Cassius junto com os outros, desde que saíram do Castelo Forte dos Espinhos pegaram atalho pelas passagens subterrâneas das montanhas para evitarem a floresta a céu aberto e não correrem o risco de encontrarem com caçadores pelo caminho.
O grupo atravessa as rochas pelos túneis até chegarem em uma das cavernas das Montanhas Vendavais, onde anteriormente foram emboscados pelos caçadores e muitos bruxos foram capturados.
Dali em diante, eles teriam que encarar a Floresta da Lua para alcançarem o Mosteiro da Graça através das trilhas e precisariam fazer isso a pé, já que para seguirem pelas passagens das montanhas tiveram que deixar os cavalos para trás.
- Vamos ter que tomar cuidado a partir daqui - avisa Cassius aos demais -, ainda podem ter caçadores espalhados pela floresta.
Todos assentem com a cabeça.
O dia estava findando e as primeiras estrelas já despontavam brilhantes no céu quando eles saem da caverna em uma fila com Cassius e Diana a frente e Oliver e Beatrice na retaguarda protegendo as crianças que iam no meio. Todos caminham pela floresta, cuidadosamente, espreitando ao redor a cada passo que davam, até que chegando perto do mosteiro avistam um pequeno grupo de caçadores acampados.
- Caçadores a frente - anuncia Cassius fazendo sinal para que todos parassem de andar e se escondessem atrás dos arbustos por ali. - Eles estão justamente no caminho até o mosteiro.
- O que vamos fazer? - indaga Diana sentindo o coração acelerar de preocupação.
- Vamos ter que enfrentá-los se quisermos chegar até o mosteiro - responde Cassius escondido atrás de uma árvore espiando o pequeno acampamento dos caçadores.
- Como faremos isso, pai? - indaga Oliver aproximando-se do outro.
- Eu e você vamos lutar com eles para distraí-los, enquanto Diana e Beatrice levam as crianças até o mosteiro - responde Cassius sem tirar os olhos dos caçadores, que estavam sentados em troncos, distraídos rindo e bebendo em frente a uma fogueira.
- Eu vou lutar com vocês - dispara Diana -, quanto mais magia contra eles, melhor.
- Diana, é... - tenta objetar Cassius.
- Eu não estou perguntando - o interrompe ela -, estou afirmando.
- Pai, Diana tem razão, podemos ser mais fortes com mais magia.
- Está bem - concorda Cassius por fim.
- Beatrice, você consegue levar as crianças para o mosteiro? - indaga Oliver para a esposa, que estava atrás de si.
- Consigo sim.
- É melhor levar isso com você - diz ele entregando uma adaga a Beatrice -, não hesite em usá-la se for preciso.
Ela assente com a cabeça pegando a adaga e guardando-a dentro da sua bota de couro.
Cassius anda na direção dos caçadores tentando parecer despretensioso, enquanto os demais continuaram escondidos atrás dos arbustos.
- Quem é você? - interpela um dos caçadores, sentado em um toco de madeira em frente à fogueira, ao avistar Cassius aproximando-se.
- Sou apenas um viajante - responde o bruxo estacando seus passos.
- De onde você veio? - indaga o mesmo caçador sem tirar os olhos de Cassius.
- De um vilarejo um pouco distante daqui - mente o bruxo -, estou à procura do Mosteiro da Graça.
- Então o encontrou - diz outro caçador, sentado no chão de frente para o parceiro, apontando na direção do mosteiro.
- Agradeço pela ajuda.
Cassius recomeça a andar sem olhar para trás e com o corpo rígido.
- O que deseja no mosteiro? - interroga o primeiro caçador de supetão.
Cassius estaca o passo mais uma vez olhando para trás por cima do ombro.
- Estou indo em busca da caridade dos monges.
O caçador levanta-se olhando desconfiado para Cassius, que se vira novamente para o grupo.
- Na primeira oportunidade, corra com as crianças para o mosteiro - sussurra Oliver para Beatrice, agachados atrás dos arbustos.
- Está bem - responde ela olhando de soslaio para as crianças encolhidas atrás de si.
- Que tipo de caridade procura com os monges? - indaga o caçador aproximando-se de Cassius -, pois se for para saciar sua fome, pode comer conosco.
- Agradeço a oferta, mas não é só isso que procuro.
