Tribunal do Santo Oficio
Padre Bartolomeu e os caçadores chegam de volta ao Tribunal do Santo Oficio. Os carrascos vestidos em suas capas vermelhas arrastam Aimée pelo pátio até uma das celas no subsolo. Enquanto ela berrava e debatia-se, eles a prendem, pelos pulsos e tornozelos, nas correntes enganchadas na parede de pedra da cela e saem fechando a pesada porta de ferro deixando-a sozinha naquele minúsculo espaço frio, úmido e escuro.
Bartolomeu seguiu para o gabinete do Bispo Domênico.
- Voltaram rápido da visita ao Rei - comenta o Bispo ao ver o outro entrando na sala.
- Não foi necessário nos demorar na Corte.
- E trouxeram a bruxa?
- Sim, mas preciso avisar que ela é uma criança.
- Assim é mais fácil - diz Domênico com um sorriso maldoso. - Crianças são mais maleáveis, portanto confessam mais facilmente o que precisamos saber.
- Ela já foi levada para uma cela.
- Então quero que comece a ser interrogada o quanto antes.
- Agora mesmo - diz o Padre virando-se para sair do gabinete arrastando a barra de sua túnica preta no tapete aveludado, mas para no meio do caminho retornando sua atenção para o Bispo. - Já ia me esquecendo de contar que o seu protegido está vivo e vivendo como cavaleiro da Guarda Real.
- Adrian?! - surpreende-se Domênico encarando o outro boquiaberto.
- Ele mesmo, me contou que foi encontrado quase morto na Floresta da Lua por homens do Rei e levado para o Castelo Real.
- Por que ele não retornou para o Tribunal e ainda se tornou um cavaleiro?
- Ele apenas disse que não queria retornar e aceitou a oferta de ser cavaleiro.
- Isso faz dele um desertor e deveria ser punido.
- Concordo, mas como puni-lo se agora ele é protegido do Rei?
- Em algum momento, terei a oportunidade de punir Adrian - diz Domênico com seus olhos negros vidrados. - Agora pode se retirar.
Padre Bartolomeu retira-se do gabinete e encaminha-se para o subsolo entrando na cela onde Aimée estava. Ele a encontra encolhida no canto do cubículo abraçada aos joelhos e com a cabeça baixa.
- Você parece estar com frio - comenta ele ao aproximar-se da garota e notar que ela tremia da cabeça aos pés.
Aimée permanece na mesma posição.
- Eu posso te ajudar - oferece o Padre ajoelhando-se à frente dela.
Aimée, vagarosamente, levanta a cabeça com alguns fios de seus cachos ruivos grudados em seu rosto e olha para o homem corpulento de cabelos castanhos ondulados e de olhos amendoados intimidadores, que a amedrontava, a sua frente.
Bartolomeu nota que as bochechas da menina estavam molhadas por lágrimas e seus olhos azuis estavam inchados, então, percebe que o tremor do corpo dela era devido aos soluços do choro.
- Aposto que está com fome.
Aimée assente, levemente, com a cabeça.
- Então, eu só posso te ajudar se você me ajudar também.
- Como? - balbucia ela com voz trêmula.
- Contando a mim como foi parar no Castelo Real - responde ele com uma voz aveludada, tentando parecer amigável. - Haviam mais bruxos lá além de você?
Aimée apenas fica olhando para o Padre encolhendo-se ainda mais.
- Não vai me responder? - retruca Bartolomeu aumentando o tom de voz, começando a transparecer sua impaciência.
- Não... havia... mais nenhum... outro bruxo... no castelo - gagueja ela abaixando os olhos.
- Isso é mentira - diz ele esforçando-se para manter o tom de voz baixo.
- Não é - sussurra a menina com o olhar ainda fixo no chão.
- Quantos bruxos há no Castelo Real? - insiste o Sacerdote rangendo os dentes.
Aimée não responde abaixando a cabeça entre os joelhos, que ainda abraçava.
- Responde maldita bruxa - explode, enfim, Bartolomeu sacudindo, fortemente, Aimée pelos ombros.
Ela ergue a cabeça e cospe no rosto do Padre acertando-o no olho. Instintivamente, ele dá um tapa na face da menina, que com o impacto vira o rosto mordendo a própria língua e sentindo o gosto de sangue na boca.
Bartolomeu levanta-se furioso e retira-se da cela.
- Esta noite o castigo dela será passar fome - avisa ele aos carrascos que estavam de guarda do lado de fora da cela.
Aimée permanece encolhida sentindo sua bochecha arder e as lágrimas escorrerem.
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Floresta da Lua
Freya e Adrian estavam cavalgando há algum tempo pela estrada principal, ao pôr-do-sol, quando as primeiras gotas de chuva começam a cair.
