C A P Í T U L O 02
FRUSTRAÇÕES
Quando eu cheguei ao meu duplex nos subúrbios de Nevada estacionei o carro na minha garagem, e subi para o meu apartamento. Estava com tanta raiva que quase podia jurar que o vidro do espelho do hall de entrada ia partir quando bati a porta violentamente. Não me preocupei muito com isso, e então fui logo para a casa de banho, onde aproveitei para tomar um banho demorado. Assim que saí do chuveiro, limpei-me à toalha e vesti os primeiros boxers que encontrei. Só me lembro depois de ter caído na cama e de ter adormecido como se tivesse sido dopado para tal.
Acabei por acordar horas mais tarde. Ao menos foi o que eu pensei quando uma irritante dor de pescoço fez com que eu pragueja-se uma série de palavrões. Acabei por confirmar a minha teoria quando olhei para o relógio no telemóvel e vi as dez da noite. E mais um dia tinha passado e como sempre, eu não tinha feito nada de produtivo.
Ponto 1. tinha treinado a manhã toda com o Matt. Ponto 2. não tinha comido absolutamente nada, a não ser beber aquela garrafa de água depois do treino. Ponto 3. tinha-me exaltado com o Carl por causa das merdas do passado. E ponto 4. estava com uma bela de uma irritante dor de pescoço. Claro que se eu a pudesse trocar por uns belos murros na cara idiota do Matt, obviamente que eu o fazia. Mas claramente que ele não ia achar muita piada. Talvez pelo facto de eu o ter ignorado por um mês. Em parte isso deveu-se ao facto de ele meter o nariz onde não era chamado, especialmente quando envolvia a Savanaah, a sua irritante e fútil sobrinha de dezanove anos, um ano a menos do que eu. Mas se fosse só isso eu estava nos meus limites de irritabilidade. O grande problema era a autoridade do Matt que crescia de dia para dia.
Levantei-me da cama e encarei o meu guarda roupa, que na sua maioria sustentava peças escuras. Puxei umas calças pretas de um dos cabides e acabei por escolher uma camisola igualmente preta. Decidi puxar o cabelo para trás com uma bandana e depois de ter calçado umas botas quaisquer e ter pegado num casaco, fui para o carro. Conduzi mais uma vez apressadamente na escuridão, que não estava no seu habitual. Luzes de Natal espalhadas por todos os cantos, as árvores e os arbustos dos jardins com enfeites natalícios. É dia um de dezembro, qual é a piada de colocar estas merdas a tantos dias do Natal? Pensei quando mudei a velocidade ao reduzir a aceleração do carro.
Quando cheguei ao meu destino estacionei o meu carro no primeiro lugar vago que vi, e como entrou foi como ficou. Saí do mesmo e caminhei sobre a neve para o café. Depois de ter alcançado a porta fiz força para entrar, mas quando vi uma rapariga do outro lado a tentar fechar a porta parei os meus movimentos e ela também.
- Desculpa, mas o café acabou de fechar mesmo agora. - ela apontou para a placa na porta que em letras grandes dizia fechado.
- Não quero saber. - encolhi os ombros e fiz um pouco de força na porta para a abrir. Quando encontrei uma medida em que consegui-se entrar, fi-lo e fui direto para o balcão, sentando-me numa das cadeiras altas. - John! - chamei alto mas sem sucesso porque o rapaz não apareceu. Até que voltei a ouvir novamente a voz da miúda.
- Importas-te de sair? - ela apoiou um braço no balcão e ficou a olhar para mim.
- Importo-me!
- Então vou chamar o meu patrão para te tirar daqui. Isso que fizeste chama-se invasão de propriedade. – deu-me vontade de rir quando ela começou a falar politicamente. No entanto não o fiz.
- Deixa estar Ava. Não precisas de me chamar. – o John apareceu. – Levanta os copos daquela mesa por favor.
Fiquei a olhar para a miúda que virou costas e foi para a mesa. Só com um abanão por parte do John é que eu consegui desviar o olhar dela e olhar para ele, que entretanto se tinha sentado à minha beira, num banco. Ele sorriu para mim provocadoramente e eu revirei os olhos.
- O que é que foi? – perguntei sem paciência alguma.
- Nada! – ele levantou as mãos em rendição e continuou a rir-se. – O que é que estás aqui a fazer? Sabes que fechamos às dez. Perdeste-te nas horas ou...
- Apetece-me um café. – encolhi os ombros. – Quem é a nova miúda?
Não recebi resposta, apenas um olhar intenso por parte do John, que depois acabou por sorrir, com uma gargalhada no fim. Ele acabou por desviar o olhar para a rapariga que já estava a caminhar na nossa direção com um alguns copos nas mãos. Foi para trás do balcão e começou a lavar a pouca loiça que tinha levado com ela.
O silêncio permaneceu no espaço e quando eu estava quase a falar para pedir um café ao John pela segunda vez, ele fez isso por mim.
- Ava, tira um café para o Harry e traz-lhe um cigarro por favor. – ela virou-se para nós e assentiu para o John, que depois se voltou para mim, quando já não havia rapariga no nosso campo de visão. – É a Ava, a nova empregada, começou hoje.
Apenas assenti, sem perguntar mais nada e esperei pelo meu café, com as mãos apoiadas em cima do balcão.