Cassius faz menção de virar as costas, quando o caçador retira de sua cintura uma corrente enrolando-a no pulso esquerdo do bruxo, que geme de dor ao sentir sua pele queimar com o toque do ferro.
- Ele é um bruxo! - exclama outro caçador levantando, de seu tronco, de um salto ao ver a marca de queimadura crescer na pele de Cassius, enquanto o outro puxava o bruxo pela corrente.
Cassius deixa-se ser puxado pelo caçador e ao aproximar-se dele, com a mão livre, alcança sua adaga escondida na parte detrás da calça fincando-a no abdômen do outro, que grunhi com o golpe soltando sua ponta da corrente e tombando no chão. O bruxo livra-se da corrente enrolada em seu pulso, quando os outros quatro caçadores já corriam em sua direção.
Naquele momento, Diana e Oliver saem detrás dos arbustos e com um gesto de mão arremessam três dos caçadores para longe, mas um deles continua indo em direção de Cassius. Beatrice junto com as crianças aproveitam a brecha e correm para o caminho até o mosteiro.
O caçador acerca-se de Cassius tentando lhe dar um soco no rosto, mas o bruxo esquiva-se golpeando o outro no ombro com a adaga, que dá alguns passos para trás sacando um punhal de sua capa cinza. Os dois entram em um combate corpo a corpo.
Enquanto isso, Oliver vai até um dos caçadores caído no chão e com sua adaga corta-lhe a garganta sem hesitar. Diana encaminha-se até a fogueira fechando seus olhos e esticando suas mãos em direção ao fogo.
Oliver olha para um lado vendo o pai lutando com o caçador, deslizando o seu olhar para o outro lado vê outro caçador indo em direção a Beatrice e as crianças, então escuta passos na grama e seus olhos se voltam para um homem aproximando-se de Diana. Ao cruzar seu olhar rapidamente com o do pai, este lhe faz um sinal com a cabeça para ir atrás de Beatrice, que ele prontamente obedece.
- Continuem correndo - diz Beatrice para as crianças ao perceber que o caçador estava vindo em sua direção.
Ela arranca a adaga que guardara na bota e a esconde na manga de seu vestido e continua correndo com as crianças mais a frente. O caçador a alcança puxando seu cabelo por trás e encostando o punhal na garganta dela.
- Não vai conseguir fazer nenhuma magia, bruxa - diz ele forçando a lâmina na pele dela fazendo um filete de sangue escorrer. - Nem tente.
- Eu não sou bruxa - diz ela tentando controlar sua respiração.
Beatrice desce a adaga escondida na manga por sua mão, ela agarra o cabo virando a ponta para o caçador atrás de si e a crava na pele dele acertando-o na barriga. Com o gesto inesperado o homem afrouxa o punhal da garganta dela, que aproveita para acertar uma cotovelada nas costelas dele. O caçador arfa de dor soltando os cabelos de Beatrice, que se afasta fazendo menção de correr, mas ele é mais rápido e a pega pelos cabelos novamente virando-a de frente para si.
- Maldita - pragueja o caçador entre dentes e com os olhos faiscando de raiva -, você merece morrer agora.
Beatrice vê, por trás do caçador, Oliver se aproximando correndo.
- Acho que é você quem vai morrer - sussurra ela.
O caçador olha rapidamente para trás seguindo o olhar dela e volta a encará-la, mas antes que ele pudesse erguer seu punhal para atingi-la, Beatrice o acerta com a adaga no olho esquerdo fazendo-o soltar o punhal, que cai no chão, dando alguns passos para trás e colocando a mão no olho ferido.
Nesse mesmo tempo, Cassius, com alguns ferimentos superficiais nos braços pingando sangue, finaliza o caçador ao enfiar a adaga em seu peito atingindo o coração em cheio e o corpo do mesmo tomba no chão. Ele vai atrás do outro que estava prestes a alcançar Diana, que permanecia na mesma posição ainda de olhos fechados, mas antes de conseguir chegar até o caçador, de repente as chamas da fogueira se erguem mais altas e todos os caçadores começam a pegar fogo, inclusive os que já estavam mortos.
Ao ver o homem à sua frente incendiar, Cassius recua alguns passos cobrindo o rosto com o braço.
Beatrice assusta-se com o fogo súbito que engole o corpo do caçador a sua frente e desmorona no chão. Oliver para ao lado dela ajudando-a a se levantar novamente.
