Desfecho triste, mas inevitável depois de tudo...
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**Cristiano**
A Mila chegou de São José no fim da tarde.
Eu cheguei no ap. praticamente junto com ela e os pais.
Mandei fazer o buquê mais lindo de flores brancas que um ser humano já foi capaz de produzir e levei de presente pra minha linda.
Era o mínimo depois do que ela passou e pelo que ainda tava por vir...
Os pais tinham trazido a Camila pra São Paulo e, antes de voltarem pra casa, me pediram uma força pra ajudá-la nos próximos dias, já que, além das sequelas do acidente, como o corte na testa e o braço imobilizado, minha linda ainda ficaria dias sem carro até que o seguro liberasse o dinheiro.
Pois sim, ela tinha dado "PT" no Fiesta, pra completar a minha angústia.
Assim que os pais dela se despediram...
— Gatinho, preciso conversar com você.
— Eu sei. Mas tenho uma coisa pra dizer antes. Você se importa se eu começar?
Ela abanou a cabeça já parando os olhos em mim, aguardando o que viria.
— Linda... Eu, faz tempo, tenho buscado meios de te contar algumas coisas da minha vida que, até então, eu não tinha tido coragem de dizer.
E os olhos dela se arregalaram com essa minha breve introdução, certa de que era algo ruim.
— Você sabe que... eu nasci, de uma forma ou de outra, alguém com necessidades especiais.
Ela não dizia nada. Só me observava com uma feição desconfiada.
— Sempre cuidei desse meu problema com a ajuda dos meus pais, pra que as sequelas fossem as menores possíveis. Mas, infelizmente, nunca houve tratamento pra insegurança que essa perna encurtada me trazia, o que sempre me deixou apreensivo em todos os meus relacionamentos, seja no colégio, na faculdade e principalmente... com as mulheres...
— Mas por que você tá falando disso agora??! Eu te deixei inseguro em algum momento? Ou fiz algo que te fez pensar que não gostava de você de verdade...???!
— Não, meu amor. Pelo contrário... Você sempre teve comigo como eu jamais poderia imaginar. O problema nunca foi você.
— E por que a gente tá falando disso então?
— Eu tô te explicando o contexto primeiro, pra que você entenda o que me levou a tomar algumas decisões.
— Fala logo, gatinho!!! Tá me matando de ansiedade desse jeito...
— Calma, linda... — e até ri.
Essa é a minha Mila, afobada como sempre...
— Bem... Como eu tava te explicando, eu passei a vida convivendo com essa merda de insegurança e o Bola, me conhecendo praticamente desde o dia que eu nasci, sacou que eu tinha me amarrado em você, antes mesmo da gente ficar pela primeira vez, lá nos Jogos.
Ela me sorriu lindo, assim que eu disse aquilo.
— Quando a gente ficou, mesmo que você nunca tenha me dado razão pra pensar isso, eu tava mal de imaginar que, talvez, você tivesse ficado comigo por dó.
— Credo, Cristiano!!!! E desde quando te dei motivo pra achar um absurdo desses??!
— Mila, eu sei que era tudo minhoca da minha cabeça... Mas me entenda também... A gente ainda tava se conhecendo... Eu não sabia muita coisa de você... Você linda desse jeito...
— Eu não acredito!!! — e cruzou o braço, amarrando um beicinho inconformado de criança contrariada.
Sabia que não ia ser fácil...
— E... por causa dessas minhocas idiotas da cabeça, o Bola veio com uma ideia pra eu matar todas elas de uma vez.
— E qual foi?
— Que eu me passasse por outra pessoa.
— Oi??!
— Que eu me transformasse temporariamente em outra pessoa, até sentir a segurança de que você estaria comigo, não importava quem eu fosse.
— Você tá me assustando, Kiko.
— Não fica, não, linda. Você vai entender...
— Você é algum criminoso?! — e perguntou com os olhos que não cabiam na cara.
— Claro que não. — e até ri. — Longe disso...
— Dupla personalidade?!
— Não... imagina... — e não consegui não rir.