- Precisamos achar um lugar para nos abrigar antes que a chuva fique mais forte - comenta o cavaleiro diminuindo o ritmo do cavalo.
- Temos que chegar ao Tribunal o quanto antes - discorda ela mantendo a velocidade de seu cavalo deixando Adrian para trás.
- Eu sei - diz ele colocando seu animal ao lado do dela -, mas debaixo de chuva não vamos conseguir cavalgar direito.
Um raio corta o céu e ambos olham para cima.
- Não podemos perder tempo. - Ela volta seu foco na estrada.
- Freya, nos abrigamos durante a chuva e depois pegamos um atalho até o Tribunal.
A chuva começa a se intensificar fazendo-os ficar com as roupas ensopadas. A contragosto, Freya acaba concordando em encontrar um lugar para esconderem-se da pancada de água.
A bruxa e o cavaleiro encontram abrigo em uma estalagem á beira da estrada principal, onde deixam os cavalos na estrebaria ao lado e entram no local. O lugar estava apinhado de homens bêbados, que jogavam cartas enquanto bebiam. Eles pegam apenas um quarto, que era o que as moedas que tinham davam para pagar.
Os dois entram no quarto simples e que cheirava a mofo. No cômodo havia uma cama de palha com uma mesa pequena de madeira, toda lascada nas pontas e corroída por cupins, ao lado e um baú no canto.
- Por uma noite isso basta - diz Adrian colocando as trouxas de ambos no chão ao pé da cama.
- Temos que partir antes do amanhecer - diz Freya olhando tudo a sua volta com expressão de desgosto.
- Certo - concorda ele -, está com fome?
- Não.
- Mas ainda assim precisa comer alguma coisa.
- Você pode ir comer algo, se quiser.
- Eu vou pegar algo para nós dois comermos e trazer para cá - diz ele indo em direção a porta. - Seria melhor tirar essas roupas molhadas para não ficar doente.
- Digo o mesmo a você.
- Assim que eu voltar, farei isso - diz Adrian saindo do quarto.
Freya olha ao redor sentindo-se enojada e lágrimas começam a escorrer por seu rosto. Alguns minutos depois, ela escuta a porta abrir-se, então enxuga as bochechas com as costas da mão permanecendo parada onde estava. Adrian aparece com uma bandeja nas mãos, que continha pão preto, uma sopa rala de legumes e frutas, como maçãs, pêras e ameixas.
- Você não tirou sua roupa molhada - observa ele colocando a bandeja em cima da mesa -, então vamos comer primeiro.
- Eu disse que não estou com fome - diz ela olhando-o sentar-se no chão com sua tigela de sopa na mão.
- Eu vou ter que dar na sua boca como se fosse uma criança? - indaga ele sarcástico erguendo o rosto para encará-la.
- Não.
- Então, vem comer - diz ele levando uma colherada de sopa à boca -, por favor - acrescenta o cavaleiro tentando não parecer rude.
Mesmo contrariada, Freya senta-se também no chão de frente para ele e pega um pão partindo-o ao meio com a mão e molhando uma das metades na sopa, depois coloca-o na boca mastigando lentamente.
Logo após terminarem de comer e deixar suas tigelas em cima da bandeja, Adrian levanta-se aproximando-se de Freya.
- Agora precisamos tirar essas roupas molhadas - diz ele estendendo a mão para ela, que continuava sentada no chão.
Freya coloca sua mão sobre a dele e levanta-se ficando de frente para o cavaleiro. Adrian pega, delicadamente, no tecido do vestido marrom dela e o puxa para cima arrancando-o por sobre a cabeça da bruxa. Ele a ajuda a despir-se por completo, inclusive, descalçando suas botas de cânhamo e em seguida tira suas próprias roupas, que era uma camisa de linho branca, um calção marrom e botas de couro, deixando-as estendidas no chão do quarto.
A bruxa perscrutava com os olhos o caminho que ele possuía de cicatrizes no peito e que levava as das costas. O cavaleiro também a encarava passando seus olhos pela marca de nascença dela no ombro esquerdo e deslizando até a cicatriz no abdômem feita por sua flecha, ele aproxima-se pousando o polegar por sobre a linha fina em relevo na pele de Freya, então a pega pela mão puxando-a para mais perto de si e ambos deitam no colchão de palha cobrindo-se com um cobertor rústico de lã.
- Precisamos ficar perto um do outro para nos aquecermos - diz Adrian ao pé do ouvido dela.
Freya, que estava de barriga para cima, vira de frente para ele. Ambos se encaram por alguns segundos e, então, Adrian aproxima seu corpo, sentindo o calor que emanava do dela, enlaçando-a pela cintura enquanto ela entrelaçava suas pernas nas dele e encostava sua cabeça no peito do cavaleiro. Ele apoia seu queixo no topo da cabeça de Freya acariciando seus longos cabelos pretos soltos pelas costas.