puto. – ele disse descontraidamente.
Olhei confuso para ele, vendo de seguida o meu telemóvel. 1 de fevereiro de 2015. Com tantas coisas a acontecerem, nem me tinha apercebido que aquele era o dia do meu aniversário. Mas mais importante que isso, era o dia em que fazia dois meses que tinha conhecido a Ava. E muito honestamente, se eu pudesse voltar atrás e fazer com que nunca nos tivéssemos cruzado, era o que eu realmente fazia, sem pensar duas vezes. Porque, não havia nada que me prendesse àquele momento. Nada. E quando eu digo nada, é mesmo nada. E isso foi realmente bem visível.
Não lhe respondi. Limitei-me a encolher os ombros. Não queria saber daquele estúpido dia para nada. Era absurdo. E não havia nada que me prendesse a ele. Só me fazia lembrar a maneira em como eu poderia não ter sido mais um no mundo, se tivessem feito a escolha certa.
Tirei o leite do frigorífico e depois uma caixa de cereais do armário. Despejei alguns para uma taça, colocando logo de seguida o leite. Sentei-me de frente para o Niall e comecei a comer.
- Já pensaste sobre o assunto? – fui eu quem levantou o olhar. Acabei de mastigar e depois respondi-lhe.
- Não.
- E não vais pensar?
- Não.
- Porquê? – a tampa do computador foi fechada e ele olhou fixamente para mim, apesar de eu estar mais concentrado na minha comida. – Não percebo Harry.
- Porque eu não estou interessado. – continuei a comer, ignorando o que pudesse vir a seguir. O clima já estava estragado há demasiado tempo e eu não estava com paciência para ter mais discussões estúpidas como aquela.
Aquele era um grande problema meu. Ignorar o óbvio quando ele estava mesmo debaixo do meu nariz. Porém era a única maneira que eu tinha de fingir que não havia problemas, quando na verdade eles me atingiam de todos os lados e de todas as maneiras.
Assim que acabei de comer pousei a taça no lava loiça e preparei-me para sair. Só que não foi tão fácil como eu estava a prever.
- Não estás interessado. Certo. – o Niall disse sem se virar para mim. – Tu nunca estás interessado Harry. Como é que algum dia queres destruir o Matt se nem para isso trabalhas?
- E tu. – dei alguns passos para trás e olhei para ele. – Tu fazes alguma coisa? Tu aliaste-te ao Matt. E não venhas dizer que foi para me proteger, porque não foi. Tu preferiste ir com a cabra da tua namorada, que pensa que sabe tudo e que fala como se tivesse a razão toda, quando ela não sabe nem de metade daquilo que eu vivi. Eu deixei-vos cá ficar e tudo o que vocês fazem é tentar controlar-me como se isto vos pertencesse. Mas não pertence, entendes? Tu não tens nada e perdeste tudo quando eu deixei de te considerar meu melhor amigo. Não penses que as coisas mudam de um dia para o outro, porque não mudam. Nem sequer penses vir com as tuas frases piedosas, porque tudo aquilo que eu não tenho e nunca vou ter é pena. Pensasses no que fizeste antes. Agora não podes voltar atrás. – apertei os punhos e as minhas veias ficaram automaticamente salientes. – Se é dinheiro que queres com tudo isto, então diz-me que eu arranjo-te a merda do dinheiro. Mas não interfiras mais na minha vida, porque tu não és ninguém para o fazer a partir do momento em que me traíste. E não esperes que eu o esqueça, porque isso nunca vai acontecer. E sempre que fores um filho da mãe comigo, eu vou lembrar-te disso, porque eu não quero saber se tu vais ficar magoado ou o raio que o parta. É para veres aquilo que me causaste quando eu pensei que tinhas morrido e tinha sido eu a matar-te.
Andei depressa até à porta de saída e mal coloquei um pé no exterior, bati a porta com a maior força possível, quase como se ela se fosse partir. Dei um pontapé com força numa pedra que bateu num poste e fui para o meu carro. Dei um murro no volante
A minha respiração estava acelerada e eu sabia que se não parasse por uns minutos, algo de grave iria acontecer. Então deixei-me estar parado e assim que me acalmei, conduzi. Entrei com o carro pela floresta a dentro até ao local onde estava o esconderijo. Ainda não lá tinha ido desde que tivera sido destruído. Mostrava indícios de ter sido queimado.
Saí do carro e caminhei até aos escombros. Não restava nada, absolutamente nada. Estava tudo destruído, que era o que o Matt queria fazer comigo e eu com ele.
Se ao menos nada de toda aquela merda tivesse acontecido. Se o Niall nunca tivesse sido burro ao ponto de preferir uma rapariga ao invés da nossa amizade, tudo teria sido muito mais simples e talvez o Matt já nem fosse uma presença viva na terra. Talvez nós pudéssemos ter liberdade para fazermos o que nos apetecesse. Mas, há sempre um mas e ele não quis saber.