— Que papo é esse, então?! Quem é essa outra pessoa?!
— Linda, a partir de agora, quero que você preste atenção em tudo que eu disser e que confie em mim.
— Kiko, você tá me deixando em pânico. Tô quase saindo correndo daqui...
Nessa hora, eu prendi a mão dela entre as minhas. E a Camila não mentia. Ela tremia feito vara verde mesmo.
— Mila, olha pra mim... De tudo que eu te falar, quero que você saiba que você é a única pessoa que eu amo. E que não existe nada mais verdadeiro que esse amor que eu sinto por você. Você tá me entendendo?
Ela balançou a cabeça, confirmando, mas tava pálida de tão assustada.
— Meu nome é Cristiano Ferreira Aguiar Nunes e minha origem não é exatamente em Aguaí. Eu nasci aqui.
— O quê?!
— Meus pais vivem aqui em São Paulo também.
— Como?!
— Meu pai se chama Alberto Nunes e é o presidente da Performer.
— Onde você faz estágio...?
— Isso... E, eu não sou exatamente uma pessoa...
— ...Pobre?
— Exato.
— Mas por que você vive naquele ap. minúsculo??! E anda naquele carro??!
— Essa é a questão, linda. Eu não moro lá. E o carro... Bem... Além daquele fusca... eu tenho outro... Outros...
— E por que... você...? Não vai me dizer que tudo é... uma farsa...
— Não queria que pensasse isso...
— Mas o que é então, Cristiano????!!!
— Era algo que eu precisava. Não por sua causa...
— Como assim?!
Eu queria acreditar que não tava tão ruim, mas o jeitinho inconformado dela, a feição de decepção... Era inegável que aquilo não iria terminar bem.
— O que é verdade nisso, Meu Deus...???! O que é real em você, Kiko????! — e, de repente, ela me atravessa com a pior pergunta que poderia, me olhando dentro dos olhos.
— Linda... Eu amo você mais que a minha vida. Isso é real...
— Responde, por favor!!! — e deu um grito que me surpreendeu. — Do meu Kiko... MEU!!! Aquele que eu conheci em Avaré. O que é real??
Eu respirei fundo, fechando os olhos.
— Desculpa, Mila... — e foi tudo o que consegui dizer, antes das lágrimas começarem a vazar.
— Por favor, gatinho... Fala pra mim...
— Eu amo você, linda. Isso é...
— Fora isso, Kiko!!! Fora isso... — e me surpreendeu com outro grito estridente em meio as lágrimas.
Eu balancei a cabeça, chorando.
— Fala... por favor... — ela já implorava.
— Quase nada... — e finalmente tomei a coragem.
— Eu não acredito... — e foi tudo o que disse antes de enfiar a cabeça entre as mãos e começar a chorar a valer.
— Por favor, linda... Não fica desse jeito. Não por isso...
Eu a coloquei dentro dos braços com a cabeça encostada no meu ombro, ainda agachado no chão. Mas ela não reagia. Só chorava alto, gritando agoniada... Parecia sentir muita dor... A pior possível...
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**Camila**
Levei um tempo ainda pra conseguir me convencer que não era um pesadelo. Era real e tava acontecendo ali, comigo, a valer.
— Por favor, vai embora.
— Não, Mila!!! Não faz isso comigo.
— Vai... Vai embora daqui!
— Eu não vou te deixar.
— Sai daqui! Por favor, sai...
— Eu preciso de uma chance...
— Não, Kiko... Eu te dei tudo que podia.
— Não faz isso comigo, linda... — e avançou pra me beijar, mas eu desviei o rosto.
Ele só respirou fundo, ainda chorando muito, levantou do chão, me deu um beijo no cabelo e falou perto do ouvido...
— Nunca duvide do que eu sinto por você, Camila. Nada é mais real que isso.
Pegou a carteira de cima da mesa e foi embora, o que me fez gritar de desespero.
Meu corpo doía inteiro. Uma dor insuportável, insuperável...
Eu corri pro quarto e afundei no colchão, dormindo sem perceber, acho que do tanto que eu chorei.