O John sempre foi um conhecido meu. Não amigo, longe disso. Saímos algumas vezes à noite, mas nada por aí além, principalmente por causa da sua grande responsabilidade, o que para mim sempre foi uma merda, das grandes. Com vinte e cinco anos ele devia era de aproveitar a vida e não ser o dono de um café que por vezes mais parecia um bar com todos aqueles idiotas. Ao menos o café dele sempre serviu para eu me refugiar e não ouvir o Matt a falar comigo ou a mandar-me fazer qualquer coisa.
Se eu ainda tivesse o Niall como meu melhor amigo, talvez eu não frequentasse tantas vezes o café do John como fiz dos dezoito aos vinte anos da minha vida. Mas talvez aquele fosse o único local onde não me trazia uma lembrança para perder a cabeça.
- Está aqui o café e o cigarro. – quando olhei para cima vi a rapariga com os cabelos castanhos compridos a olhar para mim com uma cara não muito amigável.
Peguei no copo, sem lhe agradecer e levei-o aos lábios. Aquilo queimou-me um pouco e então tive de soprar. Depois bebi um gole e se não o cuspi foi por sorte, porque era realmente o que me apetecia ter feito.
- Que merda é esta? – quase que gritei, se bem que aquilo soou como um grito leve. – Foda-se, parece que deitaste aqui veneno para ratos. Como é que o John te deixa trabalhar aqui se nem sabes fazer o meu café?
- És um bocado, para não dizer muito, insolente, e eu não sei como é que o John deixa entrar aqui pessoas tão mal criadas. – entretanto ela virou-se para mim, a cara com uma expressão furiosa, mas talvez eu estivesse mais. – Se não gostas podes sair. Já não basta entrares aqui depois da hora e ainda fazes exigências.
- Não tenho culpa que o John admita que pitas como tu trabalhem no café dele. – empurrei o copo na direção dela com alguma força e isso fez com que vertesse algum do seu conteúdo. – Porque se trabalhas aqui tens de saber fazer o meu café, e se não sabes, podes ir embora.
- Porque não vais tu embora? Quem está mal muda-se!
- Hey, malta, vamos lá acalmar os ânimos. – o John bateu com o punho em cima da mesa. – Podes ir buscar as tuas coisas Ava e ir embora, eu faço o café para o Harry.
A miúda olhou para mim e depois de ter tirado o avental, pousou-o violentamente em cima do balcão, caminhando rapidamente para dentro.
- É assim Harry. Tu bem que o café – ele cheirou-o e fez uma cara esquisita, o que comprovou a minha razão. – pode estar uma merda, mas também não precisas de ser um idiota para a miúda. É o primeiro dia dela aqui. Não descarregues as tuas frustrações em cima dela.
- Se contratasses alguém eficiente para fazer um trabalho destes eu até compreendia. Mas colocares uma miúda que deve ter acabado de sair do secundário a tirar o meu café... – decidi calar-me e acendi o cigarro, que milagrosamente não estava como o café, depois de ter passado nas mãos dela.
Quando ele passou-me outro copo para as mãos eu bebi o café sem protestar. Mesmo sem ter comido nada o dia todo, com o café senti as minhas energias serem todas repostas, o que me deu vontade de sair dali e conduzir para um local que não fosse a minha casa. Peguei no telemóvel para ver se tinha uma chamada ou mensagem e encontrei uma última. Depois de a ter aberto, rolei os olhos com o nome que apareceu no ecrã.
De: Savannah [10:23 p.m.]
Por acaso não queres sair comigo hoje à noite?
Apressei-me a responder e depois de ter enviado a resposta coloquei o aparelho no seu silêncio total.
Para: Savannah [10:56 p.m.]
Não Savannah, eu não quero ir contigo a lado nenhum.
- Espera Ava. Vais sozinha embora? – olhei por cima do ombro e vi a rapariga ou Ava, o lá como era o nome dela na porta e o John ainda atrás do balcão a olhar para ela.
- Sim.
- Isso é perigoso miúda. – perigoso seria ela ser apanhada pelo Matt, hipnotizada e ser levada para ser uma cobaia em laboratório. Isso sim seria perigoso e podia acontecer se ela andasse sozinha na rua, tendo em conta que o Matt sempre escolheu qualquer pessoa para poder usar nas suas experiências. – Eu levo-te a casa, ao menos sei que chegaste em segurança. Vai ter de ser na mota, mas parece que já não chove e parou de nevar, por isso é mais fácil.
- Eu não tenho medo John. – mas devias, pensei.
- Mas eu levo-te. – ele contrapôs e eu limitei-me a revirar os olhos à conversa deles.
- Está bem, obrigada. – quando voltei a olhar para ela vi-a sorrir, mas depois dela me ter visto limitou-se a mandar-me uma cara de enjoo.
- Mano, vais ter de sair. – o rapaz por detrás do balcão saiu e eu só assenti às suas palavras. – Sempre podes vir amanhã, mas terás de aparecer mais cedo.
- Yah, eu vou fazer por isso. – caminhei com ele para fora e depois seguimos caminhos diferentes.
Fui para o meu carro e antes de entrar ainda o consegui ver a conduzir a mota com a miúda agarrada a ele. Acabei por entrar para o carro e depois de uns minutos comecei a conduzir para a floresta.