Diana, enfim, abre os olhos e depara-se com Cassius encarando-a. Ela vai até ele e o abraça forte.
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Tribunal do Santo Oficio - Praça da Fé
Freya e Adrian chegam ao Tribunal, mas se deparam com a Praça da Fé apinhada de pessoas impedindo que se aproximassem mais do local.
- Isso só pode significar uma coisa - comenta Adrian olhando para a multidão.
- Que terá o auto-da-fé, ou seja, execução - completa Freya com a lembrança da mãe amarrada à estaca de madeira prestes a ser queimada viva passando por sua mente. - Temos que entrar no Tribunal e resgatar a Aimée como você fez comigo daquela vez.
- Sou eu que vou entrar e salvar a menina - diz Adrian seriamente -, você vai esperar aqui fora.
- Eu vou com você Adrian.
- Você não vai conseguir usar sua magia lá dentro, então não posso resgatar Aimée preocupado contigo.
- Eu sei me cuidar.
- Não duvido disso, mas ainda assim é perigoso - diz ele categoricamente. - Não quero que se arrisque a ficar presa, já que lá dentro tem pessoas que poderiam te reconhecer, então você vai ficar aqui fora e esconder-se para não ser vista por ninguém.
- Adrian... - tenta protestar ela.
- Vem comigo - a interrompe ele ignorando o protesto dela.
Eles seguem com os cavalos circundando a multidão para chegarem aos fundos do Tribunal, até que Freya olha para o palanque montado no centro da praça, onde havia uma forca com cordas penduradas à espera dos bruxos condenados para serem executados. Olhando mais para o lado ela vê três bruxas sendo arrastadas pelos carrascos com as mãos amarradas atrás das costas e capuz preto cobrindo-lhes a cabeça. Cada uma é direcionada em frente a uma corda, que os carrascos colocam ao redor do pescoço delas e depois retiram-se do palanque.
Ao observar mais atentamente as mulheres de costas prestes a serem enforcadas, Freya reconhece as vestes de Aimée.
- Não - berra ela com os olhos arregalados e a respiração falhando.
O som de sua voz é abafado pela gritaria histérica da multidão vaiando as bruxas e clamando pela execução das mesmas. Freya sente seu corpo todo tremer e uma vertigem tomar conta de si que a faz cair do cavalo derrubando junto no chão o saco de pano com seus pertences, por onde o urso de pelúcia de Aimée rola para fora.
Adrian apressadamente desmonta de seu animal e cai de joelhos ao lado da bruxa.
- Freya, fala comigo - implora ele colocando a cabeça dela em seu colo.
- Aimée - murmura ela abrindo os olhos e sentando-se -, ela está ali. - Freya aponta com o indicador na direção do palanque.
Adrian olha para as bruxas de costas com as cordas no pescoço e ouve ao longe a voz do Bispo ordenando a execução.
- Chegamos tarde - diz ele segurando-a pelos pulsos -, não há mais tempo.
Freya tenta se desvencilhar das mãos dele sem sucesso. Quando ela vai virar a cabeça para olhar para Aimée, Adrian solta seus pulsos e segura seu rosto, já molhado pelas lágrimas que insistiam em cair, com as duas mãos obrigando-a a encará-lo.
- Olha para mim, Freya - diz ele encarando-a profundamente.
Um dos carrascos puxa a manivela liberando a madeira embaixo dos pés das bruxas fazendo seus corpos despencarem no vazio. Uma delas tem o pescoço quebrado instantaneamente, enquanto as outras duas agonizam até serem, enfim, enforcadas. Naquele momento, Freya agarra-se ao urso da menina fechando os olhos e deixando as lágrimas escorrerem livremente por suas bochechas.
Ela começa a sentir sua garganta ser apertada e esmagada e, instintivamente, coloca uma das mãos no pescoço tentando aliviar a sensação de asfixia, mas sua respiração fica fraca e seu rosto arroxeado. Adrian a abraça apoiando a cabeça dela contra seu peito até percebê-la desfalecer em seus braços deixando o urso cair em seu colo.
Ele pega o saco de pano com os pertences dela, que caíra no chão, guardando o urso novamente, depois a carrega no colo colocando-a em cima de seu cavalo, amarra a trouxa junto as rédeas, monta no animal pegando as rédeas do outro também e segue cavalgando para longe da Praça da Fé deixando aquele cenário para trás.