Mosteiro da Graça
O grupo chega ao mosteiro com Adrian e Dimitri à frente no vagão que transportava o corpo de Freya. Após adentrarem o pátio da Abadia, Dimitri sai do veículo preparando uma maca improvisada com um pedaço de madeira, ao qual Adrian, que carregava o corpo da bruxa enrolado em um pano branco, coloca-a em cima deitada.
Com a ajuda de Cassius e Oliver, eles levam a "maca" para o centro do pátio. Henrique, Diana e Beatrice despontam no local e aproximam-se ao verem o corpo coberto estirado na placa de madeira. Ao encararem o grupo, os três percebem que todos estavam com o semblante de desolação.
- Levem-na para a capela - pede o Rei.
Eles obedecem e encaminham-se até a capela com cada um carregando uma ponta da placa de madeira, apoiando-a no altar ao entrarem no lugar sagrado. Cassius e Oliver se afastam postando-se a um canto do pequeno templo.
Beatrice aproxima-se do marido.
- Quem é? - indaga ela.
- Freya.
- Ela...?
- Sim.
Ambos ficam em silêncio apenas observando Dimitri e Adrian postados de um lado do corpo enquanto Henrique e Diana aproximavam-se pelo outro. A bruxa ao parar do lado da "maca", retira o pano do rosto da sobrinha e fita a expressão lívida da outra com lágrimas escorrendo, silenciosamente, por suas bochechas.
- Eu nem pude me despedir de você.
- Eu não a protegi o suficiente - lamenta-se Adrian.
- Realmente, como deixou isso acontecer? Depois de tudo que foi feito para evitar esse desfecho - brada o Rei.
- A questão é que ela merece um enterro com honras - tenta amenizar Dimitri.
- Ela não será enterrada - protesta Henrique.
- Então o que será feito?
- Vou resolver isso de outra forma.
- O que pretende fazer? - questiona Cassius postando-se ao lado do antigo amigo.
- Vou trazê-la de volta.
Dimitri, assim como Oliver e Beatrice, olham perplexos para o Rei.
- Você está pensando em...? - Cassius se interrompe sem conseguir concluir a frase.
- Sim, estou.
- Você não pode deixá-lo fazer isso - implora Cassius dirigindo-se a Diana.
- Eu tenho poder para fazer isso e o farei.
- Isso vai contra a lei da vida - protesta Cassius indignado. - Você não está pensando em concordar com essa ideia absurda, não é mesmo Diana?
Diana não responde a Cassius.
- Apenas faça - diz ela encarando Henrique.
- Diana, não.
- Então saiam todos daqui - ordena o Rei - e não deixem ninguém entrar.
- Eu vou ficar - rebate Diana.
- Eu também - diz Adrian.
- Eu preferia fazer isso sozinho.
- Ela é minha sobrinha e não vou arredar o pé daqui - teima Diana -, sem falar que se for preciso, pode me canalizar.
- E eu fui a última pessoa que ela viu antes de morrer, quero estar aqui quando ela voltar.
Henrique bufa contrariado, mas acaba concordando com um aceno de cabeça. Cassius, sentindo-se derrotado, conduz os outros para fora da capela.
- Pai, o que está acontecendo? - indaga Oliver confuso, assim como os demais.
- Eu vou te explicar.
- Eu também quero entender o que está acontecendo - diz Dimitri.
- Assim como eu - comenta Beatrice.
Cassius os leva até um banco no pátio para explicar tudo, enquanto Henrique preparava-se para realizar a sua magia de ressuscitação.
O Rei reúne todas as velas, que estavam espalhadas pela capela colocando-as ao redor do corpo de Freya após Diana ter retirado todo o pano de cima da sobrinha, tentando não se impressionar ao ver o corpo da outra todo manchado de sangue seco, com as vestes rasgadas em alguns lugares e a ferida no peito, que a matara, exposta com uma crosta preta ao redor.
Henrique pede que Diana e Adrian fiquem afastados e posta-se ao lado da placa de madeira com uma mão pairando em cima do ferimento no peito e a outra sobre a testa de Freya. Fechando os olhos, o Rei respira fundo invocando a Morte. Aos poucos, uma névoa negra começa a circundar o corpo da bruxa aumentando de tamanho e uma ventania agita as chamas das velas.
O Rei sente seu corpo todo tremer e sangue escorrer por seu nariz, mas permanece na mesma posição e com os olhos cerrados. A névoa vai se esvanecendo, enquanto as chamas das velas se erguem transformando-se em labaredas que clareiam toda a capela e em um único sopro se apagam deixando apenas um rastro de fumaça.
Henrique, que perdera suas forças, cai no chão sentado.
Diana vai até ele ajoelhando-se ao seu lado.
- Você está bem?
- Sim - responde o Rei ofegante e limpando o sangue do nariz na manga da túnica.
- Funcionou?
- Sim e isso drenou toda a magia que me restava, agora só precisamos aguardar ela voltar.
Diana o ajuda a levantar-se e os três sentam-se em um dos bancos da capela para aguardar o despertar de Freya.
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Cassius senta no banco com os três parados de pé a sua frente.
- Pai, eu sei que o Rei é um bruxo, mas como ele conseguiria trazer Freya de volta?
- O Rei é um bruxo? - indaga Dimitri perplexo.
- Sim.
- Por que ele iria querer trazer Freya de volta? - indaga o cavaleiro novamente -, se é que ele pode fazer isso.
- Henrique é o pai de Freya e, sim, ele pode fazer isso.
O cavaleiro fica boquiaberto com os olhos cor de mel arregalados, assim como Beatrice.
- Agora entendo o desespero de Sua Majestade diante da morte de Freya - comenta Beatrice.
- E Freya sabia que o Rei era seu pai?
- Ela descobriu quando ainda estava hospedada no Castelo Real.
- Pai, como o Rei tem poder para trazer alguém de volta?
- Henrique é um bruxo de magia negra, por isso ele tem poder para fazer isso.
Foi a vez de Oliver ficar boquiaberto.
- Mas não é perigoso mexer com magia negra?
- Usar esse tipo de magia tem suas consequências sim.
- Eu cheguei a ler alguns livros da biblioteca do Castelo Real sobre magia negra - diz Beatrice - e lembro de um deles mencionar sobre ressuscitação.
- Acredito que a minha irmã não sabia que o Rei é um bruxo - comenta o cavaleiro referindo-se a Rainha Cateline.
- Ninguém na Corte sabe disso, então, provavelmente, ela também não sabia - informa Cassius.
- Será que a Freya chegou a saber que o Rei usa magia negra?
- Eu não sei, mas foi por causa dessa magia que o Rei foi embora e a mãe dela nunca quis que a filha soubesse quem era o pai.
- Vocês sempre tentaram esconder o passado de Freya, por mais que agora eu entenda isso, ainda assim não foi justo com ela - comenta Oliver.
- Eu também escondi algo de você.
- O que?
- Que sua mãe era irmã do Rei - confessa Cassius abaixando a cabeça - e ela morrera um pouco antes de ele ir embora.
Oliver olha pasmo para o pai.
- Por que nunca me contou isso?
- Não queria que você soubesse que tinha vínculo com o Rei, mas agora não tem mais razão para esconder isso.
- No final das contas, eu e Freya somos primos.
Eles continuam conversando, mas Cassius oculta do filho a parte que a mãe não fora acometida pela peste negra, mas, que na verdade, fora sacrificada pelo próprio irmão.