Porém... porém eu já não sabia quem estava a errar.
***
Quando entrei em casa um barulho irritante estava a ocupar o espaço. Queria tapar os ouvidos, mas ao mesmo tempo não queria parecer uma criança, então deixei-me estar, mesmo que aquilo me estivesse quase a perfurar os tímpanos.
Fui até à cozinha e vi o Niall a destruir algo com um ferro. Caminhei rapidamente até ele e mal fui capturado pelo seu olhar, ele parou.
- O que é que estás a fazer meu? – perguntei ao olhar em volta da confusão que restava na cozinha.
Ele não respondeu, preferiu continuar.
- Para. – agarrei-lhe num braço e ele parou, olhando para mim.
- Deixa-me fazer isto. Se duvidas tanto de mim, deixa-me terminar isto.
- Isto o quê? – perguntei confuso.
- O dispositivo do Matt. Demorou dois anos a ser construído, mas eu estou a destruí-lo. Isto chega para compreenderes que eu não estou nem nunca estive do lado dele? Acabou, estás a ver? – continuou com aquele barulho irritante, obrigando-me a elevar a voz.
- Para Niall. Para! – pousei as minhas coisas em cima da mesa e voltei a olhar para ele. – Tudo bem, tudo bem que eu errei. E... – fiz uma pausa prolongada. – Desculpa por isso. Mas esta situação deixa-me fora de mim. E está tudo a acontecer muito rápido. Não podes estar à espera que eu concorde com tudo o que acontece.
- Não é fácil para mim também. O Matt raptou o irmão da Ambar e eu sei lá o que ele lhe fez. Provavelmente até o matou. É o que ele quer fazer com toda a gente. – um pequeno silêncio. – Não é fácil para ninguém.
- Por isso é que... – era como se as palavras quisessem sair, mas ao mesmo tempo algo as estivesse a puxar para trás, a minha cobardia claramente. – Eu estive a pensar, e quero que me faças agora a regressão. E independentemente daquilo que eu vir, eu não quero que me apagues aquilo da memória.
Os olhos dele congelaram nos meus, como se estivesse incrédulo com a minha escolha. Bem, era motivo, mas, eu já não sabia mais o que fazer. Ou era aquilo, ou não era nada.
- Então? – perguntei impaciente.
- Tu tens a certeza? – assenti. – Então 'bora lá.
Fomos para a sala e eu sentei-me no sofá. Não estava tão agitado como da última vez, por isso as coisas pareciam que iam correr melhor.
- Concentra-te num local pacífico e descontrai. Pensa em algo que te faça esquecer de todos os problemas. Fecha os olhos e conta até dez. – foi o que eu fiz, e logo de seguida o meu eu já estava em contacto com um eu muito anterior ao atual.
- O teu irmão? – aquelas vozes vinham de um local que eu desconhecia. O meu corpo estava a entrar dentro de uma casa, deveria ser a minha.
- Não sei, mas também não quero saber. – depois um corpo saiu de um aposento. Era o Matt e aquela visão não era uma continuação do que tinha acontecido na última. Era um recuo e eu e o Matt éramos adolescentes.
Vi-me caminhar para um porta. Quando entrei sentei-me numa cama e na outra estava o Matt sentado com as pernas contra os joelhos e os braços à volta do mesmo. Eu ri-me e suspirei, pegando num telemóvel antigo.
- Estás a ver Matt? – mostei-lhe o pequeno visor. – É a Ava.
A sua mão afastou o aparelho, deixando que o mesmo fosse para longe. – Deixa-me em paz.
- Porquê? Tu não gostas dela? Então queres ver as mensagens que trocamos.
- Para! Tu és mesmo... – ele levantou-se. – A Ava era minha namorada. Foste tu que a tiraste de mim e quando ela vir o traste que és, vai desejar nunca te ter conhecido.
- Disseste bem, era.
- Porque tu a tiraste de mim, como fazes sempre. Porque tu tens ciúmes de mim. Porque tu não és filho da Annabela e nunca vais ser. Ela é minha mãe e tu não passas de um coitadinho que ela adotou e que pensa que pode ficar com tudo. Mas isso não vai acontecer, não vai, porque tu... morre seu idiota.
Os meus olhos piscaram muito rapidamente e de um segundo para o outro eu já estava a ver o Niall e não eu e o Matt no passado.
- O que é que foi isto?! – tinha a respiração descontrolada e o coração a bater muito depressa.
- Eu não sei... quer dizer, é óbvio não é? – era assim tão óbvio? É que para mim estava tudo confuso. – Mas dá-me dois dias e eu descodifico toda a informação.
- O Matt... o Matt sabe disto?
- Ele não precisa de saber. Isto está dentro dele. O que interessa é o ódio, mais